Acórdão nº 75/15.8YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I1. AA, juíza de direito, a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Grande Instância ..., ... Secção do ..., Juiz ..., arguida no processo disciplinar n.º 2014/DQJI/IN/406, notificada da decisão proferida, a 5 de Maio de 2015, pelo plenário do Conselho Superior da Magistratura[1], que a condenou, pela prática de uma infracção ao dever disciplinar de reserva consagrado no artigo 12.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais[2] e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 82.º, 85.º, n.º 1, alínea b), 86.º e 91.º do mesmo diploma, na pena de advertência, com dispensa da respectiva inscrição no registo, nos termos do artigo 85.º, n.º 4, parte final, também do mesmo diploma, não se conformando com a mesma, veio, em 09/06/2015, ao abrigo do disposto no artigo 168.º do EMJ, apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual formulou as seguintes conclusões: «A.

Os factos em que assenta a imputação da prática do ilícito disciplinar – a violação do dever de reserva – não têm qualquer relevância disciplinar, o que aliás resulta cristalino do voto de vencido do Exmo. Senhor Juiz Desembargador BB .

«B.

Em primeiro lugar, o dever de reserva tem como âmbito de aplicação as declarações ou comentários proferidos publicamente, para o exterior e/ou perante terceiros estranhos ao caso e não os diálogos informais entre o juiz e as partes e/ou os seus mandatários realizados no tribunal.

«C.

Depõem a favor desta conclusão a letra e o espírito da norma. Se com a redacção do artigo 12.º do EMJ o legislador tivesse pretendido abranger pelo dever de reserva quaisquer trocas de impressões entre o juiz e as partes e /ou os respectivos mandatários, jamais se teria referido a “declarações” ou “comentários”.

«D.

Também seria desprovido de sentido sujeitar essas “declarações” ou “comentários” a autorização prévia do CSM, na medida em que não só seria inexequível, como não teria qualquer cabimento que o CSM se pronunciasse sobre esclarecimentos ou informações que o magistrado titular do processo entende prestar às partes e/ou aos seus mandatários.

«E.

Acresce que as finalidades – defesa da honra e interesses legítimos – a que o CSM possa atender para autorizar um magistrado a fazer declarações ou comentários sobre determinado processo em nada se relacionam com informações ou esclarecimentos que o magistrado titular do processo entenda prestar informalmente às partes e/ou aos seus mandatários, na medida em que estas não justificam uma tomada de posição pública, quer para defender a sua honra, quer para gerir as repercussões sociais que certa decisão judicial possa causar.

«F.

O carácter público das declarações ou comentários proferidos por magistrados judiciais sobre processos retira-se igualmente das disposições paralelas sobre a matéria, a saber, o artigo 84.º dos Estatutos dos Magistrados do Ministério Público e do artigo 88.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

«G.

Em segundo lugar, a prestação de informações sobre um caso concreto está expressamente autorizada pelo artigo 12.º, n.º 2, do EMJ, quando vise assegurar a realização de interesses legítimos.

«H.

Ora, tendo sido a Recorrente directamente abordada pelas Autoras na acção judicial, após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, mas ainda dentro da sala, a mesma mais não fez do que esclarecer as dúvidas por aquelas manifestadas, em clara realização do exercício do direito de acesso à informação por parte dos visados.

«I.

Aliás, se o magistrado está autorizado pelo artigo 12.º do EMJ a prestar esclarecimentos ao público, então por maioria de razão está autorizado a prestar informações às partes.

«J.

Ou seja, caso se entenda que os factos em apreço podem consubstanciar (e não podem) uma (possível) violação do dever de reserva – o que não se concede – sempre estariam incluídos no n.º 2 do artigo 12.º do EMJ, que exclui do âmbito de aplicação do n.º 1 do mesmo artigo a informação que seja prestada naquelas circunstâncias.

«K.

Em terceiro lugar, a Decisão de que ora se recorre não encontra assento em nenhuma outra deliberação do CSM.

«L.

Aliás, segundo a Deliberação do CSM, de 11 de Março de 2008, que veio conformar o âmbito de aplicação do artigo 12.º do EMJ, os magistrados titulares ou não do processo devem abster-se de comentar publicamente ou perante terceiros, casos em que tenham intervenção ou em que tenham intervindo, estando, no entanto, autorizados a dar informações sobre as suas decisões e sobre os seus fundamentos.

