Acórdão nº 0493/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A… S.A., recorre - ao abrigo do disposto no art.º 150.º/1 do CPTA - do acórdão do TCA Sul que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto por B…, revogou a sentença do TAC de Lisboa e, em consequência, mandou intimar a ora Recorrente para, no prazo de 10 dias, facultar ao Requerente B… o acesso integral aos documentos respeitantes: “i.

à alienação promovida pela ora Recorrida A… S.A., dos antigos conventos e estabelecimentos prisionais de … situado em Setúbal e das … situado em Lisboa, ii.

Identificação dos proponentes compradores e dos avaliadores, iii. Correspondência com origem no Ministério das Finanças”.

Rematou o seu discurso alegatório da seguinte forma: 1. O acórdão ora sob recurso versa sobre três questões que assumem uma importância fundamental e transcendem o perímetro do caso concreto, carecendo ainda de apropriada densificação jurídica, servindo a intervenção orientadora desse Supremo Tribunal para uma melhor definição dos parâmetros regulatórios de actuação das empresas públicas.

  1. Tais questões assumem uma clara relevância social e jurídica, tendo em conta, por um lado, o leque de empresas que serão abrangidas pela orientação jurisprudencial que vier a ser adaptada por esse Supremo Tribunal e, por outro, o facto de os jornalistas invocarem frequentemente o direito à informação para acederem, indiscriminadamente, a todos os documentos detidos pelas empresas públicas.

  2. A interpretação que o acórdão recorrido faz do art. 4.º da LADA, no sentido de que o acesso à informação abrange toda a documentação que tenha origem ou seja detida por empresas públicas, está eivada, não apenas de ilegalidade (por violação, entre outros, do art. 3, n.° 2, b) da própria LADA), mas também de inconstitucionalidade material (por violação dos art.ºs 18, 81, e 62 da CRP).

  3. No presente recurso está, pois, em causa uma questão de direito particularmente complexa, devendo esse Supremo Tribunal interpretar e compatibilizar as disposições da LADA, com as disposições RSEE e da CRP.

  4. Sempre que se trate de empresas públicas que operam no mercado em concorrência o RSEE confere-lhes a margem de autonomia de gestão necessária para participarem no mercado em pé de igualdade com as empresas privadas, não estando essas empresas sujeitas a formas estritas de controlo administrativo que entravam a sua liberdade de actuação.

  5. Não devem, pois, estas empresas estar submetidas, em termos gerais, à LADA, sendo obrigadas a facultar ao público todos os documentos relativos ao exercício da sua actividade comercial - como o não estão as suas concorrentes.

  6. A actual versão da LADA (Lei n.° 46/2007) alargou o seu âmbito de aplicação aos órgãos das empresas públicas, apesar de - declaradamente - ter o propósito de transpor para a Ordem Jurídica interna, a Directiva 2003/98/CE, de 17 de Novembro.

  7. Esta Directiva, porém, não se aplica às empresas públicas (cfr. seu considerando 10), a menos que tais empresas integrem a categoria de organismos de direito público pelo que as empresas públicas que, como a Recorrente, actuam no mercado em condições de igualdade com as demais empresas do sector privado não se pode entender aplicável a Directiva.

  8. Os órgãos jurisdicionais nacionais têm a obrigação de interpretação do direito interno em conformidade com o texto e finalidade da Directiva, nos termos dos Tratados e demais legislação comunitária.

  9. O acórdão recorrido deveria ter interpretado o art. 4, n.° 1, d) da LADA à luz da Directiva em causa e, nessa medida, decidir que as disposições da LADA só seriam aplicáveis aos órgãos de empresas públicas criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter comercial ou industrial e, por isso, não seria aplicável à Recorrente.

  10. Por outro lado, o certo é que a própria LADA exclui do seu âmbito de aplicação objectivo “os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa” (cfr. art.º 3, n.° 2, b)).

  11. A alienação dos imóveis detidos pela Recorrente é regulada, apenas, como qualquer outra empresa do sector privado, pelo direito civil (art. 7, n.° 1 do RSEE), pelo que se lhe não aplica - naturalmente - o princípio do arquivo aberto, pensado para entidades que exercem funções públicas e que estão dependentes do Orçamento Geral de Estado.

  12. O art. 6, n.° 6 da LADA exige que o terceiro demonstre ter um interesse qualificado relativamente a documentos que revelem segredos comerciais (não bastando um simples interesse directo, pessoal e legítimo, que é o pressuposto geral da legitimidade processual, cfr. art. 26, n.° 1 do CPC) e o ónus da prova da demonstração desse interesse qualificado é do terceiro interessado (cfr. art. 342, n.° 1 do CC).

  13. Decorre deste princípio que as empresas públicas têm o poder de limitar o acesso aos seus arquivos relativamente a assuntos que considerem conter informação económica sensível que, se fosse objecto de divulgação ao público em geral, as lesaria em termos concorrenciais.

