Acórdão nº 3138/06.7TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009
Magistrado Responsável | JOÃO BERNARDO |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A fixação dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais deverá nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil.
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Entre estas é, porém, de afastar, por violação do princípio constitucional da igualdade, a relativa à situação económica do lesado.
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Na fixação do “quantum” indemnizatório releva ainda, por força do artigo 8.º, n.º3 do mesmo código, o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos semelhantes, em especial por este Supremo Tribunal.
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No que respeita à indemnização pela perda da capacidade de ganho, há que distinguir, logo à partida, os casos em que tem lugar efectiva perda de rendimentos daqueles em que tal perda se não verifica.
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Devendo ter lugar indemnização em ambos os casos, naqueles sabe-se ou pode-se prever, com alguma exactidão, qual foi ou vai ser o montante perdido.
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Este montante constitui o ponto de partida da fixação indemnizatória, a corrigir, tendo em conta outros factores, mormente o do recebimento antecipado de todo o capital.
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O recebimento antecipado de todo o capital deve ainda ser tido em conta relativamente à parcela indemnizatória referente ao pagamento a terceira pessoa da qual o sinistrado ficou dependente.
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Dispondo-se, na sentença de 1.ª instância, que “as quantias foram actualizadas à data presente” só são devidos juros a partir de tal data.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Na comarca de Matosinhos, AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra: A Companhia de Seguros Tranquilidade.
Alegou, em síntese, ter sido atropelada por veículo segurado na ré, cujo condutor não atendeu à sua travessia da rua que identifica, com as consequências que detalhadamente refere.
Pediu, em conformidade: A condenação desta a pagar-lhe 362.488,32 €, acrescidos de juros, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, e ainda a quantia que se vier a liquidar, relativamente aos danos que, a este propósito, refere.
A ré contestou, imputando a responsabilidade do acidente à autora e dizendo desconhecer o mais por ela alegado.
II – A acção prosseguiu a sua tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: “Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré no pagamento à autora da quantia global de cento e cinquenta e três mil, quinhentos e dezoito euros (153.518 €), acrescendo juros de mora de 4% a contar da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.” III – Apelaram autora e ré e o Tribunal da Relação do Porto decidiu: “Julgar parcialmente procedentes, por provados, os recursos interpostos pela Autora e pela Ré Tranquilidade e condenar agora a Ré a pagar à Autora o montante global de € 181 617,12, sem prejuízo da condenação da Ré em juros já decidida, quantia essa acrescida da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa à medicação analgésica e ansiolítica, total esse ao qual deverá ser deduzida a totalidade da quantia entretanto paga pela Ré à Autora a título de arbitramento de reparação provisória.” IV – Inconformadas, pedem revista autora e ré.
Os recursos interpostos constituem, em grande medida, o verso e reverso da mesma realidade, de sorte que vamos conhecê-los em conjunto.
V - Conclui a autora as alegações do seguinte modo: 1. A Recorrente não se conforma com o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto no que se refere ao "quantum" compensatório/indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, dano patrimonial futuro pela perda da capacidade de ganho e dependência da assistência de uma terceira pessoa.
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O pedido da Recorrente quanto aos danos não patrimoniais foi de 60.000,00 € (Sessenta mil euros). O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou a indemnização pelo dano não patrimonial da Recorrente em 45.000,00 € (Quarenta e cinco mil euros).
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O pedido quanto ao dano patrimonial futuro pela perda da capacidade de ganho foi de 150.000.00 € (Cento e cinquenta mil euros). O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou a indemnização pelo dano patrimonial futuro/perda da capacidade de ganho em 80.000.00 € (Oitenta mil euros).
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E o pedido quanto à assistência de terceira pessoa foi 150.000.00 € (Cento e cinquenta mil euros). O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou a indemnização devida pelo auxílio de terceira pessoa para os serviços domésticos em 40.000.00 € (Quarenta mil euros).
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A Recorrente, em consequência do acidente dos autos, ficou TOTALMENTE INCAPAZ PARA O EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO de empregada doméstica, a única actividade que sempre exerceu, não conhecendo qualquer outra.
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Acresce que, a Recorrente é uma pessoa sem habilitações literárias e atenta a sua idade e as suas limitações físicas e mentais (em consequência do acidente) não tem qualquer possibilidade de reconversão profissional ou de exercer uma actividade profissional remunerada.
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A Recorrente trabalhava em diversas casas como empregada doméstica, tendo ficado provado que antes do acidente trabalhava, pelo menos (facto provado) em duas casas particulares onde auferia a quantia mensal de 495,00 € (Quatrocentos e noventa e cinco euros).
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Ou seja, face à matéria de facto provada não se excluiu, de acordo com o que foi alegado pela Recorrente, que a mesma antes do acidente trabalhava ou podia trabalhar em mais do que duas casas, o que efectivamente sucedia.
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É de certa forma um facto notório, do conhecimento do comum do cidadão, que uma empregada doméstica, nos concelhos do "grande Porto", recebe no mínimo 6,00 € a 7,00 € à hora, sendo esta uma actividade muito requisitada e com escassa oferta.
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Face ao exposto, uma empregada doméstica, nomeadamente a Recorrente, mesmo que não trabalhe aos sábados e se limitar a trabalhar 40 horas por semana, pode auferir um rendimento médio mensal de 1.000,00 € (Mil euros) a 1.200.00 € (Mil e duzentos euros).
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Ora, foi precisamente essa possibilidade, essa capacidade de ganho que foi totalmente coarctada à Recorrente, porque a mesma ficou totalmente impossibilitada de exercer a actividade de empregada doméstica.
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A Recorrente tinha 51 anos à data do acidente, pelo que, pela frente tinha pelo menos mais 19 a 24 anos de vida activa, considerando que actualmente o tempo provável de duração da vida activa cifra-se nos 70 a 75 anos de idade.
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E para além de ficar totalmente incapacitada para a sua profissão e a necessitar diariamente de medicação analgésica e ansiolítica ficou DEPENDENTE DE TERCEIRA PESSOA para as lides domésticas e para sair à rua.
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As graves lesões sofridas pela Recorrente, em especial as lesões cranianas, deixaram sequelas de tal modo incapacitantes (física e mentalmente) que impedem a Recorrente de ser uma pessoa autónoma, de tratar de si, da sua casa e da sua família.
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A Recorrente, em consequência do acidente, não é uma pessoa autónoma/independente, sendo que para um simples passeio tem que ser acompanhada por terceira pessoa como se de uma criança de tenra idade se tratasse.
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Essa total dependência de terceira pessoa para sair de casa sozinha implica por exemplo que desde o acidente a Recorrente não tem a capacidade física e mental para levar o seu filho à escola (com nove anos à data do acidente) ou de sair de casa para executar tarefas banalíssimas para o comum dos cidadãos como ir a um supermercado, a uma loja ou a uma farmácia.
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Face às consequências na vida profissional, social, pessoal e afectiva da Recorrente e os recentes padrões de indemnização doutamente adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça, os montantes arbitrados quanto à compensação pelo dano não patrimonial, a indemnização pelo dano patrimonial futuro e pela dependência da assistência de terceira pessoa, devem ser fixados em montante superior ao que foi fixado no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
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O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo um critério de equidade, considerando o grau de culpa do lesante, a situação económica do responsável e do lesado e sempre proporcional à gravidade do...
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