Acórdão nº 3/13.5TDLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

AA vem interpor recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, proferida nos autos de processo comum – tribunal singular, acima referenciados, concluindo a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem[1]: «CONCLUSÕES I. A condenação da Arguida é injusta, na medida em que todos os indícios novos, conjugados com os dos autos levam a crer, com alguma segurança, que não era a Arguida quem conduzia o seu carro nessa noite, no momento do atropelamento de BB.

II. A Arguida foi condenada a dois anos e três meses de prisão efetiva, tendo sido dado como provado que a mesma, no dia 1 de Janeiro de 2013, pelas 3h57m, atropelou BB na Avenida ..., levando-o à morte, e de ter abandonado o local sem prestar auxílio à vítima. Mais foi acusada de estar a conduzir no momento do acidente com um nível de 1,6 g/l de álcool no sangue.

III. Desde o primeiro momento, a Arguida nunca assumiu ter sido ela a atropelar BB, mas também nunca negou tê-lo feito.

IV. Apenas disse não se recordar de nada do que tinha acontecido.

V. A Arguida confiava que no âmbito do julgamento toda a verdade viria ao de cima, e que, se se apurasse que realmente tinha sido ela a conduzir, teria que pagar por isso, conformando-se com a pena que lhe pudesse vir a ser aplicada.

VI. Mas a posição de defesa da Arguida no momento do julgamento era muito difícil: 1º. A Arguida não sabia se efetivamente teria sido ela a conduzir o automóvel, pois não se lembrava; 2º. A Arguida não sabia (e ainda não sabe) quem ia a conduzir o seu carro, pelo que lhe era muito difícil acusar alguém ou sequer dar a entender a culpa de alguém, atendendo à gravidade de vir a criar suspeitas sobre pessoas que tinham passado com ela a passagem de ano (ainda mais quando a própria admitia como possível ter sido ela a conduzir o carro); 3º. Era e é muito difícil à Arguida provar que falava a verdade, quando alegava amnésia. Afinal não existe forma de provar uma amnésia (a não ser por via do teste do polígrafo que se junta agora aos autos, e mesmo assim, não sendo a mesma, como se admite, prova definitiva e irrefutável desse mesmo facto); 4º. Além do que, a amnésia deve ser a “desculpa” mais usada em Tribunal pelos Arguidos que pretendem fugir às suas responsabilidades, pelo que, quando alegada, mesmo que verdadeira (como é o caso), o Tribunal tem tendência a valorar de forma bastante crítica tal alegação.

VII. Desde o dia do acidente até ao dia do nascimento da sua filha, a Arguida permaneceu num estado emocional de choque e de grande apatia, não conseguindo ter força anímica para investigar o que realmente aconteceu.

  VIII. A Arguida sempre teve muitas dificuldades em lidar com este assunto, e não tinha condições psicológicas e emocionais para levar a cabo, de facto, uma investigação, encarar as pessoas, falar do problema.

IX. A Arguida só começou, de facto, a levar a cabo esta investigação, depois de começar as sessões de hipnoterapia com a Dra. CC, dado que a mesma, desde a primeira sessão, ficou convicta que a Arguida não teria conduzido o seu automóvel no momento do acidente, pois denotava-se, nas sessões, uma ausência de sinais de trauma inconsciente em relação com o dia do acidente.

X. Tendo conseguido, com a ajuda da Dra. CC, chegar à fala com DD, pessoa que tinha jantado com a Arguida e com quem a Arguida nunca mais tinha conseguido contactar, o mesmo disse: • Ter sido ele (DD) quem pagou o jantar da Arguida, por volta das 3h20m de dia 1 de janeiro de 2013; • Que a Arguida, no estado em que estava quando a deixou, não podia ter conduzido o seu carro nessa noite.

(Factos novos que ora se alegam) XI. Mais tendo o DD dado a entender saber mais do que contou à Arguida, embora não se tivesse disposto a comparecer voluntariamente em Tribunal para depor.

XII. A Arguida procurou depois o contacto dos primeiros agentes que chegaram ao local onde a Arguida fora encontrada (na Rua da Saudade) – Agente EE e Agente FF, tendo os mesmos revelado que: A) A Arguida estava deitada na parte da frente do carro e não sentada com a cabeça sobre o volante (como veio a ser considerado provado nos autos); B) A Arguida estava inanimada (em coma), ressonando e não reagindo a estímulos, apenas reagindo de forma pouco significativa a estímulos de dor (beliscões nas unhas), mas ainda assim, sem nunca acordar e apenas fazendo pequenos sons, C) Durante todo o tempo em que estes agentes estiveram no local nunca conseguiram que a Arguida proferisse uma só palavra; D) O estado de apatia (coma) em que a Arguida foi encontrada e de absoluto blackout sofrido pela Arguida durante várias horas não é compatível com uma taxa de alcoolemia de 1,6 g/l, sendo perfeitamente possível e até muito provável que a Arguida estivesse drogada; E) A Arguida, em tal estado, não podia ter conduzido o seu veículo desde o Cais do Sodré até à Rua da Saudade; F) Que os primeiros agentes a chegar ao local do acidente não viram nenhum taxista, nem pediram a nenhuma viatura (designadamente táxi) para se desviar do caminho até ao local onde estava o carro da Arguida – pelo que o táxi não podia ter ficado parado no início da Rua da Saudade, como foi relatado pelas testemunhas e dado como provado.

