Acórdão nº 235/07.5TBRSD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução12 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. AA, BB e mulher, CC e marido, e DD propuseram acção declarativa contra EE - Produção de Electricidade, Soc. Unipessoal, Lda.

e FF, S.A.

Alegaram, em suma, que, por escrituras públicas outorgadas em 1998 e 2006, os autores adquiriram o prédio inscrito na matriz predial artigo n.º 1…8, sito na freguesia de B…, concelho de Resende; que registaram as aquisições na Conservatória do Registo Predial, gozando da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial; e que a 1.ª ré e a 2.ª ré instalaram nesse prédio, respectivamente, um e três aerogeradores, prejudicando os autores na intenção de o arrendarem.

Pediram que, as rés fossem condenadas a (I) reconhecerem os autores comproprietários do prédio inscrito no artigo matricial 1…8.º, (II) a reconhecerem não terem título da posse exercida sobre algumas parcelas de terreno desse prédio, (III) a entregarem essas parcelas a favor dos autores, e (IV) a indemnizarem os autores pelos danos que lhes causaram com a ocupação, desde a citação, a liquidar posteriormente.

Citadas, as rés contestaram, impugnando a matéria alegada pelos autores e excepcionando a existência de acordos celebrados em 1996 (2.ª ré) e 1999 (1.ª ré) com a Junta de Freguesia de B… pelos quais esta lhes concedeu o uso e fruição dos terrenos, apresentados como baldios da freguesia, onde instalaram os aerogeradores. A não ter legitimidade para lhes conceder o uso e fruição de tais terrenos e autorizar aquelas instalações, a Freguesia de B… causou prejuízos às rés, tendo interesse na manutenção e validade de tais acordos e devendo por isso intervir como associada das rés na causa.

Pediram que, a acção fosse julgada improcedente. Deferida a intervenção acessória e citada, a Junta de Freguesia de B… contestou, impugnando a matéria alegada pelos autores e excepcionando a pertença do prédio reivindicado à comunidade de Barrô como baldio. Após vicissitudes processuais várias que irrelevam, foi realizado julgamento e, após, proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarou os autores comproprietários do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 1…8.º e condenou as rés na restituição deste prédio aos autores, absolvendo-as do mais pedido.

As rés EDP, Renováveis, S.A. (ex-FF), EE, Lda. e a interveniente Junta de Freguesia de B… interpuseram recursos de apelação e o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.

Irresignadas, a interveniente Junta de Freguesia de B… e a ré EDP Renováveis Portugal, S.A.

interpuseram recursos de revista e neles apresentaram as seguintes conclusões: Junta de Freguesia de B…: «1.ª- Foi reconhecido na sentença proferida em primeira instância que os baldios da freguesia de B… apenas existiram até à data de 25 de Julho de 1929; 2:ª- Data aquela em que foram alienados a terceiros por aquele Município, através da venda feita pela sua Comissão Administrativa; 3ª- Sucede, porém que a escritura celebrada pela Comissão Administrativa da Câmara Municipal de R…, junta a fls 9 a 11 dos autos, de 25/07/1929, não tem valor jurídico, sendo nulo o negócio jurídico nela relatado; 4.ª- Já que, de acordo com aquela escritura, foram vendidos "todos os montes baldios e maninhos existentes na freguesia de B…"; 5.ª- Estando vedado à C. M. de R… vender baldios das freguesias da sua circunscrição, pois só poderia alienar os baldios municipais e não os baldios paroquiais; 6.ª- Já que os baldios das paróquias não se encontram sob a sua administração e tutela jurídica, pois o Decreto n° 14.284 de 18/12/1928, apenas autorizava às Câmaras a venda dos baldios municipais; 7.ª- Sendo, assim, tal alienação de efeitos nulos e cuja nulidade é invocável a todo o tempo, sendo também oficioso o seu conhecimento; 8.ª- Assim, a nulidade insanável daquela alienação faz cair por terra o registo da propriedade a favor dos Autores; 9.ª- Deixando, por isso, de se lhe aplicar a consequente presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, como erradamente lhe foi conferida pelo douto Acórdão proferido e também pela sentença de Ia instância; 10.ª- Não podendo, por isso, proceder a acção, pois os Autores, face ao exposto não conseguiram demonstrar a aquisição válida do seu direito de propriedade; 11.ª- O Acórdão recorrido violou as disposições legais que consagram os baldios e o direito das populações da sua área ao seu usufruto, nomeadamente, a Lei n° 68/93 de 04/09, diploma legal em vigor à data da propositura desta acção».

