Acórdão nº 112/09.5TBVP.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução16 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho contra BB e mulher, CC, todos com os sinais nos autos.

    Para tanto, alega, essencialmente, que no exercício da sua atividade de empregada doméstica dos réus, caiu de cima de um escadote quando se encontrava a limpar as paredes da residência destes, tendo, em consequência, sofrido lesões, mormente na cabeça, determinantes de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho.

  2. Na contestação, os RR. impugnam que tenha ocorrido um acidente de trabalho (conjeturando que o traumatismo cranioencefálico sofrido pela A. poderá ter a sua origem numa agressão de natureza criminosa ou numa “queda originada por um possível acidente vascular cerebral”), bem como, em parte, as sequelas invocadas.

  3. Na 1.ª Instância, tendo sido entendido que os factos provados não permitem afirmar que estejamos perante um acidente de trabalho, a ação foi julgada improcedente.

  4. Interposto recurso de apelação pela A., foi o mesmo julgado (parcialmente) procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que decidiu: - Alterar o ponto n.º 6 da matéria de facto (cfr.

    infra).

    - Condenar os réus a pagarem à autora: a) A pensão anual e vitalíca por incapacidade permanente parcial devida desde o dia seguinte ao da alta definitiva; b) As quantias diárias devidas a título de incapacidade temporária parcial, desde a data do acidente até à data da alta definitiva; c) Todas as quantias que se provou que a autora despendeu em consequência do acidente; d) O subsídio de férias relativo ao ano de 2008.

    - Absolver os réus do pagamento de um subsídio de elevada incapacidade.

  5. Os RR. interpuseram recurso de revista, sustentando, em resumo, nas conclusões da sua alegação: - «Os quesitos 1.° e 2.° consistiam no seguinte: "1. Nas circunstâncias referidas em A) [Em 10.12.2008, entre as 08:00 horas e as 16:00 horas, no interior da residência dos réus (…) a autora prestou serviços], a A. estava a limpar as paredes da residência dos RR?”; “ 2. Quando caiu de cima de um escadote?”».

    - «O quesito 4° consistia no seguinte. "O traumatismo cranioencefálico referido em F) [Em 10.12.2008, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico] é consequência da queda referida em 1 ° e 2°?”».

    - «A resposta ao quesito 4° não podia ser dissociada da resposta dada aos quesitos 1° e 2°, como foi feito no acórdão recorrido».

    - «O acórdão mantém como não provados os quesitos 1º e 2° e conclui que a resposta ao quesito 4° deve ser alterada, mas não dá resposta a este quesito, pois não o podia fazer, dado que não pretendia relacioná-lo (…) com os referidos quesitos (…) e resolve aditar ao ponto 6° da matéria de facto que estava assente - e que era apenas e tão só “Em 10.12.2008, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico” - “provocado por uma pancada ou choque em superfície dura”, dando-se assim uma resposta totalmente desconexa do contexto e das circunstâncias em que os factos terão ocorrido”».

    - Alteração e consequente decisão com falta de fundamentação e de exame crítico da prova, o que determina a nulidade do acórdão.

    - O acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um evento e a verificação de uma cadeia de factos interligados por um nexo causal.

    - Nos termos do n.º 5 do art. 6.° da Lei n.º 100/97, de 13/9, se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente de trabalho presume-se consequência deste.

    - O sentido útil dessa presunção é o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões.

    - Por se tratar de diploma regulamentador daquela Lei, o DL n° 143/99, de 30/5, no seu art. 7°, não pode ter o sentido de alargar aquela presunção, de forma a incluir nela a própria verificação do evento (acidente).

    - O entendimento correto é o de que a referida presunção se refere ao nexo entre o acidente e a lesão.

    - No caso em apreço não se provou a existência do evento (a queda alegada pela autora na petição inicial), pelo que não pode falar-se de nexo entre o mesmo (evento) e a lesão.

    - Ao decidir, como decidiu, o acórdão recorrido, violou o disposto nos artigos 674.°, n.º 1, alínea b), e 3, segunda parte; 666.°, n.º 1, 663°, n.º 2, e 615°, n.º 1, alínea b), todos do C.P.C; 6°, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro; 7°, n.º 1, do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril, e 205°, n.º 1, e 112°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

  6. Contra-alegou a parte contrária, pugnando pela confirmação do julgado.

  7. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam. 8.

    Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir, de acordo com a sua precedência lógico-jurídica, são as seguintes:[2] - Se, no tocante à operada alteração da decisão de facto, o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação e de exame crítico da prova; - Se, por errada apreciação da prova, merece censura a alteração da matéria de facto levada a cabo pela Relação; - Se os factos provados configuram um acidente de trabalho.

    Cumpre decidir.

    II.

  8. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:[3] 1 - Em 10.12.2008, entre as 08:00 horas e as 16:00 horas, no interior da residência dos réus (…) a autora prestou serviços.

    2 - A autora trabalhava por conta dos réus, enquanto empregada doméstica, desde 14.03.2008.

    3 - (…) 4 - (…) 5 - (…) 6. Em 10.12.2008, a autora sofreu traumatismo craneoencefálico, provocado por uma pancada ou choque em superficie dura.

    [4] 7 - A autora, depois de ter sido socorrida pelos bombeiros voluntários da ..., foi transportada para o Centro de Saúde da ....

    8 - Do Centro de Saúde da ..., a autora foi transferida para o Hospital de ….

    9 - No Hospital de ... a autora realizou uma TAC que mostrava "extensa colecção hemática com forma de lente biconvexa, na região parietoceipital direita, em relação com hematoma epidural, medindo cerca de 25 mm de maior espessura. Assimetria das suturas parieto-occipitais, com maior solução de continuidade à direita. Marcado efeito de massa, com colapso do ventrículo lateral direito e desvio das estruturas da linha média para o lado esquerdo." 10 - Do Hospital de ... a autora foi evacuada para o Hospital … para craniotomia e remoção e hemostase dos vasos sangrardes (meningea média c seio potroso) onde permaneceu internada até 19.12.2008.

    11 - No Hospital …, a autora foi submetida a intervenção cirúrgica para cariotomia para drenagem de hematoma.

    12 - Em 19.12.2008, a autora regressou ao Hospital de ... onde permaneceu internada dezasseis dias.

    13 - Em exame neurológico realizado em 17.03.2010, a autora apresentava défice cognitivo mínimo e ligeiras alterações cerebelosas e extrapiramidais.

    14 - Em 10.04.2010, a autora teve consulta externa de neurocirurgia no Hospital ....

    15 - Na informação psiquiátrica datada de 03.05.2010, consta que a autora apresenta, como sequelas psíquicas, "deméneia...

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