Acórdão nº 126/15.6YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução25 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes na Secção de Contencioso: I.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses interpôs recurso contencioso da deliberação adoptada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura em 6 de Outubro de 2015, por intermédio da qual se decidiu que, no decurso do corrente ano judicial, os Ex.mos. Srs. Juízes Desembargadores Presidentes das Secções Criminais dos Tribunais da Relação passariam a integrar a distribuição dos recursos penais numa percentagem a determinar pelos Exmos. Srs. Juízes Presidentes desses Tribunais.

Após invocar a sua legitimidade activa, sustentou, em súmula, que aquela deliberação padece do vício de violação de lei, já que as atribuições e competências cometidas aos Juízes Desembargadores que desempenham essas funções estavam exclusiva e expressamente previstas na lei, não tendo o Conselho Superior da Magistratura competência para lhes atribuir outras. Acresce ainda que existem dissemelhanças entre o modo como é preparado e efectuado o julgamento dos recursos em processo-crime e em processo civil, inexistindo, pois, o paralelismo que, nos termos dos fundamentos da deliberação, a justificaria, sendo que a sua subsistência levará a que o Juiz Desembargador Presidente da Secção deixe de poder intervir nos processos nessa qualidade, assim se diminuindo o número legal de juízes que devem julgar um recurso em processo-crime.

O Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta em que, em resumo, sustentou que à deliberação impugnada subjazem interesses relacionados com as carências de Juízes Desembargadores, excepcionando a inadmissibilidade da sua impugnação (por a mesma não corporizar um acto administrativo mas antes um regulamento organizatório de eficácia interna e insusceptível de impugnação contenciosa ou, pelo menos, um acto administrativo geral cuja natureza interna arreda a sua sindicabilidade) e a ilegitimidade activa da recorrente (por não estar em causa um interesse colectivo mas um interesse individual partilhável apenas por 9 Juízes Desembargadores, não se divisando que a impetrante litigue em representação dos mesmos).

Para concluir que o recurso não merece provimento, aduz ainda que a competência gestionária que legalmente lhe é conferida abrange aspectos de cariz organizatório (como aqueles que são veiculados pela deliberação recorrida) e que, por via da deliberação impugnada, não atribuiu àqueles Juízes Desembargadores novas funções, reafirmando a identidade de soluções para a distribuição de recursos em processo-crime e em processo civil.

Notificada da resposta, a recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: (i) O R. não detém competência para determinar novas atribuições dos presidentes das secções criminais, para além daquelas que decorrem directamente da lei ou que nela encontrem correspondência, motivo pelo qual a douta deliberação impugnada é ilegal e, como tal, anulável, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA; (ii) O julgamento, nas secções cíveis, é efectuado por três juízes, cabendo a um juiz as funções de relator e aos outros juízes as funções de adjuntos, enquanto que nas secções criminais, o julgamento não obstante ser realizado também por três juízes (artigo 12º, nº4, do CPP), cabe a um juiz as funções de relator, a outro as de adjunto, sendo o terceiro juiz o presidente da secção, pelo que por esta via se vê que não é possível a distribuição de recursos penais, nos mesmos termos que estão definidos para as secções cíveis; (iii) Na verdade, a intervenção do presidente da secção criminal no julgamento do recurso é vista de forma diversa da intervenção do presidente da secção cível e que, muito embora se preceitue que ambos dirigem a discussão (cf. artigos 419º do CPP e 659º, nº 3, do CPC), não se vislumbra uma direcção nos mesmos termos, em processo penal e em processo civil, o que nos leva a rematar que não existem semelhanças entre o processo civil e o processo penal que sustente a distribuição de recursos aos presidentes das secções criminais; (iv) Assim, é ponto assente que, fora dos casos de decisões singulares do relator, a secção criminal da Relação julga sempre com uma composição de três juízes (artigo 12º, nº4, do CPP), que integra sempre o presidente da secção, ainda que nos julgamentos em conferência se dispense a assinatura dos acórdãos pelo presidente caso se forme maioria com os votos do relator e do adjunto, pelo que caso o presidente da secção passe a ser relator de acórdãos (como parece evidenciar a douta deliberação impugnada), não poderá intervir no processo, simultaneamente, como presidente, o que significaria uma conferência composta por dois juízes e não três. tal como é exigido pelo artigo 56º, nº 1, da LOSJ, e pelo artigo 12º, nº 4, do CPP; (v) Nesta senda, a adoptar-se o sentido decisório da douta deliberação impugnada, verificamos que os acórdãos que sejam proferidos na sequência de distribuição ao presidente da secção criminal dos Tribunais de Relação, enfermaram de manifesta nulidade insanável, prevista no artigo 119º, alínea a), do CPP, o que, como se sabe, afectará a validade do acórdão proferido, razão pelo qual a douta deliberação impugnada ao determinar a distribuição de recursos aos presidentes das secções criminais padece de manifesto vício de violação de lei, por desrespeito do disposto nos artigo 56º, nº 1, da LOSJ, e 12º, nº 4, do CPP, motivo pelo qual é ilegal e, na sequência, anulável, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA.

