Acórdão nº 1583/08.2TCSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | SERRA BAPTISTA |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, S.A.
instaurou acção declarativa de condenação, contra BB - Express Portugal, Lda, tendo, subsequentemente, sido admitidos incidentes de intervenção principal provocada e acessória contra CC - Transportes e Logística, Lda[1], DD - Companhia de Seguros, S.A.
, e EE, S.A., Sucursal em Portugal, pedindo a condenação da ré (e das intervenientes principais) no pagamento da quantia de € 79 642,25, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Alegando, para tanto e em síntese, que: - Pagou à ré a quantia de € 1028,50 para que esta procedesse ao transporte de diverso material de cofragem de uma obra em Saragoça, Espanha, para o armazém da empresa FF; - O transporte devia ter início no dia 24-08-2007, em Saragoça, e términus no dia 27 seguinte, com a entrega do material no armazém da FF em Colaride, Cacém; - A ré efectuou o transporte pela CC -Transportes e Logística, Lda.; - No dia 24-08-2007 a CC apresentou no local da obra, em Saragoça, um conjunto transportador composto pelo camião L-… e tractor de matrícula …-…-FT; - O material foi carregado e preenchida a guia de transporte n.º … e o CMR n.º …; - No dia 25-08-2007, na Estrada Nacional de Espanha n.º 521, entre Trujillo e Cáceres, onde a velocidade máxima permitida é 40km/h, o conjunto transportador despistou-se (o tacógrafo acusou uma velocidade instantânea de 100km/h), e o material de cofragem ficou espalhado na berma da estrada entre os dias 25-08 e 01-09-2007, perdendo-se parte, e danificando-se outra parte.
- A CC reiniciou o transporte de parte do material no dia 01-09-2007 (CMR n.º …), e entregou-o nas instalações da FF em 03-09-2007, e informou a autora, que tinha a responsabilidade por danos transferida para a DD - Companhia de Seguros, S.A..
- A autora pagou à FF a quantia total de € 79 642,25, relativa ao aluguer do material, ao valor do material perdido, e à reparação e limpeza do material danificado.
- A DD nomeou a GG sua mandatária no processo de sinistro, tendo a autora reclamado o pagamento dos prejuízos sofridos por faxes enviados à GG em 26-10 e em 12-12-2007.
- Por fax enviado em 30-01-2008 a autora informou a DD sobre o estado do sinistro e esta, em carta datada de 28-03-2008, declinou assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos.
- O transportador mesmo que o transporte seja efectuado por terceiro, responde pelos actos e omissões deste.
- O despiste ocorreu por culpa exclusiva do condutor que circulava a 100 km/h num local onde o máximo permitido é 40 km/h.
- Esta conduta é tão imprudente que se presume que o mesmo previu a iminência do acidente e, ainda assim, insistiu no seu comportamento, pelo que a culpa deverá ser-lhe imputada a título doloso.
Citada a ré BB veio a mesma contestar, alegando, além do mais, que o direito de acção prescreveu e que compete, de qualquer modo, à autora comprovar o montante, a natureza e os danos que diz ter sofrido.
Replicou a autora, pugnando pela não verificação da invocada excepção.
Contestou a DD, alegando que a sua responsabilidade está excluída nos termos das Condições Gerais da Apólice.
Contestou a HH fazendo seus os articulados da ré.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.
Realizado o julgamento, decidiu-se a matéria de facto da base instrutória pela forma que dos autos consta.
Foi proferida a sentença, que decidiu julgar prescrito o direito de acção da autora e absolver as rés do pedido.
Inconformada, veio a autora interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão proferido a fls. 678 a 690, datado de 09-07-2014, foi julgada, sem voto de vencido, improcedente a apelação, confirmando-se a sentença impugnada.
De novo irresignada, veio a mesma autora pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: «I. A autora invocou que no acto de recepção da mercadoria verificou contraditoriamente o seu estado e apresentou reclamação escrita onde formulou reservas a este último, facto que tem o efeito de suspender a contagem do prazo de prescrição do direito de acção.
