Acórdão nº 614/06.5TTBCL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1. Tendo o trabalhador sido contratado para dar consultas médicas no Serviço de Atendimento Permanente, o que fazia há 16 anos, e sendo a sua retribuição composta por uma parte fixa e por uma parte variável que correspondia a uma percentagem sobre o valor das consultas dadas e dos actos médicos realizados, a entidade empregadora não pode unilateralmente alterar as referidas condições de trabalho, retirando o autor do Serviço de Atendimento Permanente e passando-o para o regime de consultas programadas (com marcação prévia), por tal se traduzir numa alteração dos termos contratuais que entre as partes vigoravam.

  1. Tal alteração, que se traduziu numa redução substancial da parte variável da retribuição, constitui justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho.

  2. A indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no art.º 443.º, n.º 1, do CT/2003.

  3. Só assim não será, eventualmente, se o valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador exceder o valor da indemnização máxima a que ele teria direito, calculada nos termos do n.º 1 do art.º 443.º, pois, nesse caso, a constitucionalidade deste normativo legal poderia ser questionada por violação do princípio de justiça, ínsito a um Estado de direito democrático como é a República Portuguesa (art.º 2.º da CRP).

  4. A lei não especifica os critérios a que o tribunal deve atender na fixação da referida indemnização, mas parece evidente que terá de levar em consideração, nomeadamente, a gravidade objectiva e subjectiva da conduta da entidade empregadora, à relevância dos direitos do trabalhador que por esta foram violados, ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador, à retribuição base e diuturnidades que por este eram auferidas e à sua antiguidade na empresa.

  5. A antiguidade a atender para efeitos no disposto no art.º 443.º, n.º 1, é a antiguidade na empresa e esta corresponde ao período temporal em que o trabalhador se encontra integrado na organização laboral do empregador.

  6. Tendo-se decidido na 1.ª instância, com trânsito em julgado, que o vínculo contratual que, efectiva e ininterruptamente, existiu entre as partes, desde 9.10.1990 até 9.6.2006, sempre revestira a natureza de contrato de trabalho subordinado, apesar de, nos períodos de 9.10.90 a 24.2.92 e de 1.8.96 a 1.2.2002, a relação laboral se ter processado, formalmente, a coberto de contratos que as partes denominaram de prestação de serviço, não podemos deixar de concluir que entre as partes só existiu um contrato de trabalho e que a antiguidade do trabalhador deve ser reportada a 9.10.90.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Barcelos, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra HOSPOR – H... P..., S. A.

    , pedindo que: i) - se declarasse que era trabalhador subordinado da ré, desde a data da sua admissão, em 9.10.1990; ii) - se julgassem nulos os contratos de prestação de serviço celebrados entre si e a ré; iii) - se julgasse lícita a resolução, por si operada, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho que mantinha com a ré; iv) - a ré fosse condenada a pagar-lhe as seguintes importâncias, acrescidas dos respectivos juros moratórios, desde a data do vencimento e até integral pagamento: - € 33.636,00, a título de férias e subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002 a 2005; - € 1.880,03, a título de proporcionais das férias referente ao ano de 2006; - € 1.880,03, a título de proporcionais do subsídio de férias referente ao ano de 2006; - € 1.880,03, a título de proporcionais do subsídio de Natal referente ao ano de 2006; - € 98.445,60, a título de indemnização pela resolução, com justa causa, do contrato de trabalho; - € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por causa da resolução.

    Em resumo, o autor alegou o seguinte: - em 9.10.1990, foi admitido ao serviço da ré, que então, se denominava C... – C... M... da P... de V..., S. A., para, mediante retribuição, exercer as funções de médico de clínica geral, nas instalações que a mesma possui na Póvoa de Varzim, através de um contrato que foi denominado de prestação de serviço; - em 24.2.1992, a ré celebrou com o autor um contrato de trabalho por tempo indeterminado; - em Agosto de 1996 e em Maio de 1997 foram celebrados novos contratos de prestação de serviço e, em 2.2.2002, foi celebrado um novo contrato de trabalho por tempo indeterminado; - apesar dos referidos contratos de prestação de serviço, a sua actividade sempre foi prestada em regime de subordinação jurídica à ré; - em 9 de Junho de 2006, resolveu, com justa causa, a relação laboral que vinha mantendo com a ré desde 9 de Outubro de 1990; - a sua retribuição era constituída por uma parte fixa e por uma parte variável, parte esta que a ré nunca fez incluir no pagamento das férias e dos subsídios de férias e de Natal; - a resolução do contrato causou-lhe graves danos não patrimoniais.

