Acórdão nº 549/08.7TBAMR.S1.G1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório: AA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros BB, S.A., Fundo de Garantia Automóvel, CC e DD peticionando a condenação da primeira a pagar-lhe a quantia de 196.954,54 €, acrescida de juros à taxa legal até efectivo pagamento.

    Na eventualidade de o contrato de seguro vir a ser declarado nulo, pediu a condenação solidária dos réus Fundo de Garantia Automóvel, CC e DD no pagamento da referida quantia e respectivos juros.

    Para tanto alegou, em suma, que, em consequência do embate do veículo com a matrícula SX-...-... no ciclomotor por si conduzido, devido a culpa exclusiva do condutor daquele veículo, sofreu danos patrimoniais resultantes da IPP de 30% de que ficou a padecer, salários que deixou de auferir e danos no ciclomotor, bem como danos não patrimoniais.

    A ré contestou, excepcionando a nulidade do contrato de seguro com fundamento em falsas declarações. Alegou para o efeito que, ao contrário do declarado e com o objectivo de obter um seguro mais barato, o tomador do seguro – EE – não era proprietário do SX-...-..., nem seu condutor habitual, e, por outro lado, que se tivesse conhecimento desse facto nunca teria celebrado o dito contrato de seguro. Mais invocou a falta de qualquer interesse do tomador na coisa segura, pelo que, também nos termos do artigo 428º do Cód. Comercial, o contrato de seguro é nulo.

    Impugnou ainda a factualidade relativa à dinâmica do acidente, apresentando a sua própria versão dos factos.

    Deduziu reconvenção contra o autor e EE, pedindo a declaração de nulidade do contrato de seguro invocado e a condenação dos mesmos a reconhecerem essa nulidade, com a consequente exoneração da reconvinte do dever de indemnizar o autor/reconvindo, requerendo, para o efeito, a intervenção do referido EE, como parte principal e associada do autor.

    Mais requereu a intervenção principal da Caisse Primaire …, alegando que esta instituição procedeu a diversos pagamentos a quem prestou cuidados de saúde ao autor, seu beneficiário, bem como o indemnizou das suas perdas salariais, montantes que devem ser deduzidos à eventual indemnização que venha a ser arbitrada.

    O Fundo de Garantia Automóvel contestou, afirmando a existência de contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro e, subsidiariamente, que a sua eventual invalidade não é oponível aos terceiros lesados, por força do estatuído no artigo 14º do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. Mais impugnou, por desconhecimento, os factos alegados pelo autor.

    Requereu ainda a intervenção principal provocada do Hospital de S. ….

    Os Réus CC e DD também contestaram, apresentando uma versão dos factos idêntica à da ré seguradora.

    Em articulado superveniente o Fundo de Garantia Automóvel alegou que o ciclomotor conduzido pelo autor circulava sem qualquer luz, facto de que só teve conhecimento em 12 de Dezembro de 2008.

    Na réplica o autor impugnou a facticidade alegada pela ré seguradora.

    Foram admitidas as requeridas intervenções.

    Citada, a Caisse Primaire formulou pedido contra a Ré BB visando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 33.484,12 €, acrescida dos juros moratórios que se vencerem desde a data da notificação à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

    A Ré BB contestou o pedido deduzido pela Caisse Primaire, invocando a prescrição, pelo menos parcial, do direito ao reembolso invocado por aquela.

    O Autor, após notificação do pedido formulado pela Caisse Primaire, reduziu o pedido correspondente ao dano patrimonial da perda salarial para 14.157,50 €.

    O Réu DD contestou o pedido de reembolso da Caisse Primaire.

    No decurso da causa, faleceu a Ré CC, tendo sido habilitados, em seu lugar, DD, FF e GG. A esta última foi nomeado como curador ad litem HH.

    A Caisse Primaire respondeu à contestação da Ré BB, pugnando pela improcedência da excepção.

    No despacho saneador relegou-se o conhecimento da excepção peremptória da prescrição para a decisão final.

    O Fundo de Garantia Automóvel veio apresentar articulado superveniente, alegando ter tido, entretanto, conhecimento, de que o autor conduzia com uma TAS de 1,95 g/l, a qual teve influência directa e necessária na ocorrência do acidente.

    O Autor não se opôs à admissão do articulado, mas impugnou o nexo de causalidade entre a referida taxa e o acidente.

    Em virtude do óbito do curador ad litem nomeado à menor, esta passou a ser representada pelo Ministério Público.

