Acórdão nº 1187/08.0TBTMR-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.
A sociedade AA - Empreendimentos Industriais e Urbanísticos, Ldª, em 08/11/2011, por apenso à execução singular comum instaurada pela sociedade BB - Serralharia Civil, Lda, contra “CC - Construções, Lda, em que foram penhoradas as frações urbanas designadas por A, B, C e H do prédio descrito sob o n.º … na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere, veio reclamar um crédito no valor de € 170.000,00, alegando, em resumo, que: .
A reclamante, em 09/02/2006, na qualidade de promitente-compra-dora, celebrou com a executada, como promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda de três lojas, respeitantes a um prédio em construção, identificado como lote 25, localizado na Fonte …, em Ferreira do Zêzere, pelo preço global de € 170.000,00, preço este totalmente pago através de cheque, no qual ficou prevista a outorga da escritura do contrato definitivo até 28/02/2007, aquando da conclusão da obra então em curso; .
Feita a escritura de constituição de propriedade horizontal do indicado prédio, as lojas foram designadas pelas fracções A, B e C, tendo a executada, após tal construção, entregue as chaves à reclamante, que assumiu a respetiva posse; .
Depois disso, apesar das sucessivas interpelações à executada para celebração do contrato definitivo, esta não efetuou a marcação da escritura nem compareceu na data designada pela reclamante; .
Nessas circunstâncias, a não comparência da executada configura incumprimento definitivo do contrato-promessa; .
A reclamante teve conhecimento da venda judicial das frações em causa através da afixação dos anúncios devidos nas mencionadas frações, assistindo-lhe o direito de retenção pelo crédito reclamado sobre as referidas frações, a graduar com preferência, designadamente, sobre o crédito hipotecário.
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Notificada a executada, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 869.º, n.º 2, 3 e 4, do CPC então em vigor, e nada tendo dito, considerou-se formado o título executivo e reclamado o crédito nos termos peticionados.
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Por sua vez, a Caixa Geral de Depósitos, S.A.
, que também reclamou créditos sobre a executada, garantidos por hipoteca constituída sobre as frações penhoradas, veio impugnar, em 09/07/2012, o crédito reclamado pela AA, alegando, no essencial, que: .
Desconhece se as fracções objeto do contrato-promessa respeitam às penhoradas nos autos de execução e a si adjudicadas, estando as mesmas na sua posse desde 09.11.2011; .
Impugna os demais factos articulados pela AA, refutando a existência do crédito por esta reclamado e do direito de retenção invocado.
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Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 223 a 234, datada de 01/07/2013, na qual foi inserida a decisão sobre a matéria de facto e respetiva motivação, julgando-se improcedente a reclamação de crédito deduzida pela AA e, por consequência, não reconhecido esse crédito.
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Inconformada com tal decisão, aquela reclamante apelou dela para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, reconheceu o crédito reclamado pela recorrente e o seu direito de retenção sobre as frações A, B e C do prédio acima indicado, graduando aquele crédito com preferência sobre o crédito hipotecário, conforme acórdão de fls. 269-282, de 14/10/ 2014, e acórdão retificativo de fls. 374.
