Acórdão nº 1164/09.3JDLAB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | SANTOS CABRAL |
Data da Resolução | 09 de Julho de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, confirmando a decisão de primeira instância, o condenou, como autor de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º, C. Penal., na pena de 12 anos de prisão.
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso: 1. O acórdão também não conheceu da impugnação da matéria de facto tal como era devido.
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Remetendo para a fundamentação da 1ª instância, sem indicar qualquer juízo novo sobre os factos impugnados.
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Não houve, assim, qualquer reexame da matéria de facto impugnada ou um juízo substitutivo.
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Alem do mais, o recorrente colocou ainda em causa o depoimento do co-arguido BB, ouvido como testemunha nos termos do art. 133.º n.º2 do CPP, por falta de credibilidade, conflito de interesses e ausência de corroboração externa.
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Questões que o acórdão agora recorrido não conheceu.
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O recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista nos artigos 379º 1º al. c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso - 425º nº4) – e artigo 428º, todos do C.P.P., porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
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Qualquer outra interpretação, de que não se verifica a aludida nulidade, comprime intoleravelmente os direitos de defesa do recorrente, maxime o seu direito de recurso, inquinando de inconstitucionalidade material as normas dos artigos 374º nº2, 379º 1º al c), 425º nº4) e artigo 428º, todos do C.P.P, por violarem o disposto no artigo 32º nº1 do C.R.P.
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BB foi ouvido como testemunha, mas é materialmente co-arguido, até porque foi ouvido naquela qualidade por recurso ao n.º2 do art.º 133º do CPP.
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Foi co-arguido no mesmo processo, onde os factos agora em discussão foram julgados, mas entretanto alvo de separação processual.
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Foi pedida certidão pelo MP, para investigar o BB pela prática destes factos por existirem fundadas suspeitas de co-participação – como resulta do requerimento feito na sessão de julgamento do dia 18.7.2011.
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Eram, segundo o próprio BB, as únicas pessoas a estar com a vítima na sua casa.
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Na perspectiva do BB, quando partiu para este 2º julgamento, tinha sobre si a espada do MºPº por o considerar suspeito da prática do homicídio de que ia agora testemunhar.
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Analisando vários critérios, deve ser recusado qualquer valor probatório ao depoimento de BB.
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Recorrendo primeiro aos critérios intrínsecos, temos: a. heroinómano na altura dos factos e no tratamento com metadona quando prestou depoimento.
b. Tinha razões ligadas à sua defesa para convencer o Tribunal de que não participou na morte do CC.
c. Nunca assumiu qualquer tipo de culpa, nem mesmo pelos factos já condenado, dizendo agora que o fez sob coacção.
d. No 1º julgamento, como arguido não prestou declarações por estratégia de defesa – segundo disse – agora, como testemunha, atira a responsabilidade para o recorrente AA.
e. O seu depoimento afrontou os factos provados nos pontos 9, 19 e 21, e os não provados nos pontos cc), dd) e ee) – do 1º acórdão e na parte entretanto já transitada.
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Mas, mesmo de acordo com o acórdão da relação recorrido, o seu depoimento não apresenta coerência interna ou externa.
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Em 1.º lugar, porque como resulta da ata de julgamento do dia 28.11.2012, foi esta testemunha confrontado com três depoimentos, todos divergentes – sendo que, segundo disse, nunca mais teve contacto com o recorrente após aquela noite.
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Quando se refere no acórdão recorrido que a testemunha disse que a vítima estava numa posição que denunciava já o total rigor mortis, quando é certo que este processo começa nas 6 horas após a morte e termina às 12h, quando se atinge a total rigidez muscular.
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Quando diz que foi intimidado e coagido a transportar o corpo da vitima até ao local onde apareceu, em total desacordo com a matéria de facto provada no pontos 9, 19 e 21 e não provada nos pontos cc), dd) e ee) – do 1º acórdão nessa parte já transitado.
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Quando refere a decisão recorrida que o arguido terá dito que este filho da puta mereceu morrer porque a vítima já teria matado muitos amigos dele, sem o mínimo indício deste motivo.
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Falta qualquer corroboração autónoma 21. Nenhum dos factos referidos na página 45 do acórdão recorrido merecem corroboração externa.
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Aliás, nem a 1ª instância, nem o acórdão recorrido, realizaram qualquer análise nesta vertente ao depoimento do BB.
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Quando refere que chegou a casa pelas 22h30/23h, sem qualquer outro elemento de prova que o suporte ou vá nesse sentido.
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Que o CC estava ajoelhado e com as mãos atras das cotas quando entrou em casa, pois nenhuns elementos de prova sequer o apontam.
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Que foi intimidado a transportar o corpo, quando os factos provados e não provados o desmentem.