    Foram aditados à base instrutória os novos factos constantes do articulado superveniente.

    Realizado, por fim, o julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente nos seguintes termos: “a) Condeno a Ré BB a pagar ao Autor AA a quantia global de 59.350 €, acrescida de juros à taxa de 4% desde a data da presente decisão até efectivo pagamento, absolvendo-a do remanescente do pedido; b) Condeno a Ré BB a pagar à Caisse Primaire a quantia de 33.484,12 €, acrescida de juros moratórios que se vencerem desde a data da notificação à taxa legal até integral e efectivo pagamento; c) Sem prejuízo do decidido nas alíneas a) e b), anulo, por inexactidão das declarações, o contrato de seguro titulado pela apólice nº 0001299100; d) Condeno o Autor e a Ré BB a pagaram as custas da acção na proporção do respectivo decaimento; e) Condeno a Ré BB a pagar as custas do pedido de reembolso formulado pela Caisse Primaire; f) Condeno os Réus DD, FF e GG, estes na qualidade de habilitados de CC, no pagamento das custas da reconvenção”.

    Inconformados com o decidido, apelaram a ré Companhia de Seguros BB, SA, e o autor.

    O Tribunal da Relação de … julgou parcialmente procedentes as apelações da ré seguradora e do autor e, revogando parcialmente a sentença recorrida, fixou a indemnização a pagar à Caisse … em 18.078,62 € e a indemnização por danos futuros a pagar ao autor em 38.500€, decidindo que o autor terá a receber da ré seguradora a quantia global de 66.850€ e a Caisse … a quantia global de 18.078,62€. No mais manteve a decisão recorrida.

    De novo inconformada, interpôs a Companhia de Seguros BB, SA, recurso de revista excepcional, que foi admitido.

    A ré Companhia de Seguros BB, SA, aduziu na respectiva alegação, no que ao mérito do recurso concerne, a seguinte síntese conclusiva: «XII - No caso dos autos, é manifesto que o tomador do seguro, o EE não era, à data da apresentação da proposta de seguro, nem foi alguma vez, dono da viatura RG-…-…, ou seu condutor habitual.

    XIII - Ademais, de forma ainda mais evidente, não era, ou alguma vez foi, dono do veículo SX-...-..., veículo de que era proprietária sua irmã, sua condutora habitual.

    XIV - Provou-se até que o EE nunca conduziu, de forma habitual ou esporádica, o veículo SX, ou foi seu detentor.

    XV - Assim, o EE não tinha, pelo menos desde a data em que o SX passou a integrar a apólice de seguro em causa até ao momento do acidente, qualquer interesse na coisa segura, fosse ele económico ou meramente moral, nunca podendo ser responsabilizado pelas consequências derivadas da sua circulação ou dos seus riscos próprios, o que gera a nulidade do contrato de seguro.

    XVI - Essa nulidade é plenamente oponível aos terceiros lesados.

    XVII - A este entendimento não obsta a regra do n° 2 do artigo 2º do DL 522/85. De facto, essa regra permite que outra pessoa, para além das referidas no n.° 1 do mesmo inciso, celebre esse contrato, mas não prescinde do requisito do interesse na contratação desse seguro (cfr Acórdão da Relação de … de 01/02/07 (…) XXVII - Assim, por força da nulidade do contrato de seguro, deve a Ré ser absolvida de todos os pedidos contra si deduzidos na presente acção; XXVIII - Mesmo que assim não se entendesse, sempre se imporia a absolvição da recorrente, ou, pelo menos, a redução da indemnização atribuída ao demandante, quer por via da alteração da repartição da responsabilidade, quer pela fixação da compensação em montante mais equitativo, em face dos danos.

    XXIX - Com efeito, é certo que não se provaram as concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente.

    XXX - Todavia, foi apurado que, na ocasião do sinistro, o A conduzia o ciclomotor com uma taxa de alcoolémia de 1,95 g/l e que essa TAS "prejudicou a sua capacidade de discernimento, de atenção e de reflexos para a condução do referido ciclomotor".

    XXXI - Ora, perante estes factos, afigura-se-nos que a explicação para a ocorrência do acidente pode ser encontrada na referida taxa de álcool no sangue.

    XXXII - Com efeito, apesar de não se ter provado a distância a que se encontravam os dois veículos no momento em que a condutora do SX virou à esquerda no entroncamento, apurou-se que o embate se dá num momento em que aquele automóvel já se encontrava com a sua frente na via pela qual pretendia passar a...

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