Acórdão nº 91/01.7GTLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTIGOS 562º, 563º, 564º Nº 2 E 566º Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ 09-1-79 IN BMJ 283, 260 ACÓRDÃO STJ 14-7-09 - Pº 630-A1996.S1 ACÓRDÃO STJ 16-10-2000 - Pº 2747/00-5 Sumário : I - A incapacidade permanente pode afectar ou diminuir a capacidade de ganho, se implica a perda ou a diminuição do salário ou se obriga o lesado a um acréscimo de esforço para poder manter o nível salarial ou para exercer as tarefas quotidianas que lhe estão cometidas.

II - No primeiro caso, concretizando a doutrina dos arts. 562.º, 564.º e 566.º do CC, os tribunais têm vindo a acolher a solução enunciada no Ac. STJ de 09-01-79, publicado no BMJ, 283, 260, de que a indemnização a pagar ao lesado deve representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

III - Para o efeito, e com vista a obter alguma uniformidade, vêm-se socorrendo de tabelas matemáticas corrigidas, embora, por juízos de equidade, pois que a realidade da vida é deveras complexa para poder caber em fórmulas numéricas.

IV - Já no caso em que a incapacidade não determina perda de ganho, designadamente de natureza salarial, o que há a considerar como dano futuro é o correspondente dano biológico, porquanto aquela incapacidade determina necessariamente «uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará». Impõem-se, por isso, atender às repercussões que a lesão pode causar à pessoa lesada, no campo das actividades laborais, recreativas, sociais, sexuais ou sentimentais. Trata-se de um dano patrimonial futuro que não se reduz à categoria dos danos não patrimoniais, cujo cálculo se há-de fazer por recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CPP.

V - No caso em que a assistente era estudante, embora ajudasse e trabalhasse para os pais, nada sabemos sobre a implicação da incapacidade naquele rendimento, o que veda a possibilidade de se enveredar pelo cálculo da indemnização como se se tivesse verificado perda de ganho (provou-se que a demandante trabalhava por conta dos pais, ajudando nos trabalhos agrícolas e, sobretudo, nos aviários, nas horas que lhe restavam do seu horário escolar, onde se incluem sábados e domingos, auferindo, por esse trabalho € 350 por mês, mas desconhece-se se em virtude do acidente deixou de executar esses trabalhos e em que medida e, consequentemente, se deixou de auferir aquele salário ou o viu reduzido e em quanto).

VI - No mais, considerando: - a idade da demandante à data do acidente, 18 anos; - a irreversibilidade das sequelas sofridas e o grau de incapacidade geral permanente de 5%, ficando com a sua capacidade de trabalho reduzida; - o amplo conjunto de actividades e tarefas laborais que lhe estão vedadas e as dificuldades na execução de outras; - as limitações de natureza lúdica ou recreativa; - a esperança média de vida para as mulheres (81 anos, segundo o INE); - a quebra de perspectivas de futuro; - que à quantificação do dano preside um juízo de equidade, o que reclama parcimónia na intervenção do tribunal de recurso, limitada como deve ser às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e criteriosa ponderação das realidades da vida, é adequada a indemnização de € 3 5000 fixada pelo tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Pela sentença de 20.10.08, proferida no processo em epígrafe, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente AA contra a Companhia de Seguros BB, S.A., tendo esta sido condenada a pagar à demandante, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de €85.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença «até integral e efectivo pagamento».

Inconformada, a demandada “BB” recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, questionando a condenação em €55.000,00 a título de dano futuro, considerando «justo e adequado ao caso concreto» uma indemnização que não deverá ultrapassar os €7.500,00 Por acórdão de 25 de Março último, o Tribunal da Relação de Coimbra fixou a «controvertida indemnização» em €35.000,00.

Mais uma vez inconformada, a “BB” recorreu, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: «1º - Trata-se de Recurso Ordinário interposto pela demandada cível Companhia de Seguros BB, S.A., do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 25 de Março de 2009, na medida em que condenou esta seguradora a pagar à demandante AA, a quantia de 35.000.00 (trinta e cinco mil euros) a título de dano patrimonial futuro/perda de ganho.

É pois este o fundamento da presente Motivação.

  1. - Com relevância para o presente recurso, ficaram provados os factos, acima reproduzidos em sede de Fundamentação, constantes dos n°s 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 54, 55 e 56 da douta sentença do Tribunal de Pombal e não ficaram provados os factos enunciados nos n°s 13, 14, 15, 20 e 21 de fls. 10 e 11 da mesma sentença.

  1. - O douto Tribunal recorrido condenou a ora recorrente a indemnizar a demandante, a título de dano patrimonial futuro, no referido valor de 35.000.00€ (trinta e cinco mil euros), o qual se funda em pressupostos inexactos (perda de ganho e recurso a tabelas financeiras) e peca por clamoroso exagero, atenta a referida factualidade assente e os critérios usualmente perfilhados na jurisprudência.

  2. - Na data do acidente, a demandante tinha 18 anos, era estudante, sem actividade regular remunerada, não obstante trabalhar nos aviários dos pais, para além do horário escolar e aos sábados e domingos, recebendo por esse trabalho 350 € por mês.

  3. - Situação essa que previsivelmente perduraria por um período não superior a quatro anos, altura em que completaria 22 anos, idade esta normalmente atendida como correspondente à cessação da formação escolar.

  4. - Era pois temporária e incerta a prestação de trabalho desenvolvida pela demandante.

  5. - A demandante ficou com 5% de incapacidade funcional, geral e permanente, situação que previsivelmente a afectará nas suas actividades quotidianas, em moldes de carecer de um acréscimo de esforço para atingir o mesmo resultado.

  6. - O caso sub judice – que não se traduz em perda efectiva de rendimento de trabalho – não pode ser interpretado à luz da (erradamente) decidida "perda de ganho", sendo por consequência inaplicáveis as tabelas financeiras e/ou fórmulas a que se reporta a douta decisão recorrida.

  7. - Antes sim, deverá ser analisado na perspectiva de um dano biológico, de natureza meramente funcional e susceptível de indemnização patrimonial, determinada única e exclusivamente segundo o juízo temperador da equidade e considerando as faladas especificidades do caso em concreto (demandante era estudante, tinha 18 anos, não exercia actividade regular remunerada e ficou portadora de uma incapacidade, claramente redutora, geral e permanente na percentagem de apenas 5%).

  8. - No entendimento da ora recorrente, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou de modo inexacto as normas constantes dos art°s 562°, 563°, 564° n° 2 e 566° n°s 1, 2 e 3 do CC, na medida em que considerou que o dano patrimonial em causa configurava uma perda de ganho, recorrendo para tanto, ainda que como mero instrumento de trabalho, a tabelas financeiras.

  9. - O sentido em que essas normas deviam ter sido interpretadas e aplicadas é o supra explanado pela ora recorrente, isto é, o dano patrimonial em causa consubstancia um dano biológico e funcional que afectará a demandante na sua actividade geral e quotidiana, carecendo de um maior esforço para atingir o mesmo resultado.

  10. - O montante que a ora recorrente considera justo e adequado ao caso concreto, face à natureza da vertente do dano e à reduzida percentagem de incapacidade geral permanente, não deverá ultrapassar os 7.500.00 € (sete mil e quinhentos euros).

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