Acórdão nº 168/10.8TTVNG.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1.

AA instaurou, aos 08.02.2010, ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Estado Português, pedindo: a) A requalificação como contrato de trabalho subordinado sem termo, de direito privado, do contrato em causa nos presentes autos, de 30.05.1996 com as alterações de 08.08.1996 e 14.07.2005; b) A condenação do Réu a pagar ao Autor os subsídios de férias e Natal e 11 dias de férias não gozadas, vencidos desde 1996 até à presente data, e não pagos, no montante de € 51.932,59 e c) A indemnização pelo despedimento ilícito e remunerações devidas a partir do mês anterior ao da instauração da presente ação.

  1. Alegou, em síntese: · Em 30 de maio de 1996, celebrou com o Estabelecimento Prisional do Porto um denominado «contrato de prestação de serviços» (avença), pelo qual se obrigou a prestar os serviços de médico psiquiatra aos reclusos internados no referido estabelecimento prisional, mediante a remuneração mensal de 135.000$00, e pelo período de um ano, sucessivamente renovável, de segunda a sexta-feira, da parte da manhã.

    · Em 08.08.1996, o contrato foi objeto de alteração, passando o Autor a auferir a quantia mensal de 270.000$00 e no regime de horário completo.

    · Em 14.07.2005, a clª 3ª do mesmo contrato foi alterada, tendo o Autor passado a cumprir um horário de 35 horas semanais.

    · Pelo ofício nº..., datado de 15.05.2009, e com efeitos a partir de 30.06.2009, a Direção Geral dos Serviços Prisionais comunicou ao Autor a cessação da sua atividade naquele estabelecimento prisional; · Tal comunicação configura um despedimento ilícito, por não precedido de procedimento disciplinar, já que a relação estabelecida entre as partes configura um contrato de trabalho subordinado de direito privado.

    3.

    O Réu contestou: · Arguindo a incompetência material do Tribunal do Trabalho; · Alegando a inexistência de qualquer relação laboral de direito privado; · A entender-se o contrário, então, o mesmo contrato seria nulo atento o disposto nos artigos 15º,18º e 19º do DL nº427/89 de 07/12 e 10º do DL nº184/89 de 02/06, concluindo pela sua absolvição da instância e pela improcedência da ação.

  2. Por despacho de 11.06.2010, foi declarada a incompetência do Tribunal do Trabalho, em razão da matéria, para conhecer da ação e absolvido o Réu da instância.

    Interposto recurso pelo A., o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.01.2011, ordenou o prosseguimento dos autos.

  3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença a declarar que o contrato celebrado entre o Autor e o Estabelecimento Prisional do Porto, em 30.05.1996, com as alterações de 08.08.1996 e 14.07.2005, era um contrato de trabalho subordinado sem termo e de direito privado e considerado ilícito o despedimento do Autor. Consequentemente, foi o Réu condenado a pagar ao Autor: i) € 43.021,08, a título de subsídio de férias e de Natal desde 1996 até à data da cessação do contrato e de férias não gozadas no ano da cessação do mesmo; ii) € 22.084,01, a título de indemnização por antiguidade; iii) As retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença, tudo acrescido dos juros de mora a contar da citação, à taxa legal.

    6.

    Inconformado, interpôs o R. recurso, no conhecimento do qual, o Tribunal da Relação do Porto determinou a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da causa, na sequência do que este foi fixado, por despacho de 02.05.2012, em € 51.932,59.

  4. Por acórdão de 17.09.2012, o Tribunal da Relação anulou “o julgamento e atos posteriores”, ordenando a realização, na instância recorrida, de novo julgamento, “apenas e quanto à matéria constante do nº 22, última parte”, com subsequente prolação de decisão.

  5. Baixados os autos à 1ª instância, realizada audiência de julgamento tendo como objeto a repetição parcial do mesmo (sobre o facto 22 da sentença anterior) e decidida a matéria de facto em causa nessa repetição, foi proferida sentença decidindo em termos idênticos aos anteriormente decididos (na sentença de 16.01.2012).

  6. Inconformado, o R. interpôs recurso de apelação, pretendendo: i) a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra onde se concluísse que o A. não tinha feito prova de que o contrato que o ligava ao R. revestia a natureza de um contrato de trabalho, com a consequente absolvição do pedido; ii) concluindo-se de outro modo, fosse declarada a nulidade do contrato, sem quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios devidos pelo R. ao A.

  7. No conhecimento do Recurso, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 03.02.2014, revogou a sentença recorrida, absolvendo o R. de todos os pedidos formulados pelo A.