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Que a vítima morreu por asfixia com o fio de telemóvel, quando nada resulta da autópsia, objectos apreendidos junto ao corpo ou naquela casa.
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Que a vítima estava de t-shirt, quando foi encontrada de camisa vestida.
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Pelo que, não valorando o depoimento de BB, deve o recorrente AA ser absolvido do crime de homicídio.
Termina pedindo que o presente recurso obtenha provimento e em consequência absolvido o recorrente.
Igualmente DD, demandante do pedido de indemnização cível não se conformando com o decidido no que concerne ao Pedido de Indemnização Cível veio interpor recurso de Revista, formulando as seguintes conclusões: I – Cabe recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão da Relação (art.721º, 722º nº1 alínea c) do CPC.
II - Deverão V.Exas Venerandos Juízes Conselheiros do STJ, decidir, revogando a decisão proferida pelo TRL no que respeita unicamente ao conhecimento do PIC e decisão em condenar o arguido AA a pagar à demandante uma indemnização cível num montante nunca inferior a 271.012,40 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora.
Respondeu o Ministério Publico ao recurso interposto pelo arguido referindo que: Entendemos que do acórdão recorrido resulta da apreciação e pronúncia sobre a totalidade dos factos trazidos ao recurso para este Tribunal da Relação, sendo a sua fundamentação clara, detalhada e suficiente, bem como correcta a interpretação e aplicação do Direito, não enfermando de qualquer omissão de pronúncia.
Neste Supremo Tribunal de Justiça pelo Sr.Procurador Geral Adjunto foi emitido parecer referindo que: ……… 2.2.2 – O recorrente também acaba por fundar a sua impugnação apontando, aqui sim, uma questão de direito: omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1/c) do CPP, por o Tribunal recorrido não ter, alegadamente, conhecido da impugnação da matéria de facto que havia feito da decisão da 1.ª Instância, nem se ter pronunciado sobre a falta de credibilidade do depoimento da testemunha BB.
A nosso ver porém, e salvo o devido respeito, a sua sem razão é manifesta.
Prescreve, com efeito, o art. 412.º, n°s 3 e 4, do CPP que, citamos: 3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.
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Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referencia ao consignado na acta, nos termos no disposto no n° 2 do artigo 364°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Visando portanto impugnar a matéria de facto, teria assim o recorrente o ónus de referir concretamente, de especificar, por um lado, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados; por outro, as provas concretas que sustentavam decisão diferente da tomada na decisão recorrida.
É, pois, insuficiente a indicação genérica do conteúdo de determinados depoimentos .Necessário seria que o recorrente indicasse os pontos precisos que, pela positiva, impunham uma decisão diferente quanto aos factos.
A Relação, como é sabido, não vai fazer um segundo julgamento da matéria de facto. O seu âmbito de cognição circunscreve-se aos pontos concretos e precisos dessa matéria que sejam contestados e identificados pelo recorrente, a partir das provas específicas por ele indicada. Só se essas provas impuserem, o que significa determinarem, necessária e inequivocamente, uma decisão diferente sobre aquele especifico ponto, a Relação poderá modificar a matéria de facto (também apenas nesse ponto preciso).
Ora, a invocação do teor genérico de determinados depoimentos não satisfaz a exigência legal, por não traduzir uma impugnação especificamente fundada do ponto de facto contestado. O mesmo é dizer: a impugnação de facto, para poder ter sucesso, tem de se apoiar em provas precisas, positivas e inequívocas, que cabe ao recorrente indicar, sob pena de rejeição da sua pretensão.
Analisando pois, a esta luz, a motivação do recorrente no recurso interposto para a Relação, verifica-se que este não deixou de identificar na verdade os pontos que considerava mal julgados (pontos 6.º, 8.º a 8.ºf), 9.º e 21.ºA).
Mas, e como muito meridianamente decorre do texto da motivação aduzida, quanto à indicação das provas que imporiam decisão diferente, limitou-se ao seguinte: (i)quanto ao ponto 6.º, a remeter para o depoimento que ele próprio prestou, bem como para os depoimentos de todas as testemunhas que foram ouvidas na audiência de julgamento, que indica uma a uma, com indicação do dia, as horas, os minutos e os segundos de início e fim dos respectivos depoimentos e uma enunciação breve dos seus conteúdos, cuja valoração pretendeu contrapor àquela que foi feita pelo Tribunal, do mesmo passo que desconsiderou de todo, “olimpicamente”, as inferências que sobre esta matéria o tribunal retirou desses e dos demais meios probatórios produzidos na audiência, devidamente explicitados em sede de motivação.
(ii) quanto aos demais pontos, por seu turno, a questionar...
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