Acórdão nº 223/12.0TBGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2018

Data22 Fevereiro 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam da 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A) instauraram, em 14/02/2012, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC, alegando, em síntese, que: .

Os A.A. adquiriram a propriedade de um prédio urbano composto de rés-do-chão, 1.º andar e sótão, sito em Quintais …, da freguesia de …, inscrito na respetiva matriz sob o art. 529, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda e inscrito a seu favor sob o número de ficha 5…/19…3; .

O referido prédio foi cedido, em 1989, pelos pais do A. para construção de um edifício destinado a comércio, o qual veio a ser construído pelo A., a expensas suas, tendo ainda adquirido os bens que compõem o respetivo recheio; .

O A. está na posse do mesmo há mais de 30 anos, de forma pública, sem oposição de ninguém e agindo como seu proprietário; .

O edifício comporta um café e um mini-mercado, ambos explorados pelo A., ininterruptamente, durante 17 anos, tendo depois o café sido encerrado; .

Após ter encerrado o café e emigrado, o A. teve conhecimento que um terceiro, sem a sua autorização e contra a sua vontade, ocupou o imóvel, alegando que o entregaria logo que os A.A. regressassem a Portugal, o que não veio a ocorrer, permanecendo o terceiro com as chaves do imóvel.

Concluíram os A.A. a pedir: a) – o reconhecimento de que o A. é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do sobredito prédio; b) – o reconhecimento de que o A., mesmo que outro título não houvesse, adquiriu a propriedade do imóvel por usucapião e acessão industrial imobiliária no ano de 1989; c) – a condenação dos R.R. a entregar ao A., livre e devoluto, o referido imóvel com todos os seus componentes, no prazo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, pagarem aos A.A. € 15,00 por cada dia de atraso.

  1. Os R.R. apresentaram contestação-reconvenção, deduzindo ainda a intervenção principal de DD e cônjuge EE, alegando que: .

    O estabelecimento de que o A. marido se arroga proprietário foi construído pelos seus pais, DD e EE, e por estes sempre explorado, tendo sido eles a suportar todas as despesas inerentes à respetiva construção e funcionamento; .

    Até 2009, altura em que o imóvel em referência foi doado ao A. pelos pais, nunca aquele foi o proprietário desse imóvel, embora tenha chegado a explorar o café com expressa autorização dos seus pais, bem sabendo que não lhe pertencia; .

    Após o A. ter emigrado, a sua mãe celebrou com a R. mulher, em 13/03/2008, um contrato verbal de arrendamento que abrangia o imóvel em que se situava o café, tal como a exploração deste estabelecimento, sem qualquer prazo de duração, mediante o pagamento mensal da quantia de € 150,00; .

    Muito embora a R. tivesse insistido para que esse contrato fosse reduzido a escrito, a mãe do A. recusou-se a tal, invocando não ser necessário, por haver confiança entre ambas; .

    Na sequência do contrato celebrado, a R., à data desempregada, deixou de procurar emprego, tendo iniciado a exploração do café em março de 2008, à vista de todos e sem a oposição de ninguém; .

    Em outubro de 2011, a ASAE ordenou o encerramento do estabelecimento pelo facto de a R. não possuir alvará em seu nome, sendo que a mesma por diversas vezes tinha pedido à mãe do A. (e continuou a pedir) para passar o alvará para o seu nome, o que esta sempre atrasou e, mais tarde, negou, tendo o café, por tal razão, se mantido encerrado; .

    O estabelecimento comercial nunca foi cedido pelos progenitores do A. ao mesmo; .

    Desde janeiro de 2012, os AA. e a mãe do A. impediram a R. de aceder ao café, tendo colocado um cadeado de ferro no portão de acesso.

    .

    Agem assim os A.A. de má fé.

    Concluíram os R.R. pela improcedência da ação e pela procedência da pretensão reconvencional, pedindo que: a) – fosse declarado que os A.A. não adquiriram por usucapião, acessão industrial imobiliária ou por qualquer outra forma prédio acima identificado; b) – fosse declarado que os chamados DD e EE são os proprietários e os titulares do referido estabelecimento comercial “Café os Amigos”, com os fundamentos alegados pelos R.R.; c) – fosse declarado que, entre a R. CC e a chamada DD, foi efetuado, verbalmente, o contrato de arrendamento invocado, tendo por objeto o rés-do-chão do imóvel em referência e a exploração do estabelecimento comercial denominado o Café “FF”, mediante o pagamento da renda mensal de € 150,00 por mês, d) – fosse declarado que, apesar de tal contrato não ter sido reduzido a escrito, o mesmo é plenamente válido, por força do instituto do abuso de direito e nos termos e com os fundamentos, de facto e de direito, alegados; e) – fossem condenados os chamados DD e marido EE a efetuarem todas as diligências necessárias em ordem à alteração da titularidade a favor da R. CC, do Alvará nº 4…/88 emitido pela Câmara Municipal da Guarda em 14/11/1988; f) – fossem condenados os A.A. e os chamados a retirarem o cadeado que colocaram no portão de entrada do logradouro do prédio e estabelecimento comercial em causa, de forma a permitir a entrada e saída normal dos R.R. desse estabelecimento comercial; g) – fossem condenados os A.A. e os chamados a se absterem de praticar quaisquer atos ou factos que impeçam a livre e normal entrada e saída dos R.R. de e para o estabelecimento comercial denominado Café “FF”. 3.

