Acórdão nº 2504/14.9T2SNT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução15 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1.

O Tribunal Colectivo da 1ª Secção da Grande Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, procedeu, no processo em epígrafe, ao cúmulo jurídico das penas em que o arguido AA, ..., foi condenado no âmbito dos Pºs nºs 1036/11.1 PCSNT, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra, e 1029/11.9 PCLSB da 8ª Vara Criminal de Lisboa, e condenou-o na pena conjunta de 13 anos de prisão (acórdão de19.03.2014, fls. 134 e segs.).

1.2.

Inconformado, o arguido interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões: «1. O Arguido já se encontra preso há mais de dez anos; 2. Teve uma pluralidade de crimes com julgamentos efectuados em momentos diferentes, todos já transitados em julgado; 3. Assim, é de aplicar as regras do Artigo 77º do CP, ou seja, uma pena única para os vários crimes praticados; 4. A decisão proferida no Acórdão dos presentes autos condena o Arguido em 13 anos de prisão efectiva.

5. Atendendo ao facto do Arguido, como supra referenciado, estar preso há 10 anos, a douta decisão condena o arguido a estar preso mais 13 anos, o que a ser assim o Arguido ficará preso durante 23 anos.

6. Tal pena é manifestamente excessiva face à natureza dos crimes praticados, que se resumem a roubos, furtos qualificados, condução perigosa, condução sem habilitação legal, desobediência, detenção de arma proibida, pelos quais foi julgado e condenado.

7. Ora o Arguido não matou ninguém, não violou, não raptou, não sequestrou, não roubou nenhuma fortuna nem deixou ninguém com sequelas à integridade física pelos seus crimes; 8. No nosso ordenamento jurídico temos penas de prisão de 3 anos, por rapto de crianças que nunca mais ninguém soube delas; 9. Temos penas de prisão de 6 anos pelo crime de abusos sexuais perpetrados sobre menores de idade e que foram consumados durante mais anos do que os de prisão a que os seus autores foram condenados; 10. Temos a generalidade dos crimes de Homicídio punidos com penas de prisão inferiores a 23 anos; 11. Ora o Arguido encontra-se preso desde os 25 anos; 12. Tem atualmente 35 anos de idade; 13. Assim, computando mais 13 anos de pena a cumprir aos 10 anos que o arguido já cumpriu, sem prejuízo das prementes necessidades de prevenção geral e especial que, no caso, se fazem sentir, inviabilizará ou dificultará excessivamente a sempre almejada reinserção social do arguido, computando que essencialmente praticou crimes contra o património.

14. A situação acima explanada trata-se de uma situação de concurso de crimes, devendo o Arguido ser condenado em cúmulo jurídico numa pena única para todos eles (e não fazer-se o cúmulo apenas em relação a duas dessas condenações); 15. Á pena única que resultar do cúmulo jurídico abrangendo todas as condenações deverá ser descontado o tempo de prisão já cumprido; 16. No caso aproximadamente 10 anos, tempo de prisão que o Arguido já cumpriu; 17. Não obstante a irrelevância disso para a efetivação do cúmulo abrangendo todas as condenações transitadas em julgado, não se pode deixar de dizer que a ser como o acórdão recorrido decidiu, para além de se violar o disposto nos Artigo 78º do CP criar-se-ia uma situação de quebra da unidade do sistema jurídico; Por tudo o exposto, Requer-se a V. Exas. que seja o Acórdão recorrido anulado e substituído por outro que determine uma pena única para todas as condenações anteriores, e que a tal pena seja descontado o tempo de prisão já cumprido, com o que farão V. Exas. Venerandos Juízes Conselheiros a já costumada JUSTIÇA».

1.3.

Respondeu o Senhor Procurador da República que suscitou, como questão prévia, a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, por entender terem sido violadas as normas dos arts. 77º, nº 1, do CPenal e 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), do CPP.

A este propósito, depois de enunciar os requisitos a que deve obedecer a «sentença do cúmulo» – «A sentença de cúmulo, obedece em tudo aos requisitos de qualquer sentença, sob pena de padecer de vícios e nulidades próprios da sentença (v. arts.º 374, 379 e 410). Na verdade, a efetuação do cúmulo implica fundamentalmente a apreciação em conjunto, dos factos ilícitos praticados (sua gravidade, contexto, constância e temporalidade) e da personalidade do agente (grau de culpa, capacidade de regeneração e comportamento do condenado) visando encontrar com atualidade, um cúmulo jurídico de penas global e abrangente que determine a fixação de uma “pena conjunta” ou “pena única” para todos os crimes praticados.

Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação indagará ainda se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade de caráter fortuito, não imputável a essa personalidade» –, concluiu que, «compulsado o acórdão, verificamos que o mesmo padece de falta de fundamentação, uma vez que não faz uma apreciação global dos diversos factos ilícitos praticados pelo arguido e da interatividade entre eles e a personalidade do arguido, em termos de possibilitar aquilo que no acórdão do S.T.J. supra citado [refere-se ao Acórdão de 31.01.2008, Pº nº 4081/07] se designou por “conjunto dos factos como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global”, i. é, dizemos nós e s.m.o., falta uma compreensão do processo lógico dedutivo que conduziu à pena única».

Quanto à pretensão do Recorrente de ver todas as penas em que foi condenado englobadas no cúmulo jurídico agora em discussão disse, no essencial, que «só há cúmulo jurídico de penas, quando o agente tenha praticado crime ou crimes, e por eles tenha sido condenado por sentença transitada, antes de outra condenação igualmente transitada em julgado … Ora, … os crimes praticados nos processos que compõem o cúmulo (…) foram praticados posteriormente ao trânsito dos processos que foram excluídos e bem do cúmulo; estes últimos não podem ser incluídos no cúmulo, porque a partir de uma condenação transitada, já o criminoso teve a “solene advertência” que se contem numa sentença, que é a de o condenado não voltar a praticar crimes.

Se reincide no crime, depois do trânsito de uma sentença, e for condenado numa pena de prisão, tem de cumprir as penas de prisão em sucessão».

1.4.

Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer em que considerou – que «nas operações de determinação da pena única, o acórdão recorrido, ao considerar que a moldura abstracta do concurso tem como limite máximo 31 anos e 8 meses de prisão, padece de erro de direito»; – que se mostra prejudicada a apreciação das questões atinentes à medida da pena conjunta, por, em sua opinião, o acórdão recorrido estar ferido de nulidade, nos termos do artº 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, porquanto, «… ao não descrever suficientemente, ainda que de forma sintética, os comportamentos do condenado integradores dos elementos integradores do tipo objectivo e subjectivo dos crimes em concurso, bem como as respectivas circunstâncias envolventes — todos eles elementos de facto necessários para permitir uma avaliação do “ilícito global”, essencial para uma determinação da pena única [acrescentando, em nota de rodapé, que “um juízo de rigor eventualmente até aconselharia que se tivesse determinado a realização de relatório social, atendendo ao tempo já decorrido, à provada toxicodependência do condenado e ao seu percurso prisional”] — chegando até a utilizar, várias vezes, conceitos de direito, o acórdão recorrido não permite, desde logo, que se alcance um juízo sobre o “ilícito global” que decorra da correlação e conjugação dos factos provados, deste modo inviabilizando que o STJ possa sindicar a opção que tomou, certamente radicada na consideração da globalidade dos factos e da personalidade do agente. Como este Supremo Tribunal vem repetidamente afirmando [cita, a propósito o Acórdão de 31/10/2012, Pº n.º 207/12.8TCLSB], a decisão que imponha uma pena única «deve bastar-se a si mesma no que respeite aos elementos de facto relevantes para a integração dos pressupostos de determinação da pena única».

Aliás, acrescentou parecer-lhe «…claramente ausente uma motivação de direito relativa à concreta medida da pena imposta, cuja duração ― 13 anos de prisão ― só por si justificaria uma particular e cuidadosa fundamentação».

1.5.

Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, o Recorrente nada disse.

2.

Tudo visto, cumpre decidir: 2.1.

É do seguinte teor a “Fundamentação de Facto” do acórdão recorrido: «1. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 03.07.13, no âmbito do processo comum n.º 1036/11.1 PCSNT, do juízo de pequena instância criminal da comarca da Grande Lisboa Noroeste, pela prática em 11.07.11 de um crime de furto de uso de veículo, p.p. no artigo 208º, n.º1 do CP, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. no artigo 3º, n.2º do dec. Lei 2/98 de 03.01, na pena de 15 (quinze) meses de prisão; de um crime de dano, p.p. no artigo 212º, n.º1 do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão; de um crime de desobediência, p.p. no artigo 348º, n.º1 do CP, na pena de 3 (três) meses de prisão, tendo sido, em cúmulo jurídico condenado na pena única de 24...

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