Acórdão nº 1786/12.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução08 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e mulher, BB, propuseram a presente ação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra o “Banco CC, SA”, pedindo que, na sua procedência, se declare que as cláusulas, referidas em 37°, 38°, 47°, 49° e 50° da petição inicial, são proibidas, abusivas e nulas, condenando-se o réu a restituir aos autores todas as quantias que, por força dos agravamentos verificados, já debitou na sua conta de depósitos, no montante global de 3.578, 28 euros, e a abster-se de aplicar novos agravamentos, à taxa de juro contratual, que tenham como efeito elevar a prestação mensal para um valor superior ao inicial (435,18 euros) [a], se declare que as quantias debitadas, a título de "comissão de liquidação de prestações" e do correspondente imposto de selo, não eram devidas, condenando-se o réu a restituir aos autores o valor global de 119,00 euros, e todas aquelas que vier a debitar, até ao trânsito em julgado [b], subsidiariamente, ao pedido formulado em [a], e, cumulativamente, com o formulado em [b], se declararem nulas e de nenhum efeito as cláusulas, referidas em 37°, 38°, 47°, 49° e 50° da petição inicial, com base no artigo 280°, nº 1, do CC, condenando-se o réu a restituir aos autores as quantias indicadas em [a] e a abster-se de aplicar novos agravamentos à taxa de juro contratual que tenham como efeito elevar a prestação mensal para um valor superior ao inicial (435,18 euros) [c], ainda, subsidiariamente, aos pedidos formulados, em [a] e [c], e, cumulativamente, com o formulado em [b], se condene o réu a restituir aos autores as quantias que recebeu a mais pelo arredondamento para o oitavo, por excesso, em vez do arredondamento à décima, nos aumentos da prestação de juros, procedendo ao recálculo das prestações, até Janeiro de 2007 [d]; e, na procedência de qualquer dos pedidos, que o réu seja condenado a pagar juros de mora, à taxa legal, a contar das datas em que as quantias foram debitadas na conta dos autores [e], alegando, para o efeito, em síntese, que celebraram com o réu um contrato de mútuo com hipoteca, tendo este, tanto nas negociações iniciais como na formação do contrato, violado os deveres de proceder de boa fé e com lealdade, tendo vindo a aplicar ao contrato cláusulas gerais, abstratas e nulas, e outras que não foram comunicadas aos autores, causando-lhes prejuízos.

Na contestação, a ré alega, em síntese, que foram sempre cumpridos pelo banco todas os deveres de informação e comunicação, no estrito cumprimento de todas as regras da boa prática bancária, tendo os autores sido, devidamente, esclarecidos sobre o significado e alcance, em todas as suas dimensões, das variáveis que contribuíam para os encargos financeiros da amortização do empréstimo, ou seja, taxa de juro base (parte variável da taxa), indexada à Euribor de referência, spread (parte fixa da taxa), taxa de juro nominal inicial (soma da parte variável da taxa em vigor, à data da contratação do empréstimo, com a parte fixa da mesma taxa) e taxa anual efetiva, sendo certo, outrossim, que tiveram acesso a todas as cláusulas integrantes do contrato de mútuo com hipoteca, e, também, aquelas que constam do documento complementar, que é parte integrante desse mesmo contrato, concluindo pela improcedência da acção.

A sentença julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.

Desta decisão, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Deste acórdão da Relação de Lisboa, os autores interpuseram agora recurso de revista excecional, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido de que devem declarar-se verificadas as nulidades, aludidas na conclusão 13., para que a Relação conheça das questões cujo conhecimento omitiu, julgando procedentes os pedidos [a], revogar-se o acórdão, na parte em que confirmou o despacho de folhas 125 a 127 e ordenar-se a realização de novo julgamento, tendo por objeto os factos não seleccionados [b], anular-se o acórdão, na parte relativa à decisão da matéria de facto, e ordenar-se que a Relação fundamente a decisão, de acordo com as exigências legais [c], declararem-se as cláusulas impugnadas como excluídas do contrato ou proibidas, abusivas e nulas, ou, apenas, nulas [d] e, em consequência, condenar-se o réu nos pedidos formulados, nas alíneas A), B), C) e E) da petição inicial [e] e, no caso de se considerar que não houve omissão de pronúncia em relação à segunda causa de pedir que serve de fundamento ao pedido formulada na alínea A), declarar-se que houve erro de julgamento e condenar-se o recorrido nesse pedido [f] e, subsidiariamente, condenar-se o réu no pedido formulado na alínea D), sempre em cumulação com o da alínea E) da mesma petição [g], deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: 1ª - Ao não conhecer do pedido formulado na al. A) da petição, com base na causa de pedir consubstanciada na não comunicação aos autores dos elementos utilizados na determinação dos novos valores resultantes dos agravamentos da prestação mensal, antes do respectivo débito, do pedido principal da al. B) e do pedido subsidiário formulado na al. D), todos em cumulação com o pedido da al. E), o acórdão recorrido desobedeceu ao disposto no artº. 608, nº 2, pelo que cometeu três nulidades previstas no artº. 615º, nº1, al. d), ambos do CPC.

