Acórdão nº 9/05.8TBGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução07 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 321 - FLS 152.

Área Temática: .

Sumário: Numa doação em que o doador reservou para si o usufruto dos bens doados, entre eles uma casa de habitação, o donatário, enquanto proprietário apenas da raiz da propriedade, não tem o direito de ocupar essa casa e impedir o doador de gozá-la de forma plena e exclusiva, não se tendo convencionado na respectiva escritura que o cumprimento dos encargos aí estipulados estava dependente da condição do donatário nela viver.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 9/05.8 TBGDM.P1 Tribunal Judicial de Gondomar – .º Juízo Cível Apelação Recorrentes: B………. e C……….

Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO O autor B……….., viúvo, residente na Rua ………., nº. .., ………., ………., Gondomar, intentou a presente acção ordinária contra os réus C………… e marido D………., residentes na Rua ………., nº. .., ………., ………., Gondomar.

Formulou o seguinte pedido: “Deve a presente acção ser considerada procedente, por provada e, a final: -serem os réus condenados a entregar totalmente devoluto de pessoas e bens de sua pertença o imóvel que se encontram a ocupar por mera tolerância do autor, titular do direito de usufruto sobre o mesmo, imóvel esse sito na Rua ………., nº. .., do ………., da freguesia de ……….; -ser declarado resolvido o contrato de doação celebrado com os réus e em consequência regressarem todos os bens abrangidos à propriedade plena do autor.” Para tanto, alegou na sua petição inicial, e em síntese, que: - o autor e esposa, por escritura de 12.2.2003, doaram aos réus os vinte e sete prédios de que eram proprietários, reservando para eles o respectivo usufruto, até ao falecimento do último; - os réus aceitaram-na, com a obrigação de tratarem dos doadores, doentes como doentes e sãos como sãos (incapazes já como se sentiam para tal), pagando tudo o que necessário for, bem como efectuar os respectivos funerais; - já antes da escritura de doação (desde 2002) que os réus e filhas habitavam na casa dos doadores, aí tendo o autor feito obras cujo custo ascendeu a 63.000€, tratando a ré de toda a lida doméstica; o autor entregava-lhe dinheiro para suportar as respectivas despesas, bem como a pensão de reforma da esposa; - entretanto, esta faleceu em 20.6.2003; - concluídas as obras e esgotadas as economias do autor, o ambiente degradou-se; - inicialmente, havia discussões entre o casal e filhas, que, depois, abrangeram o autor; - os réus propuseram ao autor vender parte dos prédios rústicos doados e comprar um apartamento, mas ele não consentiu, o que agravou o ambiente; - a ré deixar de dar o lanche ao autor, começou a provocá-lo, a insultá-lo de “bêbado” e ladrão”, a ameaçá-lo a ponto de ele recear pela própria vida; - por isso, ele deixou de comer as refeições preparadas pela ré e esta passou a agredi-la verbal e fisicamente: uma vez arremessou-lhe uma cadeira; outras, empurrou-o e fazia-o cair desamparado; - o autor convidou-a a abandonar a casa e assim reaver o uso, fruição e administração da casa, mas a ré recusou-se, pelo que o autor, tal como antes da doação, passou (em Fevereiro de 2004) a confeccionar as suas próprias refeições na adega da casa e a comprar o que precisava para tal e para a sua saúde e vestuário, dependendo dos vizinhos; - com receio dos réus, dorme fechado à chave e não usufrui de toda a casa; - tem de trazer com ele o dinheiro, pois que este desaparece-lhe misteriosamente, o que sucedeu à quantia de 3.300€ que tinha escondida no guarda-fatos do seu quarto; - o autor fez a doação na convicção de que os réus cumprissem as suas obrigações e de que, se tal não sucedesse, poderia revogá-la; - houve “falsa representação das circunstâncias em que fundou a decisão de doar”.

Ambos os réus contestaram, alegando, em síntese: - por excepção, que o autor, sozinho, não pode pedir a resolução da doação, uma vez que, relativamente à falecida doadora, eles já cumpriram plenamente a sua obrigação; - por impugnação, que são falsos os factos alegados, pois sempre cuidaram e continuam a cuidar do autor, ele é que age com o propósito de impedir os réus de cumprirem a sua obrigação; - sempre foi condição imposta pelo autor que os réus vivessem na sua casa para melhor tratarem dele e da esposa acamada, não tendo sido, portanto, por sua mera tolerância que os réus para lá foram viver; - ele é que após a morte da esposa habilitou-se como seu herdeiro, registou a seu favor um dos bens doados e prometeu vender outro deles; - não foi por exigência dos réus que o autor fez as obras da casa, mas por iniciativa e necessidade dele e da esposa acamada e para conforto de ambos; - o comportamento do autor deve-se a interesses de terceiros.

