Acórdão nº 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no pleno das secções cíveis[1]: I.

AA e mulher BB propuseram acção declarativa de condenação contra CC SEGUROS, SA.

Pediram que a ré fosse condenada a pagar-lhes:

  1. Ao autor: a) A quantia total de € 767.479,05 (obtido após desconto do valor de € 7.481,95 que já recebeu), resultante das seguintes parcelas: - € 703.811, de rendimentos que deixou de auferir da actividade profissional que desenvolvia e que deixou de poder desenvolver, por ter ficado totalmente incapacitado para o trabalho; - € 50.000, de danos morais e € 20.000 de dano estético; - € 1.150, de outros danos patrimoniais; e b) O montante que vier a ser liquidado de tudo o que despender com tratamentos, operações, estadias hospitalares, medicamentos, fisioterapia, próteses, deslocações, tempo perdido e outras que tenham a ver com as sequelas de que ficou a padecer; B) À autora: a) A quantia total de € 40.783, resultante das seguintes parcelas: - € 10.783, decorrentes da incapacidade de que ficou a padecer para o trabalho; - € 30.000, de danos morais; e b) O montante a liquidar de tudo o que vier a despender com tratamentos, operações, estadias hospitalares, medicamentos, pensos, deslocações, tempo perdido e outras que tenham a ver com as sequelas de que ficou a padecer.

Na 1ª instância, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a ré CC Seguros, SA sido condenada a pagar: "i. À Autora, BB, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial e moral, as quantias de, respectivamente, 5.000 € e 15.000 €, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação sobre a primeira e desta decisão sobre a segunda, até efectivo pagamento; ii. Ao Autor, AA: 1. A título de indemnização por danos de natureza patrimonial: a. A quantia de 92.518,05 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento; b. A quantia que vier a ser fixada em liquidação de sentença: - Referente à roupa que ficou destruída e deslocações que o Autor fez a Coimbra e a Lisboa para tratamentos; - Referente aos valores que o Autor venha a suportar pelo facto de as sequelas de que é portador necessitarem de acompanhamento médico para vigilância do coto, eventual prescrição medicamentosa e revisão e substituição da prótese, pelo próprio desgaste e deterioração que o material vai sofrer, o que obriga a ajustes e substituição; c. Ainda, a quantia que resultar, se existir depois de efectuado o correspondente cálculo, também em liquidação de sentença, por referência ao valor que vier a ser fixado a título de indemnização pelo dano biológico directamente decorrente de perda de rendimentos, depois de efectuada a dedução a esse valor dos montantes que foram ou venham a ser pagos pela Interveniente DD – ... (…) 2. A título de indemnização por danos de natureza moral, a quantia de 47.013,22€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde esta data até efectivo pagamento".

A Ré CC Seguros, SA interpôs recurso de apelação que a Relação decidiu nestes termos: "(…) Julga-se, parcialmente, procedente o recurso da recorrente CC, assim se revogando a sentença recorrida, e em consequência vai a mesma absolvida da condenação de pagamento ao A. da quantia de 92.518,05 €, a título de danos de natureza patrimonial, indo, igualmente, absolvida da condenação de pagamento de juros a favor de ambos os AA".

Inconformados, os autores pediram revista, que foi concedida em parte, por Acórdão deste Tribunal de 10.04.2014, decidindo-se: "

  1. Atribuir, ao autor, a indemnização de 92.518,05 euros pelo dano biológico sofrido, com juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

  2. Aumentar para 20.000,00 euros a indemnização pelo dano patrimonial da autora, e para 17.500,00 euros a indemnização por danos não patrimoniais, vencendo a primeira juros de mora desde a data da citação e a segunda desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.

  3. A obrigação de indemnização pelos danos não patrimoniais a pagar pela CC ao autor (€ 47.0l3,22) vence juros de mora, desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento".

A ré CC Seguros, SA apresentou reclamação desta decisão, invocando a sua falta de fundamentação, por "não especificar os elementos de facto e de direito que justificam a decisão de fixar juros de mora", e defendendo que deveria ser mantido o decidido pelo Tribunal da Relação no que concerne a essa questão dos juros.

Foi depois proferido Acórdão que indeferiu esta reclamação.