    Os A.A. responderam a manter a posição sustentada na petição inicial e a pugnar pela inadmissibilidade da pretensão reconvencional, cuja matéria, em todo o caso, impugnaram.

  2. Admitido o incidente de intervenção dos chamados, foram estes citados, nada tendo vendo dizer.

  3. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador (fls. 112-133), no âmbito do qual foi fixado o valor da causa em € 47.490,00 e admitido o pedido reconvencional, procedendo-se à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória. 6.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 605-653, datada de 24/02/2015, a julgar a ação e a reconvenção parcialmente procedentes decidindo-se: A – Relativamente à ação, reconhecer que o A. é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio urbano ajuizado, mas absolvendo-se os R.R. do mais peticionado pelos A.A.; B – Quanto à reconvenção: a) - declarar que, entre a R. CC e a chamada DD, foi efetuado, verbalmente, um contrato de arrendamento que teve por objeto o rés-do-chão do imóvel em referência e, simultaneamente, a exploração do estabelecimento comercial denominado o Café “FF”, mediante o pagamento da renda mensal de € 150,00, contrato esse plenamente válido; b) - condenar os chamados DD e marido EE a efetuarem todas as diligências necessárias em ordem à alteração da titularidade a favor da R. CC, do alvará n.º 4…/88 emitido pela Câmara Municipal da Guarda em 14/11/1988; c) - condenar os A.A. e os chamados a retirarem o cadeado que colocaram no portão de entrada do logradouro do prédio e estabelecimento comercial em questão, de forma a permitir a entrada e saída normal dos Réus desse estabelecimento comercial; d) – condenar os A.A. e os chamados a absterem-se de praticar quaisquer atos ou factos que impeçam a livre e normal entrada e saída dos R.R. de e para o estabelecimento comercial denominado Café “FF”; e) - absolver os A.A. reconvindos e os chamados do demais contra eles peticionado.

    1. – Quanto ao pedido de condenação dos A.A., como litigantes de má fé, deduzido pelos RR.

    , condenar aqueles a pagarem uma multa processual no valor equivalente a 6 UC e no valor indemnizatório que ainda vier a ser fixado nos termos previstos no n.º 3 do art.º 543.º do CPC.

    D – Ordenar a notificação dos R.R. para, em 10 dias, virem comprovar o valor de € 2.000,00 peticionado a título de indemnização pela litigância de má fé, através da junção da respetiva prova documental.

  4. Inconformados com tal decisão, os A.A. recorreram para o Tribunal da Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito.

  5. Subsequentemente, foi proferida decisão em 1.ª instância, datada de 09/06/2015, a condenar os A.A., como litigantes de má fé, a pagar aos R.R. a indemnização de € 800,00, decisão de que os A.A. também recorreram.

  6. O Tribunal da Relação, pelo acórdão proferido a fls. 921-969, datado de 12/07/2017, aprovado por unanimidade, no que aqui releva, julgou: a) – Improcedente a primeira apelação dos A.A., confirmando, com fundamentação diversa, a sentença recorrida; b) – Procedente a segunda apelação pelos mesmos interposta, revogando o despacho de 09/06/2015, que condenara os A.A. a pagar aos R.R. a indemnização de € 800,00 por litigância de má fé.

  7. Desta feita, vêm os A.A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – O Tribunal fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos que emergem dos autos ao não atribuir a titularidade do direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial denominado Café FF”.

    1. - De facto, atenta a eliminação pelo Tribunal da Relação, do art.º 32.º da matéria de facto, conjugada com a matéria de facto que resultou provada vertida nos pontos 14, 15, 16, 18 e 55 a 60 da matéria dada como provada, resultou que o estabelecimento comercial era, e é, do filho dos chamados, aqui A. AA, que: a) - Encomendou e comprou todos os bens móveis e equipamentos que compõem e integram hoje o estabelecimento comercial: uma bancada em inox, um balcão frigorífico; um móvel com prateleiras em vidro espelhado; uma vitrina para bolos; um exaustor de fumo do tabaco; três bancos de balcão; seis mesas de inox para a esplanada.

      b) - Explorou-o, prestando serviços de venda de bebidas e de cafetaria a clientes e amigos, c) - Contratando com fornecedores a aquisição de café em grão, bebidas e outros consumíveis, d) - Explorou o estabelecimento dele fazendo a sua fonte de rendimento e subsistência.

      e) - Encomendou o telhado e mandou colocá-lo e, bem assim, aplicou mosaicos no pavimento do estabelecimento; f) - Tinha horário de trabalho comunicado e aprovado pelo IDICT a fls... dos autos; g) - Pagava os respetivos impostos, incluindo IVA...

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