O autor apresentou réplica, pugnando pela sua legitimidade para pedir a resolução da doação (pois é doador, usufrutuário e o único herdeiro da falecida esposa) e refutando tudo o mais alegado.

Os réus treplicaram.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa invocada pelos réus. Fixou-se depois a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória.

Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

No seu decurso, a ré deduziu um articulado em que suscitou incidente que apelidou de “questão prévia”, no qual, com posterior adesão do réu – recordando que a excepção de ilegitimidade “ad causam” já foi decidida no despacho saneador e invocando o disposto no art. 966 do Cód. Civil – veio, de novo, arguir “excepção dilatória de ilegitimidade” ou (sic) “ad substantiam” e “excepção peremptória de caducidade”, pugnando pela absolvição do pedido; absolvição do pedido e da instância que repetiu a pretexto de o autor dizer, na p.i., que sempre esteve convicto de que, caso o pressuposto em que contratou falhasse, poderia revogar a liberalidade (art. 976), pois tal, segundo alega, não lhe é possível como herdeiro, o que implica “ilegitimidade ad substanciam”, “excepção peremptória”, “absolvição da instância e do pedido”, “ineptidão da petição inicial” por “cúmulo de pedidos e de causas de pedir substancialmente incompatíveis”, sendo “nulo todo o processado”, etc..

Na sequência da resposta de fls. 256/7, em que o autor também pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé, tal requerimento foi indeferido, conforme fls. 274/5 – aí se relegando para final a apreciação da litigância de má-fé.

Entretanto, o autor deduziu requerimento de alteração do seu primeiro pedido (de entrega do imóvel), acrescentando o de “Condenação dos réus no pagamento de uma quantia pecuniária a fixar pelo tribunal, mas que se requer o seja em montante nunca inferior a 100,00 Euros, por cada dia que deixem de entregar livre de pessoas e bens o imóvel que se encontram a ocupar”, os réus responderam-lhe (fls. 277) que o mesmo é inadmissível, que a casa cuja entrega se requer é “casa de morada de família dos réus”, que a entrega só deve ocorrer seis meses depois a contar do trânsito em julgado da decisão e que, assim, é o autor a impedir o cumprimento pelos réus dos encargos da doação.

A ampliação do pedido foi admitida, conforme resulta do despacho de fls. 278.

Proferiu-se depois, a fls. 282/6, decisão sobre a matéria de facto, a qual não teve qualquer reclamação.

Seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado os réus C………. e marido D………. a restituirem ao autor B………. o usufruto do prédio identificado nos autos, entregando-lho, para tal efeito, livre de pessoas e coisas.

Mais condenou os referidos réus no pagamento da quantia de 100,00 (cem) Euros por cada dia de atraso na referida entrega posterior à data do trânsito em julgado desta decisão, nos termos do art. 829 - A, do Cód. Civil.

Do restante pedido pelo autor foram os réus absolvidos.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Requereu o autor, em acção declarativa, fosse declarado resolvido o contrato de doação celebrado com os réus – junto com a petição inicial, sob a designação de doc. nº 1 – e, em consequência, devolvidos à sua propriedade plena os bens no mesmo abrangidos.

  1. Para tal invocou que “decidiu outorgar o contrato de adesão[1] a favor dos réus na convicção de que estes teriam sempre (como inicialmente demonstraram) um compotamento cumpridor e “afável” (cfr. art. 30 da p.i.), “na convicção de que com aquele casal estaria devidamente amparado na velhice” (cfr. art. 51 da p.i.), que “sempre esteve convicto de que [caso falhasse este pressuposto] poderia revogar a liberalidade outorgada” (art. 54), que “foi este à vontade que desde sempre sentiu que o levou a doar todos os bens” (art. 55), que “não fora tais pressupostos, nunca o réu se prestaria a uma decisão tão precipitada” (art. 56), que “por parte do autor existiu uma falsa representação das circunstâncias em que fundou a decisão de doar os seus bens” (art. 66), pelo que “atenta a evolução anormal dessas circunstâncias pretende o autor, na qualidade de lesado, ver resolvido o contrato de doação celebrado”.

  2. No que concerne ao erro invocado, pergunta-se, na base instrutória dos presentes autos, se, aquando da celebração do negócio em causa, “o autor estava convencido que poderia revogar a doação caso os réus não cumprissem as obrigações ali estipuladas?” (cfr. quesito 28) e se “de outro modo não teria efectuado tal doação?” (cfr. quesito 29).

  3. A este respeito, contou o Tribunal com o testemunho de E………. “amigo e vizinho (vive na casa ao lado há cerca de 25 anos) do autor, com o qual conversava muito, costumando este até ir lá por casa (...)” – cfr. fundamentação da resposta aos quesitos, o qual questionado sobre se sabia se o autor estaria ou não convicto de que, a qualquer momento, poderia voltar atrás...respondeu “Ele, de...

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