  8. Inconformado, insurge-se o A. em recurso de revista, retirando da respetiva motivação as seguintes conclusões: 11.1 O douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos arts. 1152° e 1154° do Código Civil e arts. 1° e 5° do Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969, ao concluir que o contrato celebrado entre o ora Recorrente e o Estado português é um contrato de prestação de serviços.

    11.2 O douto Acórdão do Tribunal a quo é ÚNICO, pois não há precedentes na jurisprudência nacional que qualifique um contrato como de prestação de serviços, não obstante se ter dado como provado que o exercício da atividade do Recorrente constituiu uma obrigação de meios (e não de resultados), não obstante os factos dados como provados revelarem os indícios da remuneração certa em função da disponibilidade e não do resultado, da existência de um período diário de trabalho, do local de trabalho na entidade empregadora, dos instrumentos de trabalho pertencentes à entidade empregadora, da existência de ordens e instruções específicas sobre o modo de prestar a atividade e não sobre o resultado, da existência de um controle de assiduidade transversal a todos os funcionários, da existência de uma avaliação regular de desempenho, da existência de um período de férias remuneradas, de o período de férias não poder ser fixado livremente.

    11.3 Perante a evidência do conjunto considerável de indícios reveladores de um contrato de trabalho, o Tribunal a quo desvalorizou sistematicamente os mesmos, sob a fundamentação de que também são compatíveis com um contrato de avença e com a liberdade contratual.

    11.4 O "contrato de avença" formalmente celebrado entre as partes (cfr. facto provado 32) não prevê nem estipula o gozo de férias remuneradas, o controle de presença através de pontómetro, a sujeição a um horário de trabalho diário a partir das 8h30, a sujeição a uma avaliação regular de desempenho, a sujeição a ordens e instruções específicas de um "superior hierárquico", pelo que ainda que fossem compatíveis com um contrato de avença, é indesmentível que tais factos, dados como provados nos presentes autos, não foram previstos naquele aparente contrato de avença.

    11.5 O que significa que tal omissão foi propositada, com o objetivo de manter uma aparência formal de prestação de serviços, assegurando ao EPP e ao Estado Português uma posição contratual menos onerosa.

    11.6 A real vontade contratual das partes extrapolou o aparente contrato de prestação de serviços, na verificação de um conjunto de indícios de subordinação jurídica, conforme resultou dos factos dados como provados.

    11.7 Não obstante o Tribunal a quo reconhecer que a atividade do Recorrente consubstanciava uma obrigação de meios, vem subverter completamente o conceito previsto no art. 1154º do Código Civil (prestação de serviços), afirmando que o contrato de avença pode também consistir numa obrigação de meios! O que não corresponde ao entendimento da generalidade da doutrina e jurisprudência.

    11.8 O Tribunal a quo, sobre o indício da remuneração certa, omitiu na sua consideração - certamente por lapso - os factos dados como provados nºs 5, 7, 11 e 14, que revelam que o montante auferido pelo Recorrente eram atualizados nos mesmos termos dos funcionários públicos e que a alteração na remuneração do Recorrente foi uma consequência direta do aumento do tempo de trabalho e não dos resultados, o que é totalmente incompatível com um contrato de avença.

    11.9 Sobre o indício do período diário de trabalho, o Tribunal a quo sobrevalorizou as 15 horas em regime de chamada ou prevenção e, em contrapartida, desvalorizou incompreensivelmente as 20 horas em regime presencial, para assim poder chegar à conclusão de que o período de trabalho era mais compatível com um contrato de avença, quando o facto provado nº 28 revela que este regime de trabalho era transversal a todos os médicos funcionários públicos do EPP.

    11.10 Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, os indícios do local da atividade e da utilização dos instrumentos de trabalho pertencentes ao Réu, quando conjugados com os outros indícios, são relevantes no sentido de demonstrar a posição de submissão do Recorrente e a sua forte inserção na estrutura organizativa, o que não é compatível com um contrato de avença.

    11.11 Ao contrário do que argumenta o Tribunal a quo, o indício das ordens e instruções resultantes dos factos provados n.ºs 22 e 23 extravasam claramente os poderes do contratante da avença; de facto, ao contrário do que está aparentemente previsto no contrato de avença celebrado entre as partes, o Recorrente não tinha qualquer autonomia para organizar livremente a sua atividade no âmbito da estrutura organizativa do EPP, com exceção da natural autonomia técnica decorrente da sua profissão.

    11.12 Quanto ao indício do controlo de assiduidade, e salvo (o) devido respeito, o Tribunal a quo usa de argumentação que o Recorrente não pode aceitar: ao mesmo tempo que o facto provado nº 19 refere que "no EP existia um pontómetro, através do qual era controlada a presença do A. e dos demais funcionários", e considerando tratar-se de um indício de subordinação jurídica, o aresto conclui que "dos factos provados não resulta que tal controlo visasse o controlo de...

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