Acórdão nº 596/14.0JAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1.

O arguido AA, nascido no dia ..., no ...l, filho de ...e de..., ..., residente, antes de preso, na ..., foi julgado no processo em epígrafe, da 1ª Unidade Processual da Grande Instância Criminal do Porto, e aí condenado, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos e seis meses de prisão.

1.2.

Inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação encerrou com as seguintes conclusões: «1.

O tribunal de primeira instância errou ao aplicar ao arguido uma pena tão elevada.

2.

O artigo 21.º do D.L. n.º 15/93 de 22.01 prevê a aplicação de uma pena de prisão entre os quatro e os doze anos.

3.

Entendendo-se que neste caso não será de aplicar a suspensão da pena de prisão, somos, no entanto, do entendimento que deveria ter sido aplicada ao arguido, atendendo às concretas características do caso, uma pena mais próxima do mínimo legal.

4.

Nos termos do disposto no artigo 40.º do C.P. a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos (necessidades de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (necessidades de prevenção especial).

5.

Salvo melhor entendimento, a reafirmação da norma jurídica violada não impõe a aplicação de uma pena tão elevada no seu quantum.

6.

E a reintegração do recorrente na sociedade também não se coaduna com um período de reclusão tão elevado.

7.

Na verdade, não nos podemos olvidar que o arguido confessou integralmente e sem reservas, mostrou sincero arrependimento, antes da sua detenção encontrava-se inserido familiar, social e profissionalmente, é ainda muito jovem, trabalha (e estuda) no estabelecimento prisional.

8.

Uma vez colocado em liberdade regressará ao seu agregado de origem, no seu país de origem (...) retomando uma vida pacata e de acordo com os normativos legais e societários.

9.

Podemos afirmar que este acro [“acto”, certamente], ilícito foi episódio único na sua vida, e que ficou a dever-se a promessas de dinheiro fácil é certo, mas também ao sonho, de um jovem do interior do ..., de poder viajar até à Europa e conhecer melhor alguns costumes e tradições.

10.

Assim sendo, concluímos que uma pena de prisão tão elevada irá coarctar a possibilidade do mesmo retomar a sua vida longe de ilícitos criminais.

11.

Se o arguido, aqui recorrente sentir que está a ser demasiado penalizado (até por comparação a outros reclusos com quantidades superiores de droga) irá certamente regredir no seu processo de ressocialização; sentindo-se injustiçado, poderá começar a assumir comportamentos pouco normativos.

12.

A escolha da medida da pena reconduz-se, numa perspectiva política criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o artigo 70.º do C.P. que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

13.

Dispõe o artigo 71.º do C.P que 14.

“A determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

15.

E o artigo 71.º n.º 2 do referido diploma legal refere que na fixação da pena o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste a gravidade das suas consequências, bem como o grau da violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta licita.

16. Feita uma análise dos Acórdãos do STJ e a respeito da medida das penas concretamente determinadas, verificamos relação entre a quantidade de produto estupefaciente apreendido e a sanção aplicada. O que se verificou foi que em quantidades transportadas (nos casos de correios de droga) de 8 kgs a 14 kgs de cocaína, as penas estenderam-se de 5 anos a 7 anos e seis meses de prisão, para quantidades inferiores a 8 kgs de cocaína, as penas foram em regra, mais baixas do que os cinco anos de prisão e até ao limite de 4 anos e 3 meses de prisão.

17. Assim sendo, somos do entendimento que sempre seria de aplicar ao arguido uma pena situada entre os 4 anos e três meses e os cinco anos.

18.

Foram violados os artigos 21.º do D.L n.º 15/93 de 22.01, artigos 40.º, 70.º, 71.º, 73.º e 73.º [sic] do CP.

».

1.3.

O recurso foi recebido nos termos e com o efeito legais, pelo despacho de fls. 256.

1.4.