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Desta feita, veio agora a reclamante Caixa Geral de Depósitos recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A recorrida AA - Empreendimentos Industriais e Urbanísticos, Ld.ª, tem por objeto a construção, compra e venda de imóveis, destinando ao seu negócio as três frações do prédio descrito sob o n.º …/Ferreira do Zêzere, que alegadamente prometeu comprar por € 170.000,00 à sociedade CC - Construções, Ld.ª, em 09/02/2006, precisa data em que vendeu pelo mesmíssimo preço a esta sociedade o lote de terreno descrito sob o mencionado número …/Ferreira do Zêzere; 2.ª - As assinaturas apostas no aludido contrato-promessa não foram reconhecidas, pesem embora os valores envolvidos, ademais responsabilizando contratualmente sociedades dedicadas ao ramo imobiliário; 3.ª - A recorrida AA - Empreendimentos Industriais e Urbanísticos, Ld.ª, não alegou nem provou a sua qualidade de consumidora, quando é certo que, nos termos do disposto na norma do n.º 1 do art.º 342.º, do CC, incumbia-lhe a prova daquele requisito, de que depende o direito de retenção; 4.ª – Assim não decidindo, o tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, e 755.º, n.º 1, al. f), do CC, este conjugado com a norma do n.º 1 do art. 2.º da Lei nº 24/96 de 31/07; 5.ª - Noutro passo, conforme resulta expressamente da norma da al. f) do n.º 1 do art.º 755.º do CC, o direito de retenção do beneficiário exige a verificação do incumprimento do negócio pela outra parte; 6.ª - No contrato-promessa dos autos não foi estipulada data para a celebração do contrato definitivo, não constando, sequer, que parte era responsável pela marcação da escritura de compra e venda, nem quem estava encarregue de diligenciar pela obtenção dos documentos necessários, nem em que prazo tais documentos deviam ser apresentados; 7.ª - In casu, a recorrida AA, Ld.ª, não requereu ao tribunal a fixação de um prazo razoável para que a CC - Construções, Ld.ª, cumprisse as obrigações que para ela decorriam da promessa de compra e venda; 8.ª - Do que vem a resultar que não se mostra sequer evidenciado no processo que a CC - Construções, Ld.ª, tenha incorrido em mora; e não havendo mora não se pode falar em incumprimento definitivo; 9.ª - As normas dos números 1 e 2 do art.º 777.º do CC e os factos provados não permitem conceber uma ideia de recusa antecipada do cumprimento por parte da CC - Construções, Ld.ª, por modo a reconhecer o direito de retenção da recorrida sobre as frações em questão; 10.ª - Os factos provados inculcam uma mancomunação entre a recorrida e a CC - Construções, Ld.ª, no sentido de fazer valer um crédito inexistente, fundado num contrato-promessa forjado; 11.ª - Entendendo diversamente, o tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 410.º, 415.º, 755.º, n.º 1, alínea f), e 777.º, n.º 1 e 2, todos do CC.
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Por seu lado, a recorrida apresentou contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado, rematando com a seguinte síntese conclusiva: 1.ª - Nenhum reparo ou censura merece o acórdão recorrido, que reconheceu e graduou o crédito da AA, com preferência sobre o crédito hipotecário da ora Recorrente CGD; 2.ª - A Recorrente não pode trazer à apreciação do STJ a apreciação de matéria de facto, nem aludir à mesma, como forma de fundamentação do seu Recurso; 3.ª - Nem pode alegar, nesta instância, matéria de direito nova que não tenha aduzido ou invocado nas duas Instâncias anteriores; 4.ª - A ora invocada omissão de formalidades do art.º 410.º, n.º 3, do CC não compete à CGD, porquanto é doutrina e jurisprudência assentes que, uma tal omissão, apenas pode ser invocada pelo promitente-vendedor e/ou pelo promitente-comprador, e nunca por terceiros, ou conhecida oficiosamente pelo Tribunal; 5.ª - Não encontra qualquer suporte legal a circunstância invocada pela Recorrente, de pretender restringir o direito de retenção “sub judice” ao caso de promitentes-compradores particulares/consumi-dores; 6.ª - Porquanto o propósito do regime consagrado no Dec.-Lei n.º 379/86, de 11-11, foi precisamente alargar o âmbito de aplicação de tal instituto jurídico e de o restringir, tornando-o extensível a qualquer contrato-promessa onde tenha existido a “tradtio rei”; 7.ª - A citação que é feita do relatório de tal Dec.-Lei para requerer decisão diferente é perfeitamente desprovida de qualquer sentido legal ou de qualquer suporte jurídico, uma vez que tal citação constitui um exemplo de caso a considerar com o novo regime; 8.ª - Não sendo, de modo algum, a restrição de aplicação do mesmo regime, pois, se o fosse, expressamente, o legislador teria considerado tal requisito, na norma que institui a prevalência do direito de retenção sobre o crédito hipotecário, o que não fez; 9.ª - Finalmente, o citado acórdão do STJ, de 20-03-2014, reporta-se a situação absolutamente diferente, pois versa sobre o caso de insolvência do promitente-vendedor, em que se protegeu o promitente-comprador, que era um particular, como forma de obviar à preferência resultante do CIRE aos créditos hipotecários dos Bancos, sem que isso constitua a restrição de tal direito de retenção a esses casos de particulares/consumidores; 10.ª – Tal restrição não tem suporte legal de prevalência de um direito sobre o outro.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos...
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