Acórdão nº 1329/14.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA intentou a presente ação declarativa contra BB Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe o montante de € 60.480,00 acrescido de juros à taxa legal desde 23.01.2012 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que: - Foi entre 01/03/1984 e 31/03/2012 trabalhador da CC, S.A., a qual celebrou com a Ré um contrato de seguro, do Ramo Vida, que visava a compensação dos trabalhadores por perda de rendimentos caso se encontrasse incapacitado para o trabalho e fosse reformado por invalidez; - Foi considerado pelo Instituto de Segurança Social em situação de incapacidade relativa e foi-lhe atribuída a respetiva pensão por invalidez, com inicio a 23/01/2012, tendo sido considerado incapaz para o exercício da sua profissão; - É portador de uma incapacidade para o trabalho superior a 2/3, apresentando incapacidade de, pelo menos, 69% de acordo com a tabela nacional de incapacidades para o trabalho; - O contrato de seguro contém cláusulas contrárias à lei e que de modo desproporcionado protegem a ré em prejuízo dos beneficiários do seguro, sendo o que acontece com o art. 2º, pontos 2 e 3 das condições especiais, constituindo uma cláusula contratual abusiva e proibida.

- Requereu à Ré o pagamento do capital seguro e, tendo-lhe entregue a documentação comprovativa de ter sido reformado por invalidez, assim como os relatórios médicos, esta não só não pagou, como tem vindo a exigir a apresentação de um atestado de incapacidade multiuso.

A ré contestou.

Alegou, em síntese nossa, que: - Celebrou um contrato de seguro com a CC, cabendo a esta o dever de informar os segurados sobre o conteúdo do contrato; - A obrigação exigida à ré pressupõe o preenchimento dos requisitos que enuncia nos artigos 17º e 18º da contestação, cabendo ao segurado o cumprimento das obrigações mencionadas no art. 19º da mesma peça processual; - O autor até à data não facultou o atestado médico de incapacidades multiusos e os serviços clínicos da Ré não dispõem de toda a documentação necessária para aceitar ou não o grau de incapacidade de que o A. diz padecer, pelo que é de entender que não se encontra afetado de incapacidade definitiva de exercer a sua profissão ou outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, condenou a Ré no pedido.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação que a Relação de … julgou procedente, absolvendo a ré do pedido.

Na revista que interpôs, o autor pede a revogação deste acórdão e formula as conclusões que passamos a transcrever: I - O contrato de seguro em causa nos presentes autos compõe-se de Condições Particulares, resultantes de discussão e negociação entre as partes, e de Condições Gerais, estas sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais previsto no Dec.-Lei 446/85 de 25/10, sendo que aquelas, pela sua especialidade e por isso mesmo resultar do contrato de seguro se sobrepõem a estas últimas.

II - Nos presentes autos discute-se a situação de incapacidade permanente por doença, do recorrente, risco este que se encontra coberto pelo contrato de seguro e que nas respectivas Condições Particulares está estabelecida nos seguintes temos: "pagamento do capital seguro previsto nas Condições Particulares ou no Certificado de adesão em caso de Invalidez Total e Permanente, de grau de desvalorização igual ou superior a 2/3, por doença ocorrida durante a vigência da adesão (art° 4o, ai. b) das Condições Particulares." III - O acórdão recorrido omitiu por completo a análise de tal Condição Particular, não tendo procedido à sua interpretação e aplicação ao caso concreto com vista à apreciação da verificação das condições de que, nos termos contratuais, dependia o pagamento do capital seguro, pelo que não se pronunciou sobre questão que devia apreciar, com a sua consequente nulidade nos termos previstos na al. d) do n° 1 do art° 615o do CPC.

IV - A mencionada Condição Particular, constante da al. b) do art° 4o, para além do constante no seu enunciado, não impõe qualquer outra exigência ou requisito, seja por remissão para qualquer tabela de incapacidades seja exigência a nível da extensão da incapacidade profissional, de que dependa o funcionamento da ali prevista cobertura por incapacidade permanente resultante de doença natural.

V - Pretender-se que, para além do estabelecido no enunciado daquela Condição Particular, a verificação do risco de incapacidade total e permanente por doença depende do cumprimento de outros requisitos ali não previstos, designadamente dos que o acórdão recorrido extrai das Condições Gerais do contrato, sempre importa, para além de errónea interpretação do contrato, uma exigência manifestamente abusiva, desproporcional, e violadora da boa-fé contratual, com a inerente proibição da cláusula ínsita nas Condições Gerais do contrato que tal estabeleça, cf. decorre do disposto nos art°s 15° e 16° do Dec.-Lei n° 446/85 e art° 9o da Lei n° 24/96.