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A interveniente DD, S.A. só comunicou que não assumiria a responsabilidade pelos danos peticionados, em 28 de Março de 2008, pelo que, ressalvado o tempo da suspensão, não decorreu mais de um ano entre a data da recepção da mercadoria e a da interposição da acção.
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A sentença enunciou as questões a resolver a nelas incluiu a da prescrição do direito da autora.
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No domínio desta excepção, a sentença apenas resolveu a questão do dolo e ignorou, em absoluto, a relativa à suspensão da contagem do prazo de prescrição do direito de acção.
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A suspensão da contagem do prazo de prescrição do direito de acção é uma verdadeira questão a resolver pelo tribunal, que não se confunde com a mera argumentação jurídica que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, da solução do pleito, as partes tenham deduzido, e o seu conhecimento não ficou prejudicado pela solução dada na sentença à questão do dolo.
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A sentença é nula quando o Juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, o que, manifestamente, se verifica no caso sob recurso, quanto à falta de resolução sobre a questão da suspensão do prazo de prescrição.
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A sentença violou, nesta parte, o artigo 608.°, n.°2 do novo CPC (correspondente ao artigo 660°, n° 2 do antigo), o que implica a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º, n° 1, al. d) do novo CPC (correspondente ao artigo 668.º, n° 1, al d) do antigo)».
O douto acórdão sob revista produziu a seguinte pronúncia sobre a questão a que se referem estas conclusões: "Alega a recorrente que a sentença é nula nos termos do art. 615.°, n.° 1, al. c) do novo CPC, art. 668.º, n.º 1, al. d), do revogado, porquanto o Sr. Juiz omitiu pronúncia sobre a alegada suspensão da prescrição, derivada da reclamação escrita que apresentou.
Efectivamente na sentença impugnada não é feita qualquer referência à alegação de suspensão da prescrição, não sendo esta omissão suprida pela declaração da verificação daquela excepção peremptória. A sentença é assim nula, o que não impede este tribunal de proceder à apreciação do mérito do recurso atento o disposto no art. 665.°, n.° 1, do CPC vigente, art. 715.º, n.° 1, do revogado.
Analisando então as questões colocadas à consideração do tribunal diz-se o seguinte...." Ora, foi a Relação que, pela primeira vez, apreciou a questão objecto da presente revista, ou seja, a suspensão do prazo de prescrição do exercício do direito de acção, invocada pela autora, uma vez que a mesma foi completamente ignorada na douta sentença impugnada na apelação.
Deste modo, a decisão da Relação sobre a mesma questão não é confirmativa de decisão da 1.ª instância sobre esta matéria, dado que esta última nunca existiu.
Assim, o presente recurso não cai no domínio de aplicação do n.º 3 do artigo 671.° do CPC, que pressupõe a existência de uma decisão da 1.ª instância sobre as questões objecto da revista.
Por outro lado, uma vez que o acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, conheceu desfavorável ao recorrente na totalidade do seu valor, conclui-se pela admissibilidade da revista (artigos 671.°, n.°s 1 e 3, "a contrario" e 629.°, n.° 1 do CPC)” (sic).
* Nas suas contra-alegações, a recorrida BB - Express Portugal, Lda, pugna pela inadmissibilidade da revista interposta, com a seguinte fundamentação: “(…) II - Da Inadmissibilidade do Recurso - Dupla Conforme 5. A Apelante alega que o poder jurisdicional para apreciar a problemática da suspensão da prescrição não se encontra esgotado, tendo em conta a omissão de pronúncia da primeira instância relativamente a esta questão. A este respeito, cumpre esclarecer o Tribunal relativamente à improcedência dos argumentos apresentados pela Apelante, pelos motivos infra explicitados.
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O decurso do prazo de prescrição e respectivo modo de contagem não abdica do conhecimento, ainda que indirecto ou implícito, de todo e qualquer evento que, nos termos da lei, possa ser causa de suspensão ou interrupção desse mesmo prazo.
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Neste sentido, é por demais evidente que a consideração pela primeira instância de que o direito de acção da Apelante se encontrava prescrito ao tempo da propositura da acção, pressupõe necessariamente o conhecimento da alegada causa...
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