A Senhora Procuradora da República respondeu e conclui que: «1.- a confissão do arguido não releva especialmente, pois que o mesmo foi detido em flagrante quando, depois de em controlo pela Delegação Aduaneira do aeroporto do Porto, lhe terem sido detetadas “bolota” de estupefaciente “ in corpore” ter sido conduzido a hospital desta cidade onde expeliu as mesmas; 2.- o arguido transportava a quantidade de 550,374 gramas de cocaína que destinava entregar/ceder a terceiro recebendo, como contrapartida € 4 000,00; 3.- as condições sociofamiliares e profissionais que dispõe no seu país natal e que segundo o recorrente lhe permitem retomar um trajeto de vida normativo são precisamente as mesmas de que já dispunha aquando do cometimento do crime, não tendo as mesmas sido suficientes para o afastar de conduta tão grave; 4.- a ameaça que resulta das suas conclusões de que, por sentir-se demasiado penalizado com a presente condenação, poder começar a assumir comportamentos pouco normativos é, no mínimo, revelador, de uma personalidade desconforme com o direito e com o sentido do fim das penas, e uma ameaça à sociedade a qual deve, humildemente, reparar do mal cometido; 5.- cocaína é a droga mais traficada a nível mundial, a seguir à cannabis, sendo que esta droga continua a entrar na Europa sobretudo através da Península Ibérica e dos Países Baixos; 6.- a culpa e as exigências de prevenção, quer geral quer especial, foram totalmente atendidas na determinação da pena; 7.- inexiste, por não provada, qualquer circunstância anterior ou posterior ao crime, ou dele contemporânea, da qual resulte qualquer diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do recorrente ou a necessidade da pena, de modo a justificar qualquer atenuação especial; 8.- no que respeita ao comportamento tido em reclusão pelo arguido, tal importará, não para a determinação da pena, mas para apreciação de concessão, ou não, de liberdade condicional, quando a mesma tenha de ocorrer; 9.- o recurso não merece provimento, devendo ser mantida a pena na qual o recorrente se mostra condenado; 10.- não foi violado qualquer dispositivo legal, mormente os invocados pelo recorrente».

1.5.

Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer em que afirmou nada ter a acrescentar ao entendimento, e respectiva fundamentação, sustentado pela Senhora Procuradora da República na sua resposta.

1.6.

Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Recorrente nada disse.

2.

Tudo visto, cumpre decidir.

2.1.

É do seguinte teor a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto: «1 – No dia 30 de Março de 2014, pelas 19h30m, o arguido AA embarcou num avisão [sic] no ..., com destino final a ..., ..., após ter ingerido cinquenta e seis bolotas, contendo no interior das mesmas cocaína.

2 – No dia 31 de Março de 2014, pelas 9h30m, o arguido desembarcou no aeroporto Francisco Sá Carneiro, sito na Maia, provindo do voo TP ..., proveniente do..., tendo, nessa altura, sido sujeito a controlo levado a cabo pela Delegação Aduaneira desse mesmo aeroporto.

3 – No decurso desse controlo, verificou-se que o arguido transportava in corpore produto estupefaciente, tendo sido conduzido ao Hospital de S. João, no Porto, onde expeliu cinquenta e seis embalagens, bolotas, que continha no seu interior cocaína, com o peso líquido de [o facto não refere o peso da cocaína], produto que se destinava a ser entregue e cedido a terceiros, mediante uma contrapartida monetária de € 4000.

4 – O arguido tinha ainda na sua posse: dois telemóveis, ambos da marca Blackberry, que utilizava com os fornecedores de tal produto estupefaciente; dois cartões SIM, um da Orange com o nº ... e outro da Lycamobile, com o nº ...; vários cartões de suporte de cartão SIM; um micro cartão de 32 Gb, diversos papéis, incluindo bilhete electrónico (recibo de itinerário do passageiro), troca de correio electrónico.

5 – O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo quais eram as características, natureza, quantidade e efeitos do produto estupefaciente que transportava e detinha, eram proibidas por lei, sempre com a intenção de obter uma contrapartida económica.

6 – Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

7 – O arguido confessou livre, integralmente e sem reservas os factos constantes da acusação.

8 – O arguido cresceu junto da família de origem, com uma dinâmica estruturada e equilibrada. No seu país de origem dispõe de condições sociofamiliares e profissionais que lhe permitem retomar um trajecto de vida normativo e socialmente integrado.

9 – O arguido mostra-se arrependido e demonstra uma censura crítica dos seus actos.

10 – O arguido enquanto detido exerce actividade profissional no estabelecimento prisional.

11 – O arguido não tem antecedentes criminais em Portugal».

2.2. Correcção do acórdão recorrido.

Vimos antes que o nº 3 da decisão sobre a matéria de facto não refere o peso das 56 embalagens de cocaína que o Arguido expeliu –...

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