Acórdão nº 895/14.DPGLSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – RELATÓRIO 1. AA vem, «nos termos do disposto nos arts. 437.º e ss do CPP», interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com os seguintes fundamentos: «I. O douto Acórdão de 05/04/2016, proferido no âmbito dos autos à margem referenciados a fls.. (...), transitado em julgado em 21/04/2016, e do qual não é admissível recurso ordinário nos termos do disposto no art. 400°, n.º 1, al. f) e 432º do CPP, encontra-se em oposição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/02/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 224/07.0GAPTL.G, já transitado em julgado, disponível em http://www.dgsi.pt, sobre a mesma questão de direito e ao abrigo da mesma legislação.

  1. Com efeito os textos dos arts. 355º e 356, n.º 2 e 125º do C.P.P, e ainda o art. 32°, n.º 5 da CPR são os mesmos desde a alteração produzida, respectivamente, pela Lei n.º 48/2007 de 29/8 e o art. 32° da C.R.P pela Lei 1/97 de 20/09, pelo que o Acórdão recorrido e o referido Acórdão da Relação de Guimarães foram produzidos sob a vigência dos mesmos preceitos jurídicos.

  2. A Lei n.º 20/2013 de 21/02 não altera os referidos dispositivos, alterando apenas, e parcialmente, o n.º 4 do art. 356º do C.P.P.

  3. Ora, no acórdão recorrido estava em causa que não foram lidas em julgamento, nem se encontram transcritas as declarações para memória futura da ofendida BB, tendo-se decidido que "... garantindo essencialmente o contraditório, naturalmente que as declarações para memória futura podem ser levadas em linha de conta em julgamento, independentemente da sua leitura ..." e que " ... Não corresponde, assim, à realidade que o Tribunal a quo tenha, de alguma forma, baseado a sua decisão em prova, por violação dos princípios da oralidade e da imediação, consagrados no art. 355º do C.P.Penal." V. Porém, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/02/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 224/07.0GAPTL.G, já transitado em julgado, decidiu que: "...os depoimentos para memória futura não podem ser excluídos em audiência de julgamento do contraditório, do exame critico dos sujeitos processuais, não bastando que estes tenham conhecimento das declarações prestadas antecipadamente para memória futura.", e como tal "...Para poderem ser tomadas em consideração na formação da convicção do Tribunal, as declarações para memória futura devem ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento ...", decidindo assim que "... Perante o incumprimento do art. 356°, n.º 2, al. a) do C.P.Penal ocorre violação do disposto no art. 355º do C.P.Penal, ou seja, valorou-se um meio de prova que a lei não permite.".

  4. O acórdão recorrido viola o disposto nos arts.355°, 356°, n.º 2, al. a) e 125 do CPP e o art. 32°, n.º 5 da C.R.P.

  5. Pelo que se entende que tais Acórdãos decidiram a mesma questão de direito, mas optando por soluções opostas e no domínio da mesma legislação, abrindo-se assim a porta à possibilidade de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Termos em que se requer que V. Exa se digne a admitir o recurso, e que se fixe jurisprudência nos termos da posição adoptada no acórdão fundamento da Relação de Guimarães, seguindo-se os ulteriores trâmites.» 2.

O Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou a seguinte resposta: «RAZÕES PELAS QUAIS SE DISCORDA DO RECORRENTE O depoimento da menor BB foi prestado nos termos do artigo 271º do CPP.

Dispõe o nº 3 da actual redacção que lhe foi dada pela lei 48/2007 de 29/8 que ao Ministério Público, arguido, defensor, advogado do assistente e das partes civis são comunicados dia, hora e local da prestação de tal depoimento.

Esta alteração legislativa consagrou a "exposição de motivos da proposta de lei 109 X que pretendeu “que em todos os casos de declarações para memória futura passasse a garantir-se o contraditório na sua plenitude estando em causa uma antecipação parcial da audiência de julgamento".

Trata-se de uma verdadeira judicialização.

As declarações para memória futura podem ser levadas em conta independentemente da sua leitura.

As declarações de BB constituem forma antecipada de prova.

O artigo 355º nº 2 do CPP consagra como excepção à obrigatoriedade do exame de provas em audiência, as provas contidas em actos processuais, cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas nos termos dos artigos seguintes.