Termos em que o Recurso deve ser julgado procedente Também o Conselho Superior da Magistratura apresentou alegações que finalizou nos seguintes termos: “1. O comando deliberativo do CSM não tem a natureza de ato administrativo, pois os actos administrativos estão definidos como “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta” (artigo 148º do CPA).

  1. Antes se reconduz, face ao seu conteúdo genérico e abstracto, a um regulamento - um regulamento sobre a organização, em concreto sobre o funcionamento, das secções criminais dos Tribunais de Relação. 3. Comando que não perde a sua natureza normativa por ter uma vigência temporária – ano judicial em curso - aplicando-se a todos os desembargadores que, nesse período, possam assumir a presidência das secções criminais dos Tribunais de Relação, independentemente da sua identidade.

  2. Qualificando-se como um regulamento organizatório, tipicamente um regulamento interno, é insusceptível de controlo contencioso.

  3. Asserção aplicável à situação em causa, porque esse concreto segmento da distribuição de serviço, de índole meramente organizatório ou de funcionamento é estranha à “relação fundamental” identitariamente estabelecida pelo Estado para com todos os juízes desembargadores em exercício nos Tribunais de Relação, numa mesma categoria e num mesmo estatuto, à margem da singular função que alguns assumam, como é o caso do ingresso dos presidentes das secções criminais na distribuição de recursos penais.

  4. Se vier a considerar-se que esse comando não tem a natureza de regulamento, mas de ato administrativo – geral – ele enforma um ato administrativo interno, cujos efeitos jurídicos se produzem no interior do órgão que os praticou, também inimpugnável contenciosamente.

  5. Embora a ASJP evoque a sua legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos dos Juízes, a sua intervenção recursiva não tem esse alcance, pois um direito ou interesse é colectivo quando pertence a todo o colectivo de associados representados pelo sindicato.

  6. Não estando em causa um interesse colectivo dos Juízes – a matéria objecto da deliberação atinge apenas nove desembargadores - estará a assumir a titularidade dos interesses directos e imediatos dos juízes visados.

  7. Porém, não avoca a sua representação e substituição, não os identifica como seus associados nem alega estar munida da necessária autorização, assim denotando não estar em causa o direito de acção em representação ou em substituição de associados que a autorizem.

  8. Embora a legitimidade para a impugnação de normas – trata-se aqui da impugnação de um regulamento - pertença a qualquer pessoa que alegue ser prejudicada pela aplicação da norma, a questão da legitimidade activa para o recurso é aferida pelo disposto nos n.

    os 1 e 2 do artigo 73º CPTA, ex vi artigo 178º do EMJ e, por essa via, também a ASJP carece de legitimidade.

  9. A incompetência do CSM para deliberar sobre matéria de distribuição de recursos penais aos juízes presidentes de secção criminal não tem qualquer sustentáculo legal e, a vingar essa tese, retirar-se-ia ao CSM a competência para convocar regras de carácter puramente organizatório.

  10. Pretender que ao CSM esteja vedado definir, por razões gestionárias, os desembargadores que relatam ou não processos, corresponde ao esvaziar de conteúdo o papel mais relevante que o EMJ atribui ao CSM – a gestão da magistratura judicial, no seu funcionamento e organização.

  11. Aliás, o argumento da ASJP encontra-se viciado, porque a deliberação não confere novas atribuições aos presidentes de secção criminal dos Tribunais de Relação - é no relato de acórdãos que reside a essência da função do desembargador.

  12. Enjeita-se ainda o vício de violação de lei, porque a paridade de regimes adjectivos não sustenta o alcance interpretativo da ASJP, que defende a distribuição de recursos para os presidentes das secções cíveis dos Tribunais de Relação e a não distribuição de recursos aos presidentes das secções criminais dos mesmos tribunais.

  13. É o próprio artigo 78º da LOSJ que, por referência ao artigo 65º, enuncia a competência dos presidentes de secção dos Tribunais de Relação, indiferenciada e conjuntamente, quanto aos presidentes de qualquer secção, cível, criminal ou social.

  14. Prevendo o legislador as situações de isenção ou redução de distribuição por via do exercício de cargos dessa ou de idêntica natureza, o seu silêncio sobre a...

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