Acórdão nº 738/14.5T8PRD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 18 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA - Equipamentos de Diversão e Publicidade, Lda. (anteriormente denominada BB, Lda.) e CC instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum contra DD, pedindo que este fosse condenado a: a) - proceder ao pagamento aos Autores da quantia de 30.894,43 € (trinta mil oitocentos e noventa e quatro euros e quarenta e três cêntimos) a título de danos patrimoniais decorrentes do pagamento que os mesmos tiveram de assumir perante a “EE - Instituição de Crédito, S.A.” ; b) - pagar à Autora a quantia de 2.150,92 € (dois mil cento e cinquenta euros e noventa e dois cêntimos), referente ao reembolso das despesas discriminadas e cujo pagamento o Réu assumiu contratualmente mas não cumpriu; c) - pagar ao Autor CC os alegados danos de natureza não patrimonial, a liquidar em execução de sentença; tudo acrescido de juros de mora e demais despesas e encargos como é de Lei.”.
Alegaram, para além do mais, que, no dia 05/11/2009, a autora celebrou um contrato de ALD com a empresa EE, através do qual adquiriu o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, do modelo E 250 CDI e com a matrícula ...-II-..., sendo que, no decurso de tal contrato, a autora foi cumprindo com as suas obrigações contratuais; o veículo com a matrícula ...-II-... estava e sempre esteve afeto ao uso exclusivo do réu, que era o único sócio e gerente da autora; através de acordo celebrado, em 03.02.2012, entre o autor e o réu, este cedeu àquele as quotas que detinha no capital social da autora, tendo o réu renunciado à gerência da autora; por aplicação das diversas vertentes do acordo, o réu manteve o direito de continuar a usufruir do uso do veículo com a matrícula ...-II-..., o que continuou a fazer a título exclusivo, ficando responsável por todas as despesas inerentes à circulação do veículo com a matrícula ...-II-...; mas, quem continuou a proceder ao pagamento das rendas definidas no contrato de ALD atinente ao veículo com a matrícula ...-II-... foi a autora, pois ficou também acordado que, no final do contrato de ALD, o réu poderia optar por ficar com a propriedade deste veículo e reembolsar à autora o respectivo valor residual que esta iria pagar à empresa EE, ou por devolver o mesmo à autora; a partir de meados de 2012, o réu, por motivos profissionais, passou a deslocar-se por diversas vezes a Moçambique e a aí permanecer por longos períodos de tempo, pelo que decidiu, sem consultar os autores, ou sequer lhes dar conhecimento, confiar o veículo com a matrícula ...-II-... a FF, pessoa do seu círculo de amizades e que, de acordo com o afirmado pelo réu aos autores, deveria guardar o veículo numa garagem que alegadamente possuía; em Janeiro de 2013, chegou ao conhecimento dos autores que o veículo com a matrícula ...-II-... havia desaparecido do local onde alegadamente estava aparcado.
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Pessoal e regularmente citado, o réu contestou, pugnando pela improcedência da ação.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a presente ação parcialmente procedente, condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 1.013,20, acrescida dos respetivos juros de mora calculados às taxas legais e contados desde 21.12.2012 até efetivo e integral pagamento, absolvendo o réu do demais peticionado pelos autores.
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Inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que através do acórdão de fls. 280, julgou parcialmente procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, na parte em que absolveu o réu do pagamento da indemnização pelas despesas que os autores suportaram devido ao desaparecimento do veículo, condenou o mesmo a pagar aos autores a quantia de € 30.894,43, acrescida dos juros à taxa legal, desde a citação, mantendo em tudo o mais a sentença.
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Inconformado com esta decisão, dela recorreu o réu para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. Os AA. e ora recorridos intentaram no Tribunal de …, a ação donde, remotamente, emana a presente Revista, pedindo a condenação do ora Recorrente a pagar-lhes, designadamente, a quantia de € 30.894,43, alegando que tiveram de despender tal montante a favor da Locadora “EE”, como preço residual, no termo do contrato ALD, mercê do qual tal Locadora o “locara” à A.
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Quando da celebração de tal contrato, o R. era o único sócio e gerente da Sociedade Autora e, mercê de acordo com o Autor, cedeu a este, tais quotas, renunciando à gerência, mas ficando com direito ao uso exclusivo do veículo, objeto do ALD, enquanto a A. suportaria as devidas prestações de renda, cabendo, ainda, ao R., a final, optar por ficar com a propriedade de tal viatura, mediante o pagamento do seu valor residual, ou devolvê-la à Autora.
