Acórdão nº 1880/10.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução16 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 1880/10.7TVLSB.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA – CONSTRUÇÃO CIVIL, ..., L.DA, instaurou acção com processo ordinário, contra BANCO BB, S.A, pedindo que:

  1. Se declare que o contrato celebrado e pretendido pela Autora com o Banco Réu configura um contrato de refinanciamento de juros; b) Que se reconheça judicialmente que, de tal contrato, com data de 19 a 23/06/2008, a autora nada deve ao banco Réu designadamente a quantia que consta do documento (…) designado de Resolução do Contrato Quadro para Operações Financeiras e do Contrato de Permuta de Taxa de Juro, n/ref.ª ....001, 19 de Junho de 2008 (segundo ampliação de fls. 538); c) Que o Banco Réu, nunca elucidou a Autora do conteúdo e consequências do contrato titulado por “Confirmação de Contrato de Permuta de Juros”, e que, em consequência, sejam afastadas do contrato ora junto como documento 6, todas as suas cláusulas contratuais gerais não comunicadas nem explicadas e, consequentemente proibidas, como é o caso, da fixação das taxas de juro, dos prazos fixados e do tipo de contrato de risco.

d) Que, em consequência se declare a nulidade do contrato celebrado em 19-06-2008, por dolo do Banco Réu, que levou a autora a emitir uma declaração desconforme com a vontade real devido ao dolo dos representantes do banco, com as legais consequências; e) Que, o contrato celebrado com o banco Réu datado de 19-06-2008 seja declarado nulo por ser contrário aos bons costumes a que se refere o artigo 280.º, e 281.º, do CC.

Na eventualidade de não procederem os anteriores pedidos: 1. Que, tendo em vista o disposto no artigo 437.º do CC, se declare resolvido o contrato celebrado em 19-06-2008, por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias existentes à data da celebração do contrato e que levou as partes a emitir aquela concreta declaração, com as legais consequências.

Ou: 2. Caso se verifique a improcedência do anterior pedido, que se proceda à redução do negócio jurídico do contrato no que se refere ao valor da taxa de juro a suportar pelo suposto contraente AA, devendo, neste caso, reduzir-se o valor a suportar pela autora, para a taxa de 0,40% – valor diferencial existente à data da assinatura do contrato para aquela operação financeira idealizada pelo Réu, visto ser manifestamente injusto e desproporcional que tal circunstância excepcional e imprevista fosse suportada por quem afinal não contribuiu com qualquer manifestação de vontade para a sua formação negocial e contratual; 3. Que, no caso do pedido em 3, aquela taxa de 0,40% apenas seja aplicada ao contrato desde a data do contrato – 19-06-2008, até à data em que se verificaram as alterações substanciais nas taxas de juro ou seja fins de Setembro de 2008, consequentemente, durante um trimestre.

Contestou o Réu, pedindo a improcedência da acção e replicou a Autora.

Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, declarou a nulidade do contrato celebrado entre a Autora e o Réu, em 19/6/2008, sob a denominação de “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” e confirmado como “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juros”, com a referência ....001, bem como a nulidade da liquidação efectuada pelo Réu, no valor de € 1.136.929,58, em 7/9/2010, reconhecendo que a Autora nada deve a título de responsabilidades de pagamento.

Inconformado, apelou o Réu.

Contra alegou a Autora, vindo ampliar o âmbito do recurso, a título subsidiário.

A Relação veio a decidir, negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, considerando prejudicadas as questões suscitadas na ampliação.

Continuando inconformada, veio o R. interpor recurso de revista excepcional, a qual foi admitida.

São as seguintes as conclusões formuladas pela A. no seu recurso: 1ª A presente revista excecional é interposta, ao abrigo do art. 672.º do CPC, com os fundamentos que a seguir se indicam, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, com fundamentação idêntica à do tribunal de primeira instância, negou provimento ao recurso apresentado pelo Banco Réu da decisão desse tribunal que considerou a ação totalmente procedente, declarando a nulidade do contrato de permuta de taxa de juro celebrado, em 19 de junho de 2008, entre a Autora, ora Recorrida, e o Banco Réu, ora Recorrente, com base na suposta violação pelo Banco Réu dos deveres de informação e esclarecimento previstos no Código dos Valores Mobiliários (arts. 7.º e 312.º a 312.º-G), considerando que as advertências constantes dos diversos documentos de formalização da operação de permuta de taxa de juro constituem cláusulas contratuais gerais e que o Banco Réu não fez a prova, que lhe competia, de ter prestado a explicação das referidas cláusulas.