G) Aqueles agentes encontraram o telemóvel da Arguida e com ele fizeram uma chamada para o último número que estava marcado, falando com uma mulher que tinha estado com a Arguida a celebrar a passagem de ano (GG), sendo sua a intenção chamar alguém, amigo da Arguida, que pudesse acompanhar a mesma, pois a mesma estava inanimada; H) Que a Arguida não tinha vómito no vestido nem nos sapatos embora o carro tivesse um intenso cheiro a vómito e houvesse no carro vários vestígios desse mesmo vómito.

Factos novos que agora se alegam e meios de prova cuja produção ora se requer através do depoimento dos agentes supra mencionados.

XIII. Note-se que a Arguida só teve conhecimento da existência e importância destes dois agentes depois do julgamento e face às declarações do Agente HH, que revelou que quando chegou ao local já lá se encontravam dois agentes, pelo que só agora foi possível à Arguida identificar e apresentar estes novos meios de prova.

XIV. No sentido de confirmar a sua versão dos factos, a Arguida aceitou submeter-se ao teste do polígrafo, sendo o resultado do mesmo que a Arguida fala VERDADE quando diz não se lembrar de ter conduzido o seu carro na madrugada de dia 1 de janeiro de 2013, que não se lembra de ter atropelado BB e que não se lembra do seu carro ter batido em alguém nessa mesma noite (laudo esse que se anexa como prova do presente recurso como doc. n.º 1).

XV. Embora o teste do polígrafo, como meio de prova, não possa ser considerado determinante, por si só, quando aliado a outras novas provas e novos factos que são alegados no âmbito do presente recurso, não poderá deixar de assumir a importância de confirmação da versão da Arguida através de meios mecânicos, com níveis de fiabilidade que têm sido mensurados em 90%.

XVI. A utilidade do teste do polígrafo como meio de prova não pode ser totalmente descartada nos presentes autos, na medida em que em Portugal, é a própria Lei - Lei Orgânica n.º 4/2014, de 13 de Agosto – que admite a sua utilização para efeitos de inquéritos e averiguações de segurança dos funcionários, agentes e dirigentes dos Serviços de Informações.

XVII. Por si só, o resultado do teste poderá não ter significado ao nível da prova da inocência da Arguida. No entanto, face a todos os outros novos meios de prova apresentados infra e supra, e em conjugação com os mesmos, o teste do polígrafo coloca a versão da Arguida num patamar de credibilidade que não fora aceite pelas instâncias recorridas, sendo mais uma prova da inocência da Arguida.

XVIII. As doutas instâncias recorridas deram como provado que era a Arguida quem conduzia o seu veículo no momento do acidente com base nos seguintes meios de prova: • Depoimento de II • Depoimento de JJ • Depoimento de LL • Depoimento de GG • Relatório de exame pericial aos vestígios dactiloscópicos de fls 944 e seguintes; • Relatório do exame feito ao ADN do vómito recolhido de fls. 959 e ss.

Não havendo quaisquer outros meios de prova considerandos relevantes pelas instâncias recorridas no sentido de colocar a Arguida como condutora no momento do acidente.

XIX. Quanto aos dois exames periciais, atente-se que: • Foi recolhida no veículo da Arguida um único vestígio dactiloscópico no espelho interior do mesmo. Feita a perícia foi considerado que a impressão pertencia à Arguida (o que é normal, pois o carro era da Arguida).

• Quanto ao exame ao vómito encontrado no automóvel e que seria da maior importância para saber quem efetivamente conduzia o veículo, verificou-se não ter sido possível extrair DNA desses vestígios, pelo que não foi possível fazer a comparação com o DNA da Arguida.

Pelo que estes meios de prova não constituem qualquer evidência de que a Arguida iria efetivamente a conduzir.

XX. Pelo contrário, se considerarmos que a Arguida não tinha vestígios de vómito na roupa, como ficou agora indiciado, temos que concluir que não o vómito não seria da Arguida face à localização dos vestígios de vómitos do lado direito e esquerdo do lugar do condutor (conforme reportagem fotográfica a fls. 212, 213 e 124 dos autos).

  XXI. O grupo de pessoas com quem a Arguida celebrou a passagem de ano de 2012-2013, antes do acidente, não eram amigas da Arguida, sendo que a Arguida apenas conhecia duas dessas pessoas – GG e MM – que eram Colegas de profissão.

XXII. Pelo contrário, as pessoas que com a Arguida passaram essa noite de fim de ano eram e são amigas de II.

XXIII. Estas pessoas nunca mais contactaram a Arguida, nem a Arguida conseguiu nunca obter os nomes completos e moradas dessas pessoas, no sentido de as chamar a depor em tempo útil.

XXIV. A Arguida (embora tenha indicado como testemunhas todos os membro do grupo) apenas conseguiu os contactos de MM, GG e NN no sentido de virem...

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