Acórdão nº 2900/08.0TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução08 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, instaurou, em 29 de maio de 2002, no então 4.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, contra EE, advogado, ação declarativa, sob a forma de processo especial, pedindo que o Réu fosse obrigado a prestar-lhe contas e condenado a pagar-lhes o saldo que eventualmente vier a ser apurado.

Para tanto, alegaram, em síntese, que o R., no exercício da sua atividade profissional, assessorou o procurador dos AA., primitivamente constituído, nas negociações com vista à venda de um seu prédio urbano, e em quem substabeleceu, não lhes entregando os valores recebidos, nem justificando os encargos suportados.

Contestou o R. por exceção e por impugnação, alegando fundamentalmente ter agido como advogado dos AA., e concluiu pela improcedência da ação.

Responderam os AA., pronunciando-se pela improcedência da matéria de exceção.

Por sentença de 6 de setembro de 2004, foi declarado estar o R. obrigado a prestar contas aos AA.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de maio de 2006, tal sentença foi revogada, sendo o R. absolvido do pedido e os AA. e R. condenados como litigantes de má fé.

Na sequência de recurso interposto por ambas as partes, e por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de março de 2007, aquele acórdão foi anulado, a fim de ser ampliada e, posteriormente, apreciada e valorada a matéria de facto, nos termos referidos no acórdão.

Organizada a base instrutória e habilitados os herdeiros do R., entretanto falecido, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, em 31 de julho de 2014, foi proferida sentença, absolvendo o R. do pedido e condenando os AA. e o R., respetivamente, na multa de 10 UC e 5 UC, como litigantes de má fé.

Por efeito do recurso interposto pelos AA., o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de dezembro de 2015 confirmou essa sentença, exceto quanto à condenação dos AA. como litigantes de má fé, absolvendo-os.

Inconformados, os Autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:

  1. O acórdão do Supremo definiu o regime jurídico aplicável.

  2. No acórdão recorrido não foram objeto de decisão duas questões suscitadas nas conclusões recursivas, o mandato sem representação implícito e consentimento tácito e, bem assim, o abuso do direito, verificando-se a nulidade, por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), ex vi do art. 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC).

  3. Mostra-se contraditório dar-se como provado o que consta na alínea L) do provado e na alínea P), pois, se tais dívidas não fossem pagas, então resulta que o interesse de FF pertencia aos AA. e não ao procurador.

  4. É contraditória a matéria provada na alínea O), quando resulta dos factos descritos em L), F) e I), em conexão com a prova documental, que sacou outros cheques em pagamentos a credores hipotecários e aos inquilinos.

  5. Deve ser ampliada a matéria de facto de modo a aditar-se a factualidade de que não foram pagas as dívidas a dois credores dos Recorrentes e respetivos montantes, atenta a relevância para a demonstração da não verificação da condição suspensiva aposta no contrato-promessa.

  6. Deve ampliar-se a matéria de facto da alínea B), de modo a reproduzir a totalidade do teor da procuração de fls. 124 a 127.

  7. Com a outorga da procuração, estabeleceu-se um mandato com representação entre os Recorrentes e o procurador.

  8. A condição suspensiva do contrato-promessa não foi cumprida, ficando por pagar duas dívidas relacionadas com o imóvel a dois credores, que executaram os Recorrentes.

  9. Por isso, o contrato-promessa não produziu efeitos (art. 270.º do CC).

  10. Logo, o procurador, ao mandatar o R. para a gestão, fê-lo na qualidade de procurador dos Recorrentes.

  11. A relação estabelecida entre o procurador dos Recorrentes e o R. sempre configuraria um mandato sem representação implícito e um consentimento tácito.

  12. O mandato coloca o mandatário na posição de administrador de bens alheios e na obrigação de prestar contas – arts. 1157.º e 1161.º, alínea d), do CC.

  13. A invocada tese da falta de interesse dos Recorrentes no prédio deve ser declarada ilegítima por força do princípio do abuso do direito, consagrado no art. 334.º do CC.

  14. Foram violados, por erro de interpretação e/ou aplicação, o disposto conjugadamente nos arts. 1157.º, 1161, alínea d), 1165.º, 1178.º, n.º 1, 1180.º, 270.º, 217.º, n.º 1, 334.º, todos do CC, 615.º, n.º 1, alínea d), e 941.º do CPC.

Com o provimento do recurso, os Recorrentes pretendem a revogação do acórdão recorrido, com as legais consequências.

Contra-alegou o R., no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de abril de 2016, concluiu-se não se verificar a arguida nulidade do acórdão.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, para além da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, está em discussão, essencialmente, a contradição na matéria de facto, a sua ampliação e ainda a relação de mandato e os seus efeitos, em particular na prestação de contas.

II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.

Foram os AA. comproprietários entre si do prédio urbano sito na Avenida Almirante Reis n.º …, em Lisboa.

2.

Por procuração irrevogável, passada em 23/09/1988, os AA. constituíram seu procurador FF, conferindo-lhe poderes para prometer vender, no todo ou em parte, o prédio identificado, podendo negociar consigo mesmo “usando em seu benefício os poderes conferidos, pelo que esta procuração é irrevogável (…)”, dar ordens de despejo e mover as respetivas ações em tribunal, podendo ainda “o referido procurador substabelecer os poderes conferidos, uma ou mais vezes, no todo ou em parte, e sempre que tenha de recorrer a juízo, substabelecer em advogado ou solicitador”. (B) 3.

O mencionado FF contratou o R., o qual no exercício da sua atividade profissional de advogado lhe prestou assistência e aconselhamento jurídicos, assessorando.

4.

Em 2/7/1990, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda do dito prédio, em que intervieram FF, como procurador dos AA., e a Associação para o Desenvolvimento do IST, como...

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