O acórdão fundamento defende que os depoimentos para memória futura não podem ser excluídos em audiência de julgamento do contraditório, do exame crítico dos sujeitos processuais, não bastando que estes tenham conhecimento das declarações prestadas antecipadamente para memória futura.

Tendo-se valorizado tal meio de prova trata-se de prova que a lei não permite.

Em boa verdade o que se defende no acórdão fundamento é que os depoimentos para memória futura não podem ser excluídos em audiência, do contraditório e do exame crítico dos sujeitos processuais, não bastando que os sujeitos processuais tenham conhecimento antecipado das declarações para memória futura.

Porém para que tal apreciação das declarações para memória futura seja efectuada em audiência é necessário que exista uma iniciativa dos sujeitos processuais.

Não existindo tal iniciativa pode o tribunal considerar as referidas declarações para memória futura não existindo por isso qualquer valorização de provas proibidas por lei.

Neste ponto não existe contradição entre os dois acórdãos porque o Acórdão recorrido não considera a situação em que algum dos sujeitos processuais tenha pretendido exercer o contraditório quanto às declarações para memória futura.

Também este Acórdão recorrido não valorizou qualquer meio de prova proibido pela lei pelas razões antes referidas.

CONCLUSÕES 1. O Acórdão recorrido não decidiu sobre uma situação em que os sujeitos processuais tenham pretendido exercer o contraditório quanto às declarações para memória futura não tendo indeferido tal pretensão.

  1. O Acórdão fundamento apenas refere que os depoimentos para memória futura não podem ser excluídos em audiência de julgamento do contraditório, o que não contradiz o acórdão recorrido.

  2. O Acórdão recorrido não valorizou qualquer meio de prova proibido por lei, como amplamente foi demonstrado neste mesmo acórdão, na parte em que analisa o regime plasmado nos artigos 271°, 363°, 364° e 355° n° 2 todos do CPP.

  3. A afirmação efectuada no Acórdão fundamento "tendo-se valorizado meio de prova que a lei não permite" é uma afirmação infundada que viola os artigos 271°, 363°, 364° e 355° n° 2 todos do CPP e que nada tem a ver com o acórdão recorrido que valorizou as declarações para memória futura em conformidade com a lei.

  4. Assim os dois Acórdãos não se pronunciam sobre a mesma questão de direito, não existindo duas soluções opostas pelo que o recurso deve ser rejeitado (artigo 441° n° 1, do CPP).» 3.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, dizendo, quanto ao mérito do recurso, o seguinte: «2.2. Dispõem os arts. 437º, nºs 1 a 4 e 438º, nº 1, ambos do CPP que o MP, o arguido, assistente e as partes civis podem interpor recurso extraordinário de fixação de Jurisprudência quando, no domínio da mesma legislação, o STJ proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o recurso é interposto do acórdão proferido em último lugar, no prazo de 30 dias a contar da data do respetivo trânsito e o recorrente tem de indicar acórdão fundamento anterior e igualmente transitado em julgado.

    O mesmo ocorre quando o tribunal da relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do STJ e dele não for admissível recurso ordinário.

    2.3. Vem entendendo pacificamente a Jurisprudência deste Venerando Tribunal que a verificação de oposição de julgados exige que as asserções antagónicas constantes dos dois acórdãos em confronto tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, que as decisões em oposição sejam expressas, que as situações de facto sejam idênticas e seja o mesmo o enquadramento jurídico.

    “A expressão «soluções opostas» pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos (…)” explicita o Ac. do STJ, de 14,03.2013, Pº. 4201/08.5TDLSB.L1-A.S1.

    3 - Revertendo ao caso concreto, constata-se estarem reunidos os requisitos formais necessários ao prosseguimento do recurso.

    Importa, assim, verificar se igualmente se mostram reunidos os requisitos substanciais se se verifica, efetivamente, oposição de julgados nos acórdãos recorrido e fundamento.

    3.1. Discordando, com o devido respeito e melhor opinião, da posição assumida pelo MP no tribunal recorrido na sua resposta, a que já nos reportámos, somos de parecer de que existe oposição de julgados face à decisão de direito contraditória assumida em cada um dos acórdãos em confronto, sendo semelhantes os factos que lhe subjazem e o mesmo o enquadramento jurídico.

    Ambos os acórdãos se pronunciaram expressamente sobre as consequências processuais...

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