Acórdão nº 352/08.4TBVRM.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução30 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

  1. AA, por si e em representação dos seus filhos menores, BB, CC e DD, instaurou acção de condenação, na forma ordinária, contra Empresa das Águas do EE, S.A., pedindo a condenação desta a pagar aos Autores a quantia de € 373.336,00 acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Fundamenta este pedido, em síntese, no facto da ré ser responsável pela manutenção e vigilância do Parque das Termas do …, não tendo a mesma colocado qualquer resguardo ou placa com indicação de perigo no local do rio ... denominado “Poço FF”, que tem dois metros de profundidade e um metro de diâmetro, ali se formando um redemoinho, local onde o marido da autora AA e pai dos restantes autores veio a falecer, por ter escorregado na rocha e caído no poço, onde ficou submerso cerca de 15 minutos - o que, segundo os autores, conduz à responsabilização da ré nos termos do artigo 493º, nº 1, do Código Civil, por violação do dever de prevenção do perigo relacionado com a possibilidade de acesso à área envolvente do denominado “Poço FF”.

    A ré contestou, sustentando que o parque se destina exclusivamente a passeio dos visitantes, existindo placas com indicações de proibido pescar e dar banho,e que tem vigilantes, impugnando a factualidade alegada no que tange às circunstâncias em que se deu o acidente e às características do rio no local em causa - defendendo que a conduta da vítima, nomeadamente ao descer até ao leito do rio, é que foi imprudente e esteve na origem da respectiva morte, não se integrando tal conduta numa utilização permitida e normal do parque, sem que o dever de vigilância abranja o risco daí resultante.

    A ré requereu ainda a intervenção provocada da GG Seguros, S.A.

    , para quem, segundo alegou, transferiu a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pela exploração de todos os seus estabelecimentos, intervenção que foi admitida como acessória.

    Houve réplica, impugnando a autora parte da factualidade alegada pela ré e, embora admitindo que à entrada do parque existe uma placa com indicação de proibição de dar banho, inexiste qualquer placa indicadora do perigo.

    Citada, a interveniente veio contestar defendendo, tal como a ré, que o sinistro se ficou a dever a negligência do sinistrado, que saiu do caminho pedonal para aceder ao ribeiro. Mais alegou que o local onde ocorreu o sinistro não está contemplado no contrato de seguro celebrado e que estão excluídos os danos resultantes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares.

    Notificada, a Ré veio defender que a apólice abrangia todos os riscos do Parque.

    A final, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.

  2. Inconformados, apelaram os autores, impugnando, desde logo, a matéria de facto fixada em 1ª instância, relativamente à matéria constante da resposta negativa dada aos quesitos 21 e 22 – fixando a Relação, após julgar procedente tal impugnação, o seguinte quadro factual: A) A ré Empresas das Águas do EE, S.A. é uma sociedade comercial na forma anónima, com sede na Av. …, Lugar do …, freguesia de Vilar da Veiga, concelho de Terras do Bouro, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Terras do Bouro, sob o nº …, e foi constituída por escritura pública de 19.04.1924, lavrada no Cartório do Notário Dr. HH, do Porto - cfr. certidão permanente 1528-2782-6164, disponível em www.portaldaempresa.pt., cujo teor se dá por reproduzido.

    1. A ré tem por objecto social a exploração de nascentes das águas do Gerês e actividades turísticas, tendo, nomeadamente, a concessão do Parque das Termas do ... - cfr. certidão permanente.

    2. II e AA contraíram, entre si, casamento, em 7 de Março de 1998, dissolvido por óbito do cônjuge marido – cfr. assento de casamento de fls. 25-26.

    3. CC nasceu a 19 de Abril de 2002, estando registado como filho de II e AA – cfr. assento de nascimento de fls. 33.

    4. DD nasceu a 17 de Outubro de 2003, estando registada como filho de II e AA – cfr. assento de nascimento de fls. 36.

    5. BB nasceu a 16 de Junho de 1998, estando registado como filho de II e AA – cfr. assento de nascimento de fls. 29.

    6. II, nascido a 6 de Maio de 1971, faleceu a 8 de Junho de 2008, na freguesia de Braga – São José de São Lázaro - cfr. assento de nascimento de fls. 42.

    7. AA nasceu no dia 13 de Junho de 1977 – cfr. assento de nascimento de fls. 44.

    8. No dia 7 de Junho de 2008, a autora, o marido e o filho BB, ingressaram no Parque das Termas do ..., tendo para o efeito, adquirido bilhetes mediante o respectivo pagamento.

    9. O Parque das Termas do ... é atravessado pelo Rio..., que nasce no Parque Natural por onde corre ao longo de muitos quilómetros.

    10. A Ré GG Seguros, S.A. declarou assumir a responsabilidade civil por danos materiais e corporais causados a terceiros e decorrentes das actividades afectas à exploração do estabelecimento hoteleiro explorado pela Ré Empresas das Águas do EE, S.A., nos termos do acordo de seguro titulado pela apólice n.º 50/012658, em vigor em 7 de Junho de 2008 – cfr. doc. de fls. 85 e ss. cujo teor se dá por reproduzido.

    11. O valor do seguro acordado é de € 500.000,00, tendo sido estipulada uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de € 125,00 em danos materiais.

    12. Aquando da Proposta de Seguro Novo, a aqui Ré Empresas das Águas do EE, S.A. identificou como unidades de risco as constantes da Apólice Multi Usos – ... – junta a fls. 98 a 100 e cujo teor se dá por reproduzido, sob a designação NOTA DESCRITIVA DOS BENS DA EMPRESA ÁGUAS DO EE.

    13. Do relatório de autópsia realizado ao cadáver de II constam as seguintes conclusões: «1. Pelos registos clínicos e achados necroscópicos, tudo indica que a morte de II foi consecutiva a afogamento.

  3. Considerando a história social recolhida neste GML, tudo indica estarmos em presença de um acidente.

  4. O exame histológico revelou lesões de aterosclerose e estenose em cerca de 70% do lúmen, das artérias coronárias.» O) Cerca das 16 horas do dia referido em I), BB acedeu a uma rocha junto ao local identificado, pelos Autores, como “Poço FF”, com as coordenadas de ponto na margem direita: WGS84 Longitude: - 8.161640; Latitude: 41.732109; Altitude: 378 metros, para ser fotografado pelo pai. (resposta aos nºs 1 e 66).

    1. Ao sair da aludida rocha localizada no leito do rio, escorregou e caiu neste, no local referido em O). (resposta aos nºs 2 e 69).

    2. De imediato, o pai deslocou-se na direcção do local onde o filho caíra. (resposta ao nº 3).

    3. Nessa ocasião, II escorregou e caiu ao rio no local identificado em O) (resposta aos nºs 5 e 7).

    4. A rocha referida em O) apresenta-se com inclinação, no sentido do poço, de cerca de 20 graus com a horizontal. (resposta ao nº 6).

    5. No rio, no local identificado em O), existe uma componente vertical, com força significativa, devido à queda livre, em jacto, do caudal fluvial (resposta ao nº 8).

    6. O referido II ficou submerso por tempo não concretamente apurado (resposta ao nº 11).

    7. A profundidade do leito do rio no local identificado em O) resulta das respectivas características de escoamento e das características geométricas e materiais do leito no trecho imediatamente a jusante (resposta ao nº 12).

    8. No local identificado em O), a profundidade é de cerca de 2 metros (resposta ao nº 13).

    9. A componente referida em T) provoca, numa primeira fase, movimento vertical do corpo a ela submetido (resposta ao nº 15).

      A

    10. Em 7 de Junho de 2008, o «Poço FF» não possuía qualquer sinal de sinalização de perigo (resposta ao nº 18).

      BB) Ressalvado o infra referido em FF) e GG), em 7 de Junho de 2008, o local referido em O) não possuía proibição de acesso à área envolvente (resposta ao nº 19).

      CC) Alguns utentes do parque das Termas do ..., apesar das advertências mencionadas em FF) e GG), descem para o leito do rio para fazerem fotografias (resposta aos nºs 20 e 78).

      CC1- II e a autora AA desconheciam que o “Poço FF” apresentava perigo.

      CC2- Caso o soubessem não teriam permitido que o BB se colocasse em cima da rocha a que se alude em O).

      DD) A Ré, a 7 de Junho de 2008, não tinha colocado qualquer resguardo à volta do «Poço FF» (resposta ao nº 23).

      EE) Em Julho de 2008 estava colocada uma rede a impedir o acesso quer ao «Poço FF», quer à zona envolvente onde se encontra a rocha referida em O) (resposta ao nº 24).

      FF) Na porta de entrada do parque aludido em I), onde são cobrados os bilhetes, está afixado um placard onde se diz «proibido pescar e dar banho» (resposta ao nº 42).

      GG) Dentro do parque há tabuletas em madeira com os avisos «proibido dar banho» (resposta ao nº 43).

      HH) O parque tem 19.000 m2 de área (resposta ao nº 44) e possui árvores densas das mais diversas espécies destinadas a proteger as pessoas do calor (resposta ao nº 45).

      II) O parque está aberto desde o início de Maio até ao final de Outubro, quando as termas estão em funcionamento (resposta ao nº 46).

      JJ) Para além das actividades organizadas pela Ré (arvorismo, barcos, parque infantil, piscina, tiro ao alvo, etc.), o parque destina-se exclusivamente a passeios pelos caminhos existentes (resposta ao nº 47).

      LL) Os caminhos pedonais são em terra batida, com cerca de 2 m de largura (resposta ao nº 48).

      MM) (…) e situam-se todos a uma cota de 2 a 5 m superior em relação ao leito do rio (resposta ao nº 49).

      NN) As margens do rio, ao longo do seu percurso no interior do parque, apresentam, em grande parte da sua extensão, uma configuração em declive (resposta ao nº 50).

      OO) (…) e não a pique (resposta ao nº 51).

      PP) (…) sendo impossível que alguém caia dos caminhos ao leito do rio (resposta ao nº 52).

      QQ) No local referido em O), a margem, por onde o menor BB e II desceram até ao rio, apresenta-se em declive, sendo a diferença de cotas, entre o ponto mais próximo da pedra referida em O), acessível a partir dos caminhos do parque, e a referida pedra, de cerca de 3,4 metros (resposta ao nº 53), com cerca de 4 a 5 m de extensão (resposta ao nº 54)...

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