Acórdão nº 134116/13.2YIPRT.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Data15 Fevereiro 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam da 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

A sociedade “AA - Produtos para a Agricultura, Lda” (A.), deduziu procedimento de injunção, em 25-09-2013, contra BB - Sociedade Unipessoal, Lda (R.) a pedir que esta lhe pagasse a quantia de € 43.570,61, acrescida de juros vencidos e vincendos, alegadamente correspondente ao valores em dívida na sequência de diversos contratos de compra e venda de produtos para a agricultura celebrados entre as partes.

  1. Deduzida oposição, foi realizada audiência prévia (fls. 236-238), no decurso da qual se procedeu à identificação do objeto do processo e a enunciação dos temas da prova, tal como consta do despacho de fls. 237. 3.

    Realizada a audiência final com gravação da prova, conforme o consignado nas atas de fls. 260-261, 298-305 e 320-321, foi proferida a sentença de fls. 322-332, datada de 17/06/2015, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 43.570,69, acrescida de juros de mora, desde a data da citação, às sucessivas taxas legais para juros comerciais.

  2. Inconformada com tal decisão, a R. apelou, em sede de impugnação de facto e de direito, para o Tribunal da Relação de … que, por unanimidade, confirmou inteiramente a sentença recorrida, conforme acórdão proferido a fls. 472-491, datado de 16/06/2016, tendo-se concluído que a impugnação de facto “improcedia”, porquanto a ali apelante não observara o ónus impugnativo prescrito no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, na medida em que se limitara a fazer uma mera transcrição integral dos depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas, mas sem especificar com exatidão quais as passagens concretas das respetivas gravações em que fundava o recurso.

  3. Novamente inconformada, a R. veio pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A recorrente deduziu recurso da sentença Tribunal de 1.

    a instância por não ter sido considerado como não provado o facto da A. e R. terem convencionado um desponto financeiro de 8% a deduzir do valor das faturas na altura do pagamento, tendo sido nesse sentido incorretamente valorada pelo tribunal de 1.

    a instancia a prova testemunhal carreada para os autos, requerendo por isso que seja alterada a factualidade dada como provada; 2.ª – O Tribunal “a quo”, veio manter a decisão da 1.ª instância, porquanto considera que no recurso com base de impugnação da matéria de facto, “se for possível ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (...) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (...)”; 3.ª - Tendo rejeitado o pedido de valoração da prova produzida em sede de 1.ª instância, por entender que não foram indicadas com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso - “A recorrente, se bem que se possa considerar ter, minimamente, cumprido o disposto nas alíneas a), b), e c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, não deu cumprimento, de todo ao estipulado na alínea a) do n.º 2 deste normativo, (...)”.

    4.ª - E face ao que entendeu o tribunal “a quo”, conforme transcrito em alegações, o acórdão recorrido rejeitou do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, que se discorda; 5.ª - A jurisprudência que se cita, entende que: “O legislador exige que o recorrente seja meticuloso, incisivo e concernido na forma como impugna a decisão de facto, impondo-lhe a especificação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes e existentes no processo, que impõem decisão factual diversa, exigindo, também, que o tribunal de recurso seja meticuloso e consciencioso no momento em que procede à reapreciação da prova”; 6.ª - À 2.

    a instância cabe proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.

    a instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina; 7.ª - Não podendo o julgamento a que o tribunal de recurso procede redundar num novo e total julgamento da causa, não deixa de ser menos verdade que, tal como o legislador entendeu dever regular o recurso da decisão de facto – v.g. artigos 690.º-A e 522.º-C, do CPC, na redação emergente do DL n.º 303/2007, de 24-08 –, não pode esse tribunal eximir-se à reapreciação da prova, escoltado e respaldado numa ausência de indicação expressa das passagens das gravações em que se encontrem registados os depoimentos que impõem decisão diversa; 8.ª - Sendo certo que a recorrente delimitou a matéria de facto que entende que deve impugnar, bem como veio referir quais os meios de prova que impunham outra decisão, neste caso com a indicação de algumas testemunhas, e os elementos do depoimento das testemunhas constantes em ata, bem como indicou as passagens da gravação, ainda que em alguns depoimentos sejam na sua globalidade, por os mesmos serem globalmente relevantes para a impugnação da matéria de facto em que o seu recurso se baseia, indicando também qual a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre os factos que impugnou, cumpriu os requisitos legal impostos pelo citado artigo.

