Acórdão nº 1882/04.2TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução06 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 1882/04.2TBLLE.E1.S1[1] (Rel. 261) Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça / 1 - “AA, S. A.” instaurou, em 18.11.2004, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., ação declarativa, com processo comum, (então) sob a forma ordinária, contra “BB, S. A.

” (que, anteriormente, se denominava “BB, S. A.”), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia, já liquidada, de € 36 736 006,99 (trinta e seis milhões setecentos e trinta e seis mil seis euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 12% ao ano, desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia que se vier a liquidar devida por violação da obrigação negativa que impendia sobre a R., nos termos do nº 5 do documento complementar da escritura pública de 21.12.84, relativa à não construção ou consentimento para que outrem construa hotel, motel ou outra instalação hoteleira ou qualquer construção similar por um período de três anos contados do acabamento do hotel a ser construído no terreno deste e, por último, a cumprir pontualmente as obrigações contratuais derivadas da aludida escritura e do respetivo documento complementar que dela faz parte integrante, em matéria de condições e preços de golfe ou, se tal não ocorrer, a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória de € 5 000,00 (cinco mil euros) por dia, a título de violação futura dos direitos de golfe, sendo metade para a A. e metade para o Estado.

Fundamentou, em síntese, a sua pretensão no facto de ter adquirido, por compra, à R., através de escritura pública outorgada em 21.12.84, o lote de terreno que identificou, destinado a construção urbana (hotel), com a área de 32 400 metros quadrados, a destacar do prédio rústico que, igualmente, descreveu, sito na freguesia de ..., contrato esse de compra e venda que implicou a constituição de uma associação duradoura entre as partes para a prossecução dos seus objetivos e através do qual a R. assumiu, além do mais, as seguintes obrigações: a) conferir determinadas facilidades à A., aos seus empregados, convidados e hóspedes do hotel, no que concerne aos campos de golfe existentes e a construir na Urbanização BB; b) não aumentar ou modificar a densidade de construção ou de ocupação na referida Urbanização; e c) não fazer determinadas construções, nem consentir que outrem as realizasse durante certo período de tempo e, a partir daí, a conferir à A. um direito de preferência na construção.

Mais alegou que a R. tem vindo a violar as aludidas obrigações, já que, no que concerne aos direitos de golfe, tem praticado, com outros empreendimentos turísticos, taxas de utilização dos campos mais baixas do que as consigo praticadas, o que lhe confere o direito de receber, a título indemnizatório, a diferença entre os preços por si pagos e os que seriam devidos, sem prejuízo do direito de exigir o cumprimento, para o futuro, das obrigações assumidas, tanto mais que este incumprimento teve reflexos negativos na taxa de ocupação do Hotel BB, causando-lhe uma diminuição de 35% das vendas; e, no que concerne à obrigação de não consentir a construção de qualquer outro hotel ou empreendimento similar até ao final do prazo de três anos contratualmente ajustado, a R. vendeu a terceiros lotes com esse fim, ao que acresce a circunstância de, depois de decorrido esse prazo, também não a ter notificado para exercer o seu direito de preferência relativamente à construção e exploração do empreendimento denominado “CC”, causando-lhe, assim, um dano, na modalidade de lucro cessante, que deve ser reparado.

Regular e pessoalmente citada, deduziu a R. contestação na qual se defendeu por exceção e por impugnação, contraditando, em geral, a factualidade alegada pela A. e sustentando que inexistiu qualquer incumprimento contratual da sua parte.

Estribou-se, para tanto e por um lado, na circunstância de as condições de utilização dos campos de golfe sempre terem sido negociadas entre as partes, à margem do contrato de 1984, através de acordos que se substituíram e revogaram sucessivamente (sendo, portanto, irrelevante a invocada concessão a terceiros de condições mais favoráveis) e, por outro, no facto de a A. sempre ter sido conhecedora de todas as construções efetuadas na BB, sem que nunca se tivesse referido a qualquer incumprimento e sem que estivesse interessada no desenvolvimento de quaisquer outros projetos para além do hotel.

Rematou dizendo que estão, para além disso, por demonstrar os hipotéticos prejuízos invocados, os quais, de resto, não são ressarcíveis com base no contrato invocado, já que as cláusulas aí insertas não vinculam as partes – quer porque são originariamente inválidas, quer porque já cessaram todos os seus efeitos, quer ainda porque, no limite, a A. não pode delas fazer uso, sob pena de manifesto abuso de direito – sendo que, ainda que assim não se entendesse, as consequências da alegada violação contratual também não poderiam coincidir com a procedência das pretensões deduzidas.

Pediu, para além disso, a intervenção principal provocada da “Sociedade de Golfe da BB, S. A.

