Acórdão nº 2848/10.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução19 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e Companhia, Lda. intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, pedindo que: - Seja declarado que o objecto da garantia bancária a que se reporta, no montante de 890.096,90€, se extinguiu à data da apresentação dos documentos comprovativos da entrada da mercadoria em Angola, em 31.08.1995; - Seja declarado que, encontrando-se o objecto da garantia bancária em apreço extinto à data do seu accionamento pelo IFAP, este accionamento foi ilegal e abusivo; - Seja a CC condenada a abster-se de pagar ao IFAP a garantia bancária em apreço; - Seja o IFAP condenado a pagar à Autora uma indemnização correspondente aos encargos por esta suportados com a manutenção da garantia bancária em questão, após a extinção do seu objecto e até 14.09.2010, no montante de 145.670,84€, acrescido de juros comerciais, vencidos no montante de 133.429,95€, num total de 279.100,79€, bem como dos respectivos juros vincendos desde da citação até efectivo e integral pagamento; - Seja o IFAP condenado a pagar à Autora uma indemnização correspondente aos encargos por esta suportados com a manutenção da garantia bancária em questão, desde 14.09.2010 até à decisão dos presentes autos com trânsito em julgado, acrescida de juros comerciais, vencidos e vincendos desde da citação até efectivo e integral pagamento; - Seja o IFAP condenado a pagar à Autora uma indemnização não inferior a 20.000,00€, acrescida de juros desde da citação até efectivo e integral pagamento, pelo prejuízo causado ao seu bom nome, credibilidade e na sua capacidade de obter financiamento junto da banca.

Como fundamento de tais pretensões, alega que, no exercício da sua actividade, a Autora efectuou exportações de vinho para Angola, a um preço inferior àquele que obteria se tivesse vendido o vinho no mercado comunitário, solicitando ao então INGA o pagamento antecipado das restituições a que tinha direito, e apresentando para o efeito os documentos relativos à aceitação de exportação de mercadoria e as correspondentes garantias bancárias, de montante igual ao montante dos pagamentos, acrescido de 15%.

Destinava-se tal garantia, única e exclusivamente, a assegurar a efectivação da exportação, dentro de um determinado prazo, nada tendo a ver com posteriores acções de fiscalização da conformidade dos produtos exportados - extinguindo-se, pois, o objecto da garantia em causa nestes autos com o desalfandegamento em Angola da mercadoria exportada pela Autora ao abrigo da DU .

Não obstante ter apresentado ao 1.º Réu os documentos comprovativos para que fosse liberada a garantia em apreço, aquele nunca a devolveu à Autora - pretendendo antes accionar a garantia para obter o pagamento da quantia recebida pela Autora a título de restituição à exportação referente à DU (…), por ter concluído, a posteriori, que o seu pagamento foi indevido: ora, tal pretensão do 1.º Réu é abusiva, pois a garantia em questão não se destina a assegurar o reembolso da restituição antecipadamente paga.

Assim, desde 31.08.1995 - data em que o INGA deveria ter liberado a garantia - a Autora vem pagando encargos com a manutenção da garantia bancária em questão, no montante, até 14.09.2010, de 145.670,82€, a que acrescem juros à taxa comercial, sendo, os vencidos até 14.09.2010, no montante de 133.429,95€.

O accionamento ilegítimo da garantia em apreço por parte do IFAP afectou, não apenas o custo que para a Autora passou a ter a emissão de novas garantias, com ditou o agravamento, designadamente, dos spreads praticados e também a sua própria credibilidade, bom-nome e reputação junto do sistema financeiro.

Contestaram ambas as Rés - arguindo a 1ª Ré as excepções dilatórias de incompetência do tribunal em razão da matéria, no que toca aos pedidos formulados nas alíneas d), e) e f) do petitório, estando as correspondentes questões sujeitas à jurisdição administrativa; e de caso julgado, relativamente aos pedidos formulados em a) e b), formado em acção administrativa especial, onde a ora A. pretendeu que fosse declarada a ilegalidade da deliberação do CA do INGA que referencia, e na qual foi proferida decisão, transitada em julgado, desfavorável à A.

Impugna ainda a tese da A., no que concerne ao âmbito da garantia em causa e à manutenção da mesma, sustentando pretender aquela impugnar, “enviesadamente”, “um acto de execução de um acto administrativo válido e eficaz.”.

Diz a 2ª Ré que “faz seu” o articulado da A., a qual “tem vindo a pagar as comissões…”.

Houve réplica da A., sustentando a improcedência das arguidas excepções e concluindo como na petição inicial.