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A partir de 2012, o R. começou a ter diversas deslocações profissionais a Moçambique; 4. Durante o período de uma de tais ausências, em finais de 2012, o R. que havia confiado a guarda da versada viatura a um tal FF - que tinha uma oficina auto e era das suas relações de amizade - aquele foi informado, por este, de que aquela viatura havia desaparecido da sua oficina, juntamente com outras.
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O R. logo tentou desencadear o respetivo processo crime ao mesmo tempo que deu conhecimento aos AA., para os devidos efeitos, designadamente, para estes apresentarem uma queixa crime, para a qual ele Réu não tinha legitimidade.
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Chegado o momento de pagar o tal preço residual, a A. desembolsou a respetiva quantia, cujo reembolso pediu (além do mais) pela sobredita ação.
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Porém, o referido Tribunal absolveu-o de tal pedido.
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Inconformados, os AA. recorreram para a Relação, que proferiu o douto acórdão, ora em revista, mercê do qual foi o R., agora, condenado ao pagamento daquela quantia (acrescida de juros de mora) com fundamento em incumprimento contratual: por ter confiado a guarda de tal veículo ao dito FF/Oficina, sem conhecimento, ou consentimento dos AA., sabendo que, no final, o tinha de devolver, ou pagar o versado preço residual, para adquirir a propriedade do mesmo!...
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Ora, tendo o R. o direito ao gozo exclusivo de tal viatura, enquanto perdurasse o dito contrato ALD e, depois, o direito de optar na compra da mesma, pelo dito preço residual – tudo isto como decorrência da cedência onerosa das referidas quotas sociais – não tinha ele obrigação de obter prévia autorização dos AA., para confiar a guarda da dita viatura ao tal FF! 10. Além disso, ao fazê-lo desta última vez, - tal como nas anteriores - foi porque este era pessoa de sua confiança e amizade e tinha oficina auto, podendo assim, melhor que um “leigo na matéria”, manter tal veículo em boas condições (carregando a bateria, etc.): foi a melhor forma, que encontrou o R., de aquela viatura ficar bem guardada e zelada.
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A única anomalia, que o R. não podia prever, para evitar, - foi o furto daquela viatura (e outras), naquela oficina!...
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A confiança do veículo ao tal FF (Oficina), para guarda e conservação, sem prévia autorização (indevida) dos AA., não constitui causa adequada do prejuízo dos AA.: houve uma circunstância anómala (furto), não previsível, que impediu o R. de cumprir (devolvendo a viatura ou o valor residual desta)!...
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De resto, era aos AA. que cabia provar tal nexo de causalidade – o que não fizeram! 14. Desta feita, bem andou a 1ª Instância, ao absolver o R. do Pedido em causa.
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Tendo a Relação decidido em sentido contrário, condenando o R. a pagar aquela quantia, nos termos sobreditos, por considerar culposo o seu incumprimento, violou, designadamente, o disposto nos arts. 563 e 799 C. Civil, - de que fez incorreta interpretação–aplicação».
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão de 1ª instância.
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Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*** II. Delimitação do objecto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].
Assim, a esta luz, a única questão a decidir traduz-se em saber se o réu é responsável, perante o A., pelo desaparecimento do veículo Mercedes-Benz do modelo E 250 CDI e com a matrícula ...-II-....
*** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1º- No dia 05.11.2009, a A. celebrou um contrato de ALD, com o nº 4…7, com a empresa EE, através do qual alugou um veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo E 250 CDI, com a matrícula ...-II-....
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- No decurso do contrato, a A. foi cumprindo com as suas obrigações contratuais, nomeadamente através do pagamento pontual das rendas devidas nas datas contratualmente estipuladas.
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- O veículo supra identificado estava e sempre esteve afecto ao uso exclusivo, sem qualquer exceção, do R..
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- O R. foi sócio e gerente da A., sendo que, à data de 03.02.2012, detinha no capital social da A., que era no valor de € 5.000,00, duas quotas no valor de € 2.500,00 cada.
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- E, como tal, dispunha do uso do referido veículo, não apenas para uso profissional, mas também para seu uso pessoal.
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- Após negociações que tiveram lugar entre o A. e o R., ficou acordado entre ambos, através do escrito, datado de 03.02.2012, cuja cópia consta de fls. 24 e 25 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, que este cedia àquele as quotas que detinha no capital social da A. e renunciava à gerência da A..
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- Tal cedência...
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