”, com base na alegada circunstância de ser esta quem, atualmente, explora os campos de golfe da BB e quem procede à comercialização dos direitos de golfe àqueles respeitantes.

Concluiu, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido, com uma série de consequências que elencou (que, porém, vieram a ser desconsideradas por não ter sido deduzido pedido reconvencional), bem como a condenação da A., como litigante de má fé, em multa e em indemnização.

Notificada da contestação, replicou a A., pugnando pela improcedência das arguidas exceções, pelo indeferimento do pedido de intervenção principal provocada e pela procedência da ação pelos fundamentos já expendidos em sede de petição inicial (p. i.), sustentando, ainda, que quem litiga de má fé é a R., devendo como tal ser condenada.

A R. apresentou articulado de resposta, no qual defendeu ser inadmissível a réplica e se pronunciou sobre a invocada litigância de má fé.

A requerida intervenção principal provocada foi indeferida e foi proferido despacho saneador tabelar ao qual se seguiu a condensação – com a seleção da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória –, que foi objeto de reclamações, parcialmente, deferidas.

Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, após o que foi proferida resposta à matéria de facto, que foi alvo de reclamações sobre as quais recaiu decisão.

As partes apresentaram alegações de direito, tendo, a final, sido proferida (em 15.01.14) sentença na qual se julgou a ação parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. no pagamento à A. da quantia de € 772 926,00 (setecentos e setenta e dois mil novecentos e vinte e seis euros), a título de indemnização pelo incumprimento da cláusula 3 do documento complementar, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, tendo, no mais, a R. sido absolvida do pedido.

Inconformadas, apelaram ambas as partes, de facto e de direito, para o Tribunal da Relação, tendo, ainda, a R. ampliado, em sede de contra-alegações, o objeto do seu recurso e requerido a subida, conjunta com a apelação, do agravo por si interposto do despacho que decidiu não ter sido deduzido qualquer pedido reconvencional.

Por acórdão proferido em 10.09.15, a Relação de ... julgou improcedentes a apelação e o agravo interpostos pela R.

e, parcialmente, procedente a apelação interposta pela A.

e, em consequência, revogou, parcialmente, a sentença recorrida, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 8 007 895, 71 (oito milhões sete mil oitocentos e noventa e cinco euros e setenta e um cêntimos) – ou seja, € 973 175,71 (golfe) + € 7 034 720,00 (direito de preferência) –, acrescida de juros de mora comerciais, à taxa legal, vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

Daí a presente revista interposta pela R.

, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme extensíssimas alegações culminadas com a formulação das seguintes e também dilatadas conclusões que, não obstante, se transcrevem: 1. INTROITO – ENQUADRAMENTO DO RECURSO [capítulo 1, pág. 4ss] 1.1. DESCRIÇÃO DO OBJECTO DO LITÍGIO [capítulo 1.1, pág. 4ss] A.

A Autora AA, 19 anos e 11 meses depois de ter assinado um documento complementar aposto a uma escritura pública de compra e venda de um lote de terreno outorgada em dezembro de 1984, assinado entre a Ré BB (ora Recorrente) e a AA (ora Recorrida), veio intentar a presente ação contra a Ré BB em 2004, pedindo o montante astronómico de EUR 36 milhões, acrescido de juros, alegando a violação de 2 cláusulas de tal documento complementar - a cláusula 5ª (adiante designada para facilidade de referência, como cláusula de construção) e a cláusula 3ª (adiante designada para facilidade de referência, como cláusula do golfe) [§ 2 - 6]; B.

O tribunal de 1ª instância analisou corretamente a prova produzida, mormente a atuação das partes ao longo dos anos, ao abrigo dos princípios de boa-fé, e absolveu a Ré BB do pedido relacionado com a alegada violação da cláusula 5ª (considerando existir um abuso de direito na atuação da AA), e sobre a cláusula 3ª apenas condenado a Ré em 2,3% do pedido inicial. [§ 7ss]; C.

O Tribunal da Relação de ... (adiante TR...) veio fazer tábua rasa de toda a prova produzida nos autos (e cujas audiências foram cerca de 75) e revogou a decisão de 1ª instância, condenando a Ré BB no montante astronómico de € 7.034.720,00 (pela alegada violação da cláusula 5ª), bem como a condenação da Ré BB no montante de € 973.175,71, da qual a Ré apenas tinha sido condenada em 1ª instância no montante de € 772.926,00 (pela alegada violação da cláusula 3ª), ambos os montantes acrescidos de “juros de mora comerciais à taxa legal, vencidos desde a data da citação até integral cumprimento” [§ 8ss] (Veja-se que a condenação do montante de capital, que ascende ao total de EUR 8.007.895,71, tem idêntico valor de juros à data de hoje, no...

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