«M.

Ora, se os Senhores Juízes estão autorizados a realizar esclarecimentos públicos, por maioria de razão, podem, no local próprio, explicar, elucidar, esclarecer e dar opiniões às partes num determinado processo e/ou aos seus mandatários.

«N.

Foi justamente o que aconteceu in casu: pelo motivo fortuito de no fim da audiência ter de sair da sala pela porta que serve o público, e porque foi cumprimentada e questionada pelas Autoras, a Recorrente entendeu ser adequado prestar um esclarecimento, ainda que limitado perante as dúvidas manifestadas pelas mesmas.

«O.

Assim sendo, à luz da Deliberação do CSM, de 11 de Março de 2008 – e de outras decisões publicadas sobre o dever de reserva – as condutas consideradas provadas não poderão integrar o elemento objectivo da infracção disciplinar imputada à Recorrente, que legitimamente confiou e adequou a sua conduta a tais entendimentos.

«P.

Em quarto lugar, não se vislumbra de que maneira um esclarecimento prestado por um juiz, mediante solicitação de uma das partes, possa comprometer a imparcialidade como fundamento do dever de reserva. Tanto quanto mais, esses esclarecimentos foram realizados depois da produção de prova e não versaram sobre quaisquer decisões ou sobre o sentido de futuras decisões.

«Q.

Ao invés, o comportamento da Recorrente é revelador de transparência, educação e pedagogia, já que possibilitou uma aproximação entre os cidadãos e a justiça e, consequentemente, uma melhor conformação com a decisão final (o que resulta, aliás, do dever de fundamentação das decisões judiciais, previsto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

«R.

O que a Recorrente pretendeu foi justamente esclarecer as Autoras das razões pelas quais estas não alcançaram um acordo com o Réu, o que em nada implica uma violação do dever de reserva.

«S.

Em quinto lugar, a decisão recorrida interfere com a independência, liberdade, consciência e convicção com que a Recorrente exerce a magistratura, atentando contra os princípios fundamentais constantes dos artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 216.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

«T.

Por último, o Conselho Plenário do CSM decidiu no sentido de o (suposto) ilícito disciplinar ter sido praticado apenas com negligência, sem demonstrar, contudo, se era exigível à Recorrente que agisse de outro modo, no caso concreto.

«U.

Ora, perante uma conversa entre a Recorrente e uma das partes no processo, em clima de total informalidade, mas na sala de audiências, perante dúvidas específicas daquela e na presença dos mandatários, não era exigível que a Recorrente se comportasse de modo diferente.

«V.

Tanto mais que, a Recorrente actuou em conformidade com a interpretação que tem vindo a ser seguida para o dever de reserva, confiando que a sua conduta não violava o artigo 12.º do EMJ.

«W.

Assim, os elementos objectivo e subjectivo da infracção não estão verificados, pelo que nenhuma responsabilidade disciplinar pode ser imputada à Recorrente, devendo a decisão recorrida ser revogada com a consequente absolvição da Recorrente.

X.

Decorre das conclusões antecedentes, que a decisão recorrida enferma dos vícios de violação de lei (violação das disposições legais que, de acordo com a posição que aqui se sustenta, foram erradamente interpretadas e aplicadas pelo CSM) e de vícios de erro manifesto nos pressupostos de facto, na medida em que procede a errada valoração dos factos integrantes da previsão das disposições legais acima citadas.

2.

Cumprido o disposto no artigo 174.º do EMJ, o CSM apresentou resposta, na qual concluiu: «I. O dever de reserva obsta a que os magistrados judiciais profiram, em público, declarações ou comentários sobre quaisquer processos; «II. Com isso pretende-se garantir a imagem de imparcialidade que é exigível aos magistrados judiciais; «III. É indiferente que tais declarações ou comentários tenham como destinatários as partes no processo ou terceiros; «Iv. A Recorrente produziu, em público, juízos valorativos sobre o objeto de um processo que estava a julgar e sobre a atuação das partes no litígio que dele era objeto, deixando assim que as destinatárias percebem (sic) o sentido em que iria decidir; «V. Atuou desse modo por não ter suficientemente interiorizado o conteúdo do dever de reserva; «VI. Tudo isso conforma, portanto, a prática da infração disciplinar por que foi condenada, a título de negligência.

VII. E assim sendo, a deliberação recorrida não enferma dos...

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