Na fase de saneamento do processo, foram julgadas improcedentes as excepções de incompetência material e de caso julgado, declarando-se o tribunal o competente em razão da matéria. E, considerando fornecerem já os autos os elementos necessários para o efeito, passou a conhecer-se, de imediato, do mérito da causa, julgando-se a acção improcedente, e absolvendo-se os RR. dos pedidos: considerou-se, designadamente, que da “factualidade em apreço, contrariamente ao invocado pela A., não resulta que a garantia se destinasse única e exclusivamente a assegurar a efectivação da exportação dentro do prazo."- sendo que “o que está em causa é o facto da A. nem sequer reunir os pressupostos necessários para que pudesse beneficiar da restituição.” - não se verificando assim nenhum dos casos que a doutrina e a jurisprudência têm entendido obstarem “à obrigação do pagamento da quantia garantida” por “uma garantia bancária autónoma e à primeira solicitação.”.

  1. Inconformada, apelou a A., tendo a Relação negado provimento ao recurso, com base no entendimento segundo o qual o artigo 19.°, n.º 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.º 2220/85 da Comissão, de 22 de julho de 1985, que fixa as regras comuns de aplicação do regime de garantias para os produtos agrícolas, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n. ° 3403/93 da Comissão, de 10 de dezembro de 1993, deve ser interpretado no sentido de que a garantia prestada por um exportador para assegurar o reembolso do adiantamento da restituição à exportação recebido, não se deve considerar extinta, podendo ser acionada quando, na sequência de uma fiscalização ocorrida depois de a exportação se ter efetivado e do desalfandegamento das respetivas mercadorias, se verifica não estar preenchido um dos outros requisitos para a concessão dessa restituição, nomeadamente o da qualidade sã, leal e comerciável dos produtos exportados, previsto no artigo 13.º do Regulamento (CEE) n.º 3665/87 da Comissão, de 27 de novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 1829/94 da Comissão, de 26 de julho de 1994.”.

    Em reenvio prejudicial, foi solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronunciasse sobre a interpretação dos art.ºs 4.°, n.º 1, do Regulamento (CEE) n.º 3665/87 da Comissão, de 27 de Novembro de 1987, e 19°, n.º 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.º 2220/85 da Comissão, de 22 de Julho de 1985, na perspectiva da "liberação" da garantia prestada nos quadros do art.º 22°, n.º 1, do primeiro dos citados Regulamentos, e considerados os entendimentos em confronto.

    Aquele Tribunal, em Acórdão de 11 de Dezembro de 2014, junto em cópia autenticada a folhas 608-619, declarou a interpretação perfilhada acerca da norma em causa.

    A recorrente, requereu que fosse solicitada nova intervenção do TJUE, no sentido de aquele esclarecer se o entendimento que sufraga é o de que: - se uma garantia bancária, prestada para a obtenção de um adiantamento das restituições à exportação, não responde pelo incumprimento de "outros requisitos" que só veio a ser verificado através de acções de fiscalização, ocorridas depois de a exportação se ter efectivado e ter já ocorrido o desalfandegamento das respectivas mercadorias; - ou se, pelo contrário, tal garantia responde pela falta de "outros requisitos” que só vieram a ser verificados após tal desalfandegamento.

    Foi deferido o requerido, solicitando-se ao Tribunal de Justiça da União Europeia o esclarecimento do seu entendimento quanto ao ponto assim suscitado: e o Tribunal, por Despacho do Presidente da 10ª Secção em exercício, por decisão junta em cópia autenticada a folhas 668-674, deu resposta à questão suscitada. O acórdão recorrido começou por definir a matéria de facto relevante, nos seguintes termos: “1 - A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da actividade de comercialização de vinhos, aguardentes e seus derivados, incluindo a produção, armazenamento e compra para revenda.

    2 - O IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. é um instituto público, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, que sucedeu nas atribuições do IFADAP – Instituto de Financiamento e Apoio ao desenvolvimento da Agricultura e das Pescas, I.P e ao INGA – Instituto Nacional de Intervenção de Garantia Agrícola, I.P.

    3 - No exercício da sua actividade, a A. efectuou exportações de vinho para Angola a um preço inferior àquele que obteria se tivesse vendido o vinho no mercado comunitário.

    4 - E solicitou ao INGA o pagamento antecipado das restituições a que tinha direito.

    5 - Para o efeito apresentou os documentos relativos: - à aceitação da declaração de exportação, - a prova que os produtos deixaram o território aduaneiro da comunidade no prazo máximo de 60 dias a contar de tal aceitação, e - a correspondente garantia bancária de montante igual ao montante do pagamento acrescido de 15%.

    6 - A pedido da A., a R. Caixa Central, em 14 de Junho de 1995, prestou a garantia bancária com a refª 211/DC/95, nos seguintes termos: “A Caixa Central, (…) em nome e a pedido de A., (…), vem pelo presente documento...

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