    9.ª - Quanto à indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação, como a lei não diz, sendo esta omissão suscetível de criar dúvidas e interpretações diferentes, como na pratica é feita pelos recorrentes, tem entendido a jurisprudência, que esta não deve conter uma impugnação genérica dos factos, devendo o recorrente delimitar os pontos concretos e os concretos meios de prova.

    10.ª - No caso do recurso em causa, a recorrente delimitou a um facto, e a algumas das provas concretamente produzidas, pelo que o tribunal “a quo”, não iria com recurso em causa apreciar a totalidade da matéria facto, nem a totalidade dos meios de prova; 11.ª - Pelo que o tribunal "a quo", por a recorrente ter cumprido o seu dever face ao disposto legal, não podia deixar de conhecer o recurso por estarem cumpridos os requisitos legais para esse efeito, devendo reapreciada a prova e a matéria de facto, devendo a mesma ser alterada como provada; 12.ª - Face ao exposto, o Tribunal “a quo” julgou incorretamente, ao improceder o recurso de apelação, violando o disposto no artigo 640.º do CPC, o que culmina numa nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 201.º do CPC, que se invoca para todos os efeitos legais.

  4. Tal recurso foi rejeitado pela Relação, mas acabou por ser admitido em conformidade com a decisão de fls. 635-643, de 30/06/2017, proferida em sede de procedimento de reclamação. Cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto da revista Dado o teor das conclusões da Recorrente, o objeto da revista tem por objeto: i) – a alegada omissão de pronúncia; ii) – a invocada violação do disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, quanto ao decidido em sede de impugnação da decisão de facto, por se considerar verificada a falta de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos em que se fundavam os factos conducentes a um diverso juízo probatório da decisão ali recorrida.

    II – Fundamentação 1. Factualidade como provada pela 1.ª instância Vem dada como provada pela 1.ª instância a seguinte factualidade: 1.1.

    A A. é uma sociedade que se dedica à comercialização e fornecimento de produtos para a agricultura.

    1.2.

    No exercício da sua atividade a A., a pedido da R., forneceu à mesma os produtos constantes das faturas a seguir descriminadas, que os aceitou: - Fatura n.º 11P…27 com data de 31/03/2011 no montante de € 15.683,26; - Fatura n.º 11P…57 com data de 08/042011 no montante de € 3.508,58; - Fatura n.º 11P…00 com data de 13/04/2011 no montante de € 1.972,64; - Fatura n.º 11P…65 com data de 16/05/2011 no montante de € 12.557,36; - Fatura n. 11P…74 com data de 14/07/2011 no montante de € 9.346,19; - Fatura n.º 11P…47 com data de 10/0/2011 no montante de € 5.213,13; - Fatura n.º 11P…49 com data de 19/09/2011 no montante de € 159,00; 1.3.

    As quais totalizam o valor de € 48.440,16.

    1.4.

    Não foi convencionado qualquer acordo quanto ao vencimento, nem quanto ao prazo de pagamento dos fornecimentos feitos pela A. à R., sendo prática entre ambos que os pagamentos fossem efectuados através de entregas irregulares para abatimento na conta corrente, imputando-se os pagamentos às facturas mais antigas; 1.5.

    A R., através do cheque n.º CA8…57 entregou à A. a quantia de € 50.000,00, para abatimento na conta corrente, tendo esta imputado ao pagamento de diversas faturas do ano de 2010 e 2011 [Fatura n.ºs 10P…74, 10P…75, 10P…69, 10P…48, 11P…2, 11P..1, 11P …3, 11P…0, 11P…5 e 11P…27] tendo sido imputado o pagamento de € 3.205,77 à fatura n.º 11P…27 de 31/03/2011, referida no ponto anterior [Vide recibo de...

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