  14. Decidindo em contrário, o acórdão comete um grave erro de julgamento, violando não só aquelas disposições da LADA e do CC, mas também o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 18, n.° 2 da CRP).

  15. A intervenção desse Supremo Tribunal, neste caso, servirá para corrigir uma orientação jurisprudencial que, a ser confirmada, traria enormes prejuízos para a actividade comercial, não só da Recorrente, mas também da generalidade das empresas públicas.

    O Recorrido contra-alegou formulando as seguintes conclusões: I. O presente recurso de revista é inadmissível, nos termos do disposto no artigo 150°, n.° 1 do CPTA, tendo em conta o teor e a fundamentação do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de que se recorre.

    II. Caso, assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se admite, deverá ser negado provimento ao recurso, por este ter feito uma correcta aplicação do direito aos factos, com respeito pelo estabelecido na Lei n.° 46/2007, de 24/08, no D.L. n.° 558/99, de 17/12, e na CRP.

    III.

    A Lei n.° 46/2007 aplica-se aos órgãos das empresas públicas - artigo 4°, n.° 1, al. d) - facto que não é contrariado pelo disposto na Directiva n.° 2003/98/CE do Parlamento e do Conselho, relativa à reutilização da informação do sector público - cfr. designadamente considerando (7) e considerando (8) da referida Directiva.

    IV.

    Tal é, aliás, uma novidade relativamente à anterior Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (versão anterior à revisão operada pela Lei n.° 46/2007 de 24/08), que não previa expressamente a sua aplicação aos órgãos das empresas públicas.

    V. Sendo certo que esta lei não faz qualquer tipo de distinção entre “empresas públicas”, o que só pode significar que se aplica a todas as empresas públicas.

    VI.

    A estas empresas se impõe o princípio da transparência, devendo a sua actividade “orientar-se no sentido de contribuir para o equilíbrio económico e financeiro do conjunto do sector público e para a obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade” — artigo 40.º do DL. n.° 558/99, de 17/12.

    VII.

    Estas empresas integram “um conceito amplo de Administração Pública”, sendo que o direito de acesso aos seus documentos “não se restringe aos chamados actos de gestão pública, mas abrange todos os actos da sociedade, salvo se outra causa o impedir (que não a sua sujeição a normas de direito público ou de direito privado).” - Parecer da CADA 164/2001.

    VIII.

    Numa era de crescente “privatização” das funções públicas do Estado, em que uma parte substancial da actividade administrativa é levada a cabo por empresas públicas (e até por empresas privadas), este é o único entendimento que permite, relativamente a estas funções e actividades, a continuação do escrutínio directo do público.

    IX.

    Relativamente à possibilidade de as empresas públicas poderem classificar documentos relativos ao exercício da sua actividade comercial, designadamente por estes conterem informação económica sensível que, se fosse objecto de divulgação ao público em geral, as lesaria em termos concorrenciais, o tribunal a quo limitou-se a considerar — em termos insindicáveis nesta sede - que as informações pretendidas pelo recorrido não estão abrangidas por qualquer segredo comercial, por se tratar de informações relativas à identificação dos proponentes compradores e dos avaliadores e, ainda, à correspondência com origem no Ministério das Finanças, tudo relativo ao processo de alienação dos antigos conventos de …, em Setúbal, e das …, em Lisboa, processo este que, à data do pedido do recorrido, estava totalmente concluído, sendo do conhecimento público a identificação dos compradores de tais imóveis, bem como o valor da alienação (cfr. artigos jornalísticos juntos como doc.s 2 a 4 da p.i.).

    X. Mas mesmo que se considerasse que as informações pretendidas pelo recorrido estavam abrangidas pelo segredo comercial, ainda assim existe um direito de acesso, nos termos do artigo 6°, n.° 6 da LADA, tendo em conta o “interesse directo, pessoal e legítimo” do recorrido, que é jornalista e justificou devidamente o interesse nas informações em causa.

    Por acórdão de 20/05/2009 - proferido nos termos do art.º 150º, n.º 5, do CPTA - o recurso foi admitido.

    O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso uma vez que, muito embora fosse certo não ocorrer “entre empresas públicas e privadas a invocada situação de igualdade, ao nível do seu funcionamento, gestão e objectivos, e, nessa medida, não existir, consequentemente, a invocada situação de paridade entre elas quanto à não sujeição à LADA”, também o era que o desempenho típico da função administrativa estava indissociavelmente ligado ao uso de poderes de autoridade.

    “No caso em apreciação, é inequívoco que à recorrente incumbe prosseguir o interesse público, porém, conforme alega, desprovida de qualquer poder ou prerrogativa de autoridade, sujeita ao regime jurídico geral de direito privado, sendo o respectivo quadro...

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