    Na contestação, a ré impugnou a natureza laboral do vínculo jurídico que manteve com o autor nos períodos de 9.10.1990 a 1 de Março de 1992 e de 1 de Agosto de 1996 a 2 de Fevereiro de 2002; alegou que a resolução do contrato de trabalho tinha sido levada a cabo sem justa causa; afirmou desconhecer os danos não patrimoniais que o autor alegou ter sofrido; negou o direito à indemnização que a esse título foi por ele peticionada e, sem prescindir, alegou que o montante da mesma se afigurava manifestamente excessivo.

    Realizado o julgamento, com gravação da prova, e fixada a matéria de facto, foi posteriormente proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 17.350,40, acrescida de juros de mora, sendo € 11.956,14 a título de férias, subsídio de férias e de Natal referentes aos anos de 2002 a 2005, inclusive (sendo € 1.496,40 referentes a cada um dos anos de 2002, 2003 e 2004 e € 7.466,94 referentes ao ano de 2005), e € 5.394,27 a título de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal referente ao anos da cessação do contrato (2006).

    Mais concretamente, na sentença da 1.ª instância entendeu-se que: - o vínculo contratual mantido entre o autor e a ré, entre 9 de Outubro de 1990 e até 9 de Junho de 2006, tinha natureza laboral, mas que o mesmo não configurava um único contrato de trabalho, mas sim dois, um desde 9.10.1990 até 9.8.1996 (data em o autor assinou a declaração de quitação de fls. 114 dos autos) e outro desde 9.8.96 até 9.6.2006; - os eventuais créditos que o autor possa vir a ter direito apenas poderão ser contabilizados a partir de 9.8.96; - a justa causa invocada pelo autor para resolver o contrato de trabalho não existia; - a parte variável da retribuição auferida pelo autor dever ser computada no pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal.

    No requerimento de interposição do recurso de apelação, o autor arguiu a nulidade da sentença e, nas alegações, impugnou parcialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como o decidido na sentença relativamente à justa causa por ele invocada para a resolução do contrato, à falta de unicidade do contrato de trabalho e ao montante que lhe atribuído a título de férias e de subsídios de férias e de Natal nos anos de 2002, 2003 e 2004, no atinente à parte variável da retribuição.

    Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a arguida nulidade da sentença; julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando-lhe dois novos factos; julgou procedente o recurso no que toca à antiguidade do autor, decidindo que a mesma se reporta a 9.10.1990; julgou improcedente o recurso no que toca à justa causa e parcialmente procedente no que toca ao valor da retribuição variável a ter em conta para efeitos da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.

    E, consequentemente, a Relação revogou a sentença no que concerne à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004, tendo condenado a ré a pagar ao autor, a esse título, à parte variável da retribuição, constituída por 40% do valor das consultas por ele realizadas e 10% sobre o valor dos actos médicos por ele efectuados, a liquidar posteriormente, acrescida dos juros de mora a partir da data da liquidação.

    Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista, suscitando as questões que adiante serão referidas.

    Por sua vez, notificada do despacho que admitiu o recurso do autor, a ré veio interpor recurso subordinado de revista, por entender que a antiguidade daquele deve ser reportada a 1.8.1996.

    Ambas as partes contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso da parte contrária.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso do autor e pela procedência do recurso da ré, em parecer a que só o autor respondeu, para dele discordar completamente.

    Corridos os vistos dos adjuntos, cumpre apreciar e decidir, começando por chamar à colação a matéria de facto que a Relação deu como provada.

  7. Os factos Os factos dados com provados na 1.ª instância foram os seguintes: 1.º - A ré dedica-se, com carácter lucrativo, à actividade de exploração de estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, com unidades por todo o país, nomeadamente na Póvoa de Varzim, Vila Nova de Cerveira, Setúbal, Amarante e Porto.

    1. - No exercício dessa sua actividade, a ré – então denominada "C... – C... M... da P... de V..., S.A." – admitiu o autor ao seu serviço, por acordo reduzido a escrito no dia 9 de Outubro de 1990, denominado Contrato de Prestação...

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