EDP Renováveis Portugal, S.A.: «1 – Ao presente recurso deverá ser fixado efeito suspensivo pois só assim será acautelado o dano que a execução da sentença implicará, designadamente com a retirada/desmantelamento do prédio em causa dos aerogeradores ali implantados; 2 - A Recorrente prestou já caução, através da prestação de garantia bancária, e pelo valor de € 70.468,82, encontrando-se a mesma nos autos a fls. …; 3 - A decisão posta sob censura é, manifestamente, injusta e desconforme às regras do direito e da lei uma vez que o Tribunal a quo não procedeu a uma análise crítica e rigorosa da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente não tendo retirado ou extraído todos os efeitos da abundante prova testemunhal produzida pela Recorrente e pela Interveniente e no que tange ao facto de que o prédio em questão sempre foi terreno baldio; 4 – O Tribunal Recorrido desvaloriza os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Recorrente e pela Interveniente, limitando-se a fazer uma transcrição parcial, superficial e descontextualizada daqueles depoimentos, fazendo menção de que tais depoimentos não merecem relevância uma vez que, a maior parte dos mesmos, foram prestados com ligeireza e comprometimento; 5 – Em contrapartida o Tribunal Recorrido valoriza indevidamente os meios de prova oferecidos pelos Recorridos, designadamente a prova documental e os dois depoimentos prestados por dois irmãos dos Autores que são com eles comproprietários do prédio em questão e cujos depoimentos são parciais não devendo merecer nenhuma credibilidade, não tecendo sobre os mesmos os juízos ou considerações que produziu acerca dos depoimentos oferecidos pelas demais testemunhas, revelando parcialidade injustificada na avaliação e valoração da prova; 6 - O Acórdão recorrido enferma de erro grosseiro e notório, fazendo uma errada interpretação do direito; 7 - A acção proposta pelos Autores é uma acção de reivindicação que tem por objecto uma parcela de terreno de um prédio inscrito a favor dos Autores no registo predial e que cumula com um pedido de indemnização civil; 8 – A procedência de uma qualquer acção de reivindicação fica dependente da comprovação da prova da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e bem assim a ocupação da coisa reivindicada pelos Réus; 9 - A comprovação da titularidade do direito de propriedade tem de assentar na prova do facto jurídico constitutivo de tal direito havendo que fazer a demonstração da aquisição originária ou, até, pela comprovação dos factos que a lei reconheça como adequados e suficientes para presumir a existência dessa titularidade, ou seja, a posse; 10 - O registo predial português não tem carácter constitutivo de direitos, com excepção da hipoteca, tendo o registo carácter meramente de publicidade ou anunciativo; 11 - Os Recorridos não lograram demonstrar a qualidade de proprietários da parcela de terreno reivindicada uma vez que não provaram ter praticado quaisquer actos de posse sobre tal parcela de terreno; 12 - Da decisão recorrida não consta terem os Autores/Recorridos o poder de facto sobre tal parcela de terreno, isto é, terem sobre aquela parcela o poder direto e imediato, terem, igualmente, praticado actos inequívocos de forma conhecida e reiterada e com intenção de com a sua actuação estarem a agir como verdadeiros donos da mesma, o que o mesmo é dizer-se, não é feita qualquer referência à posse dos Autores, ao "corpus" e ao "animus", existindo omissão quanto ao apossamento; 13 - Em nenhum dos factos dados como provados pelo Tribunal Recorrido se faz referência aos factos constitutivos do direito de propriedade a que os Autores se arrogam e que estão na base da aquisição originária; 14 - Os Recorridos não lograram demonstrar terem exercido uma posse correspondente ao direito de propriedade, de forma pública, pacífica, de boa-fé, continuada, ininterrupta, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição; 15 - O Acórdão recorrido nunca poderia ter dado como provado que a parcela de terreno em questão é propriedade dos Autores, socorrendo-se, para tal efeito, apenas e tão só do argumento formal das escrituras de compra e venda, as quais são insuficientes para a comprovação da titularidade do direito de propriedade; 16 - O Acórdão Recorrido faz uma errada apreciação da prova bem como uma errada aplicação do direito, não podendo permanecer na ordem jurídica, tanto mais que omite os requisitos necessários e exigíveis por lei para que uma acção típica desta natureza pudesse ser julgada procedente; 17 - As apreciações que o Venerando Tribunal Recorrido produz quanto à prova testemunhal da Recorrente são manifestamente injustas e desadequadas na medida em que todos os juízos, considerações e opiniões ali tecidos são objectivamente parciais, não completos, descontextualizados: 18 - As testemunhas oferecidas pela Recorrente, pessoas todas elas humildes e simples, que constituem, necessariamente, o Povo, de forma absolutamente clara, firme e inequívoca, afirmaram, em...

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