VI - No que concerne ao requisito de incapacidade para o exercício de qualquer actividade remunerada compatível com as aptidões e conhecimentos do recorrente, caso os Ex.m°s Desembargadores entendessem que tal incapacidade não estava devidamente exposta na sentença recorrida, apesar de nesta expressamente se fundamentar a decisão apreciando e dando como comprovada tal situação e considerando também que tal situação não consta como facto dado como não provado, sempre deveriam ter mandado baixar os autos à 1a instância para ali ser removida qualquer dúvida que, apesar da fundamentação da sentença, ainda pudesse existir.

VII - O seguro em causa nos autos vem previsto no Manual do Empregador disponibilizado pelo tomadora do seguro e com ele visou-se garantir aos trabalhadores o pagamento de um valor compensatório da sua situação de invalidez, em caso de incapacidade para o trabalho e consequente reforma por invalidez resultante de doença natural que ocasione uma situação de desvalorização que qualitativamente seja igual ou superior a 2/3.

VIII. - Para um declaratário normal uma situação de invalidez total e permanente é aquela que se traduz na sua incapacidade, para o resto da sua vida, de exercer a sua actividade remunerada, sendo neste sentido e com a finalidade de conceder ao beneficiário do seguro um valor complementar que melhor lhe permita encarar a sua incapacidade, que o contrato de seguro em causa nos autos deve ser interpretado.

IX - O relatório pericial junto aos autos, elaborado pelo Instituto de Medicina Legal, conclui que o recorrente, para além das demais patologias, "padece de um quadro depressivo crónico (F33 da CID-10), num fundo de personalidade onde revela uma acentuação de traços ansiosos e anancásticos", o que levou à conclusão de que as sequelas de que padece são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual e que o recorrente tem dependência permanente de ajudas: acompanhamento médico e ajudas medicamentosas.

X - O recorrente foi reformado por invalidez resultante de doença natural devidamente avaliada pela Comissão de verificação de Incapacidades da Segurança Social, tendo sido considerado incapaz, por invalidez, o que implica que lhe tenha sido reconhecido que não pode auferir mais de 1/3 da remuneração ao seu exercício normal, ou seja de que, no mínimo, tem 2/3 de incapacidade para o trabalho, cf. previsto no art° 14°, n° 1 do Dec.-Lei n° 187/2007.

XI - Qualquer cláusula contratual que exija que o recorrente, para além do grave e incapacitante estado de saúde que concretamente o afecta e o impossibilita de trabalhar, ter também de apresentar uma incapacidade de acordo com a TNI, traduz-se em cláusula que frontalmente viola a confiança depositada pelo tomador do seguro e pelo beneficiário do mesmo quanto ao sentido, finalidade e objectivo do contrato de seguro em causa e, ademais, ocasiona um injustificado e grave desequilíbrio dos interesses das partes, em prejuízo do beneficiário do seguro, e é manifestamente violadora da boa-fé contratual.

XII - Tal cláusula sempre se inseriria na previsão do disposto nos art°s 15° e 16° do referido Dec.-Lei 446/85 de 25/10, bem como na previsão art° 9°, n° 2 e n° 3 da Lei n° 24/96 de 31/07, pelo que seria proibida.

XIII - Ao questionar a exigência de apresentação, pelo recorrente, de atestado médico multiusos, o douto acórdão recorrido aprecia questão que lhe estava vedado conhecer dado que a Apelação não teve como fundamento a falta de apresentação de tal documento; XIV - Ao proceder à apreciação de tal questão o acórdão recorrido conheceu de questão que, por não ter sido objecto de recurso, lhe estava vedado conhecer, com a sua consequente nulidade - cf. al. d) do n° 1 do art° 615° do CPC.

XV - O atestado médico de incapacidade multiusos encontra-se previsto no Dec.-Lei n° 202/96 de 23/10, alterado e republicado pelo Dec.-Lei n° 291/2009 de 12/10, e traduz-se em documento destinado à obtenção de benefícios fiscais previstos legalmente, não podendo por isso ser requerido para finalidade diferente daquela, designadamente para obtenção de pagamento de capitais resultantes de contrato de seguro.

XVI - A exigência de tal atestado para prova de situação de incapacidade em causa nos autos, para além de se traduzir na exigência de documento legalmente previsto para finalidades alheias a contratação de seguros, sempre se traduziria em exigência manifestamente abusiva, tanto mais que há que ter em consideração a comprovada situação de incapacidade que o recorrente, mesmo antes da proposição da acção judicial, apresentou à, aqui recorrida.

XVII - A cláusula contratual que faça depender o pagamento de...

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