  1. - No caso de se entender que, pelo facto de o acórdão referir que a segunda causa de pedir que serve de fundamento ao pedido formulado na al. A) do petitório é um argumento utilizado pelos autores, não há omissão de pronúncia, deve conhecer-se do pedido com este fundamento, uma vez que, tratando-se de factos relevantes no quadro do litígio, há erro de julgamento, sob pena de se considerarem violados os artºs. 227º, 236º a 239º, 428º, 485º, nº 2, e 762º, nº2, todos do CC, e 2º, al. a), 4º, nº 1, e 5º, nºs. 1 e 5, todos do Dec.-Lei nº. 220/94, de 23 de Agosto.

  2. - Os factos articulados nos pontos 8º e 77º, 9º, 21º, 26º a 29º, 52º, 53º e 64º a 70º da petição inicial são relevantes para a boa decisão da causa, como ficou demonstrado nas alegações, devendo, por isso, ser incluídos na BI, apesar de alguns deles poderem ser considerados instrumentais, pelo que, ao confirmar o despacho recorrido e negar provimento ao recurso, o acórdão recorrido violou o artº. 511º, nº 1, do CPC anterior.

  3. - Ao apreciar a apelação na parte relativa à impugnação da decisão da matéria de facto, a Relação devia ter procedido a um novo julgamento, efectuando a análise crítica da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas, de modo a formar a sua própria convicção, e ter em conta os argumentos e razões aduzidos pelos apelantes no esforço que desenvolveram no sentido de demonstrarem que a decisão impugnada não estava correcta.

  4. - Tendo aderido acriticamente à decisão da 1ª instância, fazendo seus os fundamentos da mesma sem procurar averiguar se os mesmos eram consistentes, abstendo-se de proceder a um novo julgamento e de formar a sua própria convicção, olvidando o dever de desenvolver esforços no sentido de convencer os recorrentes de que a sua decisão estava correcta, a Relação não cumpriu os deveres que lhe eram impostos pelos artºs. 205º, nº 1, da Const, 6º, § 1°, da CEDH, 154º, 607º, nºs 3 e 4, e 663º, nº. 2, todos do CPC, pelo que o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no artº. 615º, nº 1, al. b), do mesmo Código.

  5. - A resposta à pergunta que se fazia no ponto 1.1º. da Base Instrutória não dependia de prova, por envolver matéria de direito, já que se trata de interpretar o negócio jurídico, pelo que a mesma deve ter-se por não escrita e interpretar-se a cláusula em causa, constante da al. CC) dos Factos Assentes, no sentido de a alteração da taxa de juro resultante da revisão semestral também só se tornar efectiva decorridos 30 dias após a sua comunicação, por escrito, aos mutuários (artºs. 646º., nº. 4, do CPC então em vigor, e 236º, nº. 1, do CC.

  6. - O texto que deu origem às cláusulas 13. e 23., transcritas no ponto 2.4 das alegações, estava expresso numa nota de fim de página e em letra miudinha, na proposta de crédito, em local dissimulado, constituindo uma proposta de cláusulas-surpresa, pelo que os recorrentes não se aperceberam do mesmo, nem dele se aperceberia qualquer proponente mediano, pelo que tais cláusulas devem ser declaradas abusivas, nulas e excluídas do contrato (art 8º., al. c), da LCCG).

  7. - No mútuo com hipoteca dos autos, o recorrido sempre ocupou uma posição dominante, o que lhe possibilitou a imposição aos autores de cláusulas com conteúdos desequilibrados, que estes tiveram que aceitar, não tendo o recorrido provado, como devia, que as mesmas lhes tivessem sido comunicadas com a necessária antecipação e de modo adequado, lidas e explicadas, por forma a eles ficarem inteiramente informados dos seus elementos essenciais (art9s. 59., nº. 2, e 8º., als. a) e b), da LCCG).

  8. - Sem conhecerem o mercado de capitais e sem dominarem minimamente a técnica, a nomenclatura e a gestão próprias das operações bancárias e sendo o recorrido económica e financeiramente forte, com técnicos muito bem preparados e altamente especializados, os autores eram a parte débil na preparação de toda a relação contratual que entre ambos veio a formar-se.

  9. - É que do lado do réu encontrava-se uma entidade especializada, conhecedora da matéria, com uma experiência diversificada, pelo acompanhamento de inúmeras situações similares, que exercia a sua actividade apoiada num quadro de funcionários intensamente treinados nas melhores técnicas e práticas operacionais, como era a funcionária que atendeu os mutuários e conduziu todo o processo de empréstimo.

  10. - Sendo a parte mais débil na relação contratual e não tendo o réu alegado e provado que houvesse uma fase negociatória adequada e que os autores se encontrassem em condições de poderem influenciar e modificar as cláusulas por...

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