Vem agora a ré CC Seguros, SA recorrer para o Pleno do STJ, para uniformização de jurisprudência, invocando como fundamento o Acórdão deste Tribunal de 06.10.2011 (Proc. nº 2542/06.5TVLSB.L1. S1), requerendo que se fixe jurisprudência no sentido de que "a condenação no pagamento de juros de mora quando existe uma omissão do pedido de juros no pedido primitivo encerra uma nulidade, nos termos e para efeitos do disposto no art. 615º do CPC".

Concluiu assim as suas alegações: 1) O douto Acórdão fundamento decidiu perante a mesma questão fundamental de direito e no âmbito de uma situação factual igual, de forma oposta, tendo feito uma correcta interpretação da questão fundamental de direito que se pretende que recaia a uniformização; 2) A obrigação acessória de juros é diferente da obrigação de capital, é diversa do crédito principal (cfr. A. Varela, D. Obrigações, Vol.1, 2ª Ed., pág. 730/731 e art. 561º do CC); 3) Incumbe às partes não só pedir a resolução do conflito, enunciando-o e elegendo o meio concreto de tutela que pretendem perante a alegada violação do direito, carreando os factos e as provas que julguem adequados e formulando os pedidos correspondentes; 4) O pedido dos autores, conformando o objecto do processo condiciona o conteúdo da decisão de mérito, não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (citado art. 615°, nº 1, do CPC); 5) Relativamente aos juros a situação é idêntica, pois estes integram uma indemnização de natureza disponível, são mero acessório do capital e acompanham a natureza deste; 6) Em situação em tudo idêntica à dos presentes autos, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no douto Acórdão de 06/10/2011 que: "A omissão do pedido de juros não pode ser entendida como um mero lapso material, pelo que, a condenação no pagamento dos mesmos, quando tal pedido tenha sido omitido, encerra uma nulidade, por constituir um «ir além» do que permite o ar. 661°, nº 1, do CPC"; 7) Pelo exposto e na esteira do Acórdão fundamento do STJ de 06/10/2011, entende a ora Recorrente que a condenação no pagamento de juros de mora quando existe uma omissão do pedido de juros no pedido primitivo encerra uma nulidade, nos termos e para efeitos do disposto no art. 615º do CPC.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso para Uniformização de Jurisprudência e, em consequência, revogar-se o Acórdão recorrido, fixando-se a Jurisprudência no sentido do decidido no Acórdão fundamento e propugnado pela Recorrente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.

O recurso foi admitido (despacho de fls. 82 e segs), por não haver dúvidas de que os Acórdãos referidos foram proferidos no domínio da mesma legislação e se reconhecer que ocorre entre eles a invocada contradição no que respeita à mesma questão de direito, aí assim identificada: pode o tribunal conceder juros de mora a partir da citação, quando tais juros não foram solicitados pelo autor na petição inicial? Essa oposição parece realmente clara, representando as decisões dos Acórdãos referidos as duas soluções possíveis para a aludida questão.

Com efeito, no Acórdão recorrido concluiu-se assim a respectiva fundamentação: "(…) tendo a sentença de 1ª instância calculado o valor dos danos não patrimoniais do autor e da autora, actualizando-o à data da sentença, os juros de mora devem ser calculados a partir da data da decisão de 1ª instância.

Para o dano biológico do autor e para o dano biológico da autora, não tendo a sentença procedido a qualquer actualização dos valores, que foram fixados por referência à data da citação, devem os juros de mora ser calculados a partir deste momento.

Estas regras mínimas não necessitam de ser requeridas pela partes, podendo ser oficiosamente decretadas pelos tribunais, por ser o seu decretamento uma consequência lógica dos métodos de cálculo da indemnização utilizados na sentença de condenação e das delongas do processo judicial, cujos prejuízos não devem recair sobre a parte que tem razão".

No Acórdão-fundamento analisou-se uma situação em que, na petição inicial, até se alegou que a ré deveria ser condenada no pagamento de juros a contar da citação, mas em que, no pedido, se omitiu qualquer referência a juros.

Diz-se na respectiva fundamentação: "A omissão do pedido de juros não pode, pois, considerar-se um mero lapso material; antes a condenação (no pagamento dos mesmos), quando omitido (tal pedido), encerraria nulidade, por se ir além do que a lei...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT