Acórdão nº 679/10.5TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução09 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório.

    O Ministério Público propôs contra “AA – ..., S.A.” a acção declarativa, sob a forma de processo comum, sumário, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, 26.º, n.º 1, alínea c), e 27,º, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, pedindo que sejam: “1. Declaradas nulas as cláusulas 33.1 dos três contratos [comercializados pela Ré, a saber: «AA PPR PATRIMÓNIO»; «AA PPR»; e «AA PLANO PPR»], condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigo 30.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro); 2. Condenada a Ré a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30.°, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a 1Á de página; 3. Remetido ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093, de 6 de Setembro (artigo 34.º, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro).

    ” Na substanciação do peticionado, alegou, que: - as cláusulas 33.1 das condições gerais dos três mencionados contratos dispõem que: «Para a resolução de qualquer litígio ou diferendo relacionado com o presente contrato, é competente, no caso de acção proposta pelo Segurador o foro do domicílio do Tomador do Seguro e no caso de acção proposta pelo Tomador do Seguro, o foro da sede do Segurador (comarca de Lisboa)».

    - Tais cláusulas são proibidas em contratos deste tipo, porque violam "valores fundamentais do direito" defendidos pelo princípio da boa-fé (art. 15.º e 16.º do DL 446/85), em concreto, por lei imperativa, como é o caso do art. 74.º, n.º 1 CPC (na redacção da Lei 14/06 de 26/4), visto imporem por via convencional que a Ré, pessoa colectiva, apenas seja demandada na sua sede em Lisboa, quando o art. 74.º, n.º 1, segunda parte do CPC, concede ao credor o direito de optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida (o que, por aplicação da norma supletiva do art, 774.º do C. Civil, faz com que a acção respectiva possa ser instaurada na comarca do domicílio do credor, por ser este o lugar do cumprimento da obrigação pecuniária em causa); - Acresce que, tal estipulação também viola o art. 19.º, al. g) do DL 446/85 de 25/10, porquanto a atribuição da competência exclusiva à comarca de Lisboa é susceptível de envolver graves inconvenientes para os credores que residam noutras comarcas, sobretudo nas mais longínquas, nos casos em que estes pretendam agir contra a seguradora.

    A Ré contestou, apenas por impugnação, impugnando parcialmente a factualidade vertida na petição inicial e pedindo, a final, que a acção fosse julgada totalmente improcedente e, em consequência, a Ré absolvida dos pedidos, Findos os articulados, foi proferido Despacho Saneador, com valor de Sentença, que conheceu imediatamente do mérito da acção (nos termos do artigo 510,º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil de 1961 (aplicável ao processo sumário de declaração ex vi do artigo 787.º, n.º 1, do mesmo diploma legal), tendo julgado a acção improcedente e, em consequência, absolvido a Ré dos pedidos formulados peio Autor.

    Do decidido impulsou recurso a entidade autora, tendo, na apelação, o tribunal da Relação de Lisboa, decidido julgar a apelação totalmente procedente, e, consequentemente, deliberado: “1. Declarar nulas as cláusulas 33.1 dos três contratos comercializados pela Ré (a saber: «AA PPR PATRIMÓNIO»; «AA PPR»; e «AA PLANO PPR»), no segmento em que estipulam que "Para a resolução de qualquer litígio ou diferendo relacionado com o presente contrato, é competente, no caso de acção proposta pelo Segurador, o foro do domicílio do Tomador do Seguro e no caso de acção proposta pelo Tomador de Seguro, o foro da sede do Segurador (comarca de Lisboa)", condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, proibição esta que se reporta a todos os contratos de seguro do ramo "Vida" (artigo 30.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro): 2. Condenar a Ré a dar publicidade a tal proibição - em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30.º, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a ¼ de página - e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de trinta dias; 3. Mandar remeter ao Gabinete de Direito Europeu certidão do presente Acórdão, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093, de 6 de Setembro (artigo 34.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro).” Do julgado proferido pelo tribunal recorrido, impulsionou recurso de revista, a demandada, para o que concitou o elenco conclusivo que queda transcrito, na parte interessante. I.A.- QUADRO CONCLUSIVO.

    1. “O ora Recorrido veio invocar a proibição/nulidade das referidas cláusulas com fundamento na violação de "valores fundamentais" do direito, defendidos pelo princípio da boa-fé (artigos 15.º e 16.º do RCCG), e, em concreto, por lei imperativa, como é o caso do artigo 74.º, n.º 1 do CPC na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, correspondente ao actual artigo 71.º do CPC, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

      G) O Tribunal da Relação de Lisboa acolheu o entendimento perfilhado pelo ora Recorrido, considerando que as cláusulas objecto dos presentes autos são nulas, atento (ainda que não exclusivamente) o disposto no artigo 15.º do RCCG.

    2. Todavia, uma vez que a norma do artigo 74.º do CPC, resultante da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, se aplica "às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso" - cfr. o disposto no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2007, de 18 de Outubro de 2007, do Supremo Tribunal de Justiça - resulta que a maior parte das acções judiciais é abrangida por este normativo.

    3. Noutros termos, a introdução em 2006 da regra imperativa de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações veio regular de forma imperativa a competência territorial para a esmagadora maioria das acções que, no caso concreto, podem ser instauradas por decorrência da celebração/execução de contratos de seguro.

    4. Isto mesmo foi reconhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos e resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2010, no qual se reconheceu que "(…) a referida cláusula tem actualmente um âmbito muito reduzido considerada a nova redacção dada ao artigo 74.º/1 e à alínea g) do artigo 110.º ambos do CPC e atenta ainda a prolação do acórdão de uniformização de jurisprudência de 18-10-2007 - tal cláusula será aplicável a situações em que a resolução se fundamenta na alteração das circunstâncias ou nas acções de anulação ou de declaração de nulidade que a ré possa intentar.,, K) Contudo, o Tribunal da Relação de Lisboa não retirou as devidas ilações do reconhecimento supracitado.

    5. Como bem considerou o Tribunal de 1.ª instância, " (...) perante o quadro negocial padronizado, a referida cláusula tem um âmbito reduzido, sendo residualmente aplicável a situações em que a resolução se fundamenta, na alteração das circunstâncias, ou nas acções de anulação ou de declaração de nulidade (...). O reduzido leque de acções a que a cláusula tem, actualmente, aplicabilidade (...) faz com que seja igualmente diminuto o número de pessoas por ela abrangidas, sendo que a esse número há, ainda, que subtrair o daqueles que residem na área metropolitana de Lisboa, para quem, manifestamente, não constitui inconveniente a atribuição de competência aos tribunais da capital." M) Do exposto resulta que as cláusulas sindicadas não têm o impacto que, de forma falaciosa, se possa crer, e, inclusive, têm um âmbito de aplicação indubitavelmente diminuto, na medida em que, hoje, para a indiscutível maioria das acções propostas em Tribunal, no que concerne o cumprimento das obrigações emergentes de contrato de seguro, como é o caso daqueles dos presentes autos, vigora, de forma imperativa, o preceituado no disposto no artigo 74.º do CPC (actual artigo 71.º do CPC), estando, nessa medida, as cláusulas constantes dos contratos da Recorrente em perfeita harmonia com a solução legalmente prevista.

    6. Uma vez que o âmbito de aplicação das referidas cláusulas é tão diminuto, não está em causa qualquer contrariedade à boa-fé ou violação de valores fundamentais do direito, e, por isso mesmo, não estão em causa quaisquer cláusulas abusivas/proibidas.

    7. À luz dos...

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