  1. A questão fundamental em discussão nos presentes autos diz respeito aos deveres de informação pré-contratual que impendem sobre intermediários financeiros em relação aos seus clientes, contrapartes em contratos de swap, e comporta em si mesma quatro sub- ‑questões: a) Invocando uma parte (por via de ação ou de exceção) que a outra parte não cumpriu um dever de informação pré-contratual (incumprimento esse de que resulte a invalidade do contrato ou o dever de indemnizar), a quem compete o ónus da prova, perante o art. 342 do CC? b) Do regime das cláusulas contratuais gerais/contratos de adesão resulta resposta diversa da resposta à pergunta anterior? c) Do regime do Código dos Valores Mobiliários resulta resposta diversa da resposta à primeira pergunta? d) Qual o conteúdo ou extensão da prova a cargo do Banco permutante quanto ao cumprimento do dever de informação pré-contratual durante a negociação de um contrato de permuta de taxa de juro ou, dito de outra forma, em que condições se deve considerar cumprido tal dever de informação? 3ª Vale a pena precisar que o Tribunal recorrido, ao contrário do tribunal de 1 ª instância, ignorou a questão do ónus da prova do dever de informação a cargo de quem utilize cláusulas contratuais gerais, ancorando a decisão de condenação do Banco Réu na aplicação direta do disposto no artigo 342, n.º 2, do CC, entendendo que, por força de tal disposição, caberia ao Banco Réu a prova do cumprimento do dever de informação.

  2. Embora de forma pouco clara, na base da decisão proferida pelo Tribunal recorrido parece estar o entendimento de que do regime do Código dos Valores Mobiliários resultaria um agravamento quanto ao grau de exigência da prova a cargo do Banco Réu.

  3. O Tribunal recorrido considerou a matéria provada nos autos, designadamente a referida nos pontos 41 a 46, insuficiente para se considerar cumprido o dever de informação a cargo do Banco Réu.

  4. O tratamento que o Tribunal da Relação deu à questão fundamental em discussão nos autos, nas suas 4 sub-questões, é incompleto, pouco claro, constitui má aplicação do direito e está em contradição com outras decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça.

  5. De acordo com a regra geral constante do art. 342.º do CC, competiria à Autora a prova (enquanto facto constitutivo do direito de ver declarada a nulidade do contrato de permuta de taxa de juro) de que o Banco Réu não cumpriu os deveres de prestação de informação a que se encontra sujeito.

  6. Por força do regime das cláusulas contratuais gerais/contratos de adesão, designadamente por força do disposto no artigo 5.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, o ónus da prova de prestação de informação adequada e efetiva passa a estar a cargo do Banco Réu.

  7. O regime do Código dos Valores Mobiliários referente aos deveres de informação apenas regula o objeto do dever de informação, mas nada dispõe sobre o ónus da prova do cumprimento de tal dever (designadamente não agrava as exigências para efeitos dessa prova).

  8. O dever de prestação de informação na negociação de contrato de permuta de taxa de juro é uma obrigação de meios, devendo considerar-se cumprido quando se demonstre ter sido prestada, informação verbal e escrita, sobre o modo de funcionamento, efeitos, diversos cenários possíveis e possibilidade de perdas, bastando-se ainda o cumprimento do dever de comunicação com a mera remessa do contrato, com todo o seu clausulado, ao aderente para que este o devolva firmado, na medida em que, com a entrega do contrato, tem este a efetiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exata compreensão.

  9. É da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que respondeu deficientemente à questão (ou às 4 sub-questões) em discussão nestes autos que o Banco Recorrente apresenta o presente recurso de revista excecional com os 3 fundamentos previstos no art. 672.º, n.º 1, do CPC.

  10. A questão em discussão nos presentes autos não é mero litígio privado em que estejam em causa apenas interesses materiais de Autora e Réu, constituindo (i) questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e (ii) matéria em que estão em causa interesses de particular relevância social.

  11. A questão dos autos não é resolúvel (pelo menos corretamente) sem recurso a complexas operações de natureza jurídica e encerra em si mesma uma controvérsia com capacidade de expansão, que extravasa os limites da situação em apreço, podendo repetir-se (mais exatamente, repetindo-se) num número não determinado de outras situações (contemporâneas e futuras).

  12. A análise das finalidades, extensão e forma de execução dos deveres de informação que impendem sobre intermediários financeiros em relação aos seus clientes, contrapartes em contratos de swap, e a análise do ónus da prova quanto ao cumprimento de tais deveres, envolvem singular complexidade, obrigam a análise casuística e ao confronto de várias normas legais, designadamente as previstas nos artigos 7.º e 312.º a 312.º-G do Código dos Valores Mobiliários, artigos 5.º a 7.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e artigo 342.º do Código Civil.

  13. A relevância jurídica da...

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