Acórdão nº 43/05.8TBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE Sumário: I -O art. 755º, do C. Civil, prevê casos especiais de direito de retenção, contando-se entre eles (vide al. f)) o do beneficiário da promessa de transmissão de direito real que obteve a tradição da coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º.

II - Este direito de retenção constitui um verdadeiro direito real de garantia, “(…) como resulta não apenas da sua implantação sistemática no Código Civil, paredes meias com o penhor, a hipoteca e os privilégios creditórios, mas principalmente do regime traçado na lei, ao equiparar em princípio o titular da retenção ao credor pignoratício (arts. 758º e 759º, n.º 3) e ao colocá-lo expressamente à frente do credor hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido anteriormente registada, na graduação dos vários créditos sobre o mesmo devedor (art. 759º, n.ºs 1 e 2), independentemente do registo desse direito.

III - O carácter real da garantia instituída no art. 755º, al. f) do C.C., impõe-se não só ao devedor mas também aos terceiros a quem ele tenha transmitido o bem objecto do direito de retenção.

Decisão Texto Integral: Proc. N.º 43/05.8TBABF.E1 (2ª secção) Apelação Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira (3º Juízo) Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I.

JOÃO ................... e FILOMENA ...................

, divorciados, intentaram a presente acção declarativa com processo comum ordinário contra VITOR ................... e mulher MARIA .....................

, e ARTUR ................... e mulher NATÁLIA...................

, pedindo: - Se declare definitivamente incumprido pelos 1ºs. RR. o contrato-promessa em causa nos autos; - Se condenem os 1ºs. e 2ºs. RR., solidariamente, a pagar aos AA. a quantia de 59.856,00 € (vide rectificação de fls. 120/121), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento; - Se reconheça aos AA. o direito de retenção sobre o imóvel até que lhes seja feito o pagamento integral das aludidas quantias.

Alegaram, em síntese, que em 16-4-02 celebraram com os 1ºs RR. um contrato-promessa, mediante o qual estes prometeram vender-lhes uma moradia tipo T 2, a edificar no lote 20, em Areias de S. João, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 5230, pelo preço de 169.591,28 €, tendo os AA., na data da celebração daquele contrato, entregue 19.952,00 €, a título de sinal e princípio de pagamento, que posteriormente reforçaram com a entrega de 9.976,00 €, ficando o restante de ser pago no acto da celebração da escritura de compra e venda, a qual deveria ter lugar no decurso do mês seguinte ao da emissão do alvará de licença de habitação; que os 1ºs réus em Setembro de 2002 entregaram aos autores a moradia construída no lote 20 e respectivas chaves; que embora tenha sido emitido o alvará de licença de utilização da mesma em 27-8-03, nunca aqueles providenciaram pela marcação da escritura de compra e venda e também nada fizeram para cancelar um registo de hipoteca a favor do BII, SA.; que por escritura pública de 12-11-04 os 1ºs RR. venderam aos 2º RR. o mencionado imóvel, pelo preço de 120.000 €, incumprindo definitivamente o contrato-promessa; que estes sabiam da existência do mencionado acordo entre os AA. e os 1ºs RR., e bem assim que os autores ocupavam e habitavam a moradia; que os autores têm direito ao recebimento do dobro do sinal entregue, sendo os 2º réus responsáveis solidários pelo pagamento dessa quantia, e gozam do direito de retenção do imóvel até ao pagamento da mesma.

Os RR. Vítor.......... e mulher Maria .............. não contestaram.

De sua vez, os RR. Artur............ e mulher apresentaram contestação, propugnando pela sua absolvição do pedido, e deduziram reconvenção.

Nesse articulado alegaram, em suma, terem sido informados pelos 1ºs réus que o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e os 1ºs RR. foi incumprido por motivo imputável àqueles; que a A., divorciada, habitava condicionalmente a casa em questão, tendo combinado com o 1º R. deixá-la imediatamente livre; que decidiram adquirir a moradia por os 1ºs RR. estarem a atravessar um período de grandes dificuldades económicas, devendo-lhe dinheiro de trabalhos de canalização que para eles tinha realizado, englobando tal negócio um encontro de contas para atenuar a dívida, cabendo ainda aos contestantes liquidar uma hipoteca que onerava o imóvel; e que não assiste aos autores o invocado direito de retenção.

Em reconvenção, na qualidade de proprietários do imóvel, peticionaram que se ordene aos autores que deixem livre e devoluta a moradia e que os reconvintes sejam investidos na posse da mesma.

Os autores replicaram.

Oportunamente foi elaborado despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e se decidiu: - Declarar definitivamente incumprido o contrato-promessa celebrado entre AA. e RR. Vítor ............ e mulher Maria ................, em 16-4-02, por culpa exclusiva destes, e resolvido o mesmo; - Condenar os RR. Vítor ................ e Maria ............. a pagarem aos AA. a quantia de 59.856,00 € (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e seis euros), correspondente ao dobro do sinal por eles entregue, acrescida de juros moratórios vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%; - Reconhecer aos AA. o direito de retenção sobre o imóvel id. nos autos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 5230 (Lote 20), até à satisfação integral da quantia referida no parágrafo anterior; - Absolver os RR. Artur........... e mulher Natália .............. do pedido; - Julgar não provado e improcedente o pedido reconvencional, em consequência do que absolvo os AA. do mesmo.

Inconformados, vieram os 2ºs réus interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões: 1. AA. e 1ºs RR. celebraram contrato-promessa de compra e venda da moradia do Tipo T2, designado pelo n.º 20, sito em Areias de S. João, Albufeira.

  1. Os 1ºs RR. não marcaram a data da escritura de compra e venda do imóvel, não notificaram os AA. para tal, não completaram as obras interiores e arranjos exteriores que se tinham comprometido realizar e, igualmente, nada fizeram para expurgar a hipoteca que onerava o imóvel.

  2. O 1º R. marido contactou o 2° R. marido, ora recorrente, propondo-lhe a aquisição desse imóvel, para acerto de contas entre ambos, informando-o que os AA. não podiam cumprir o contrato-promessa que tinham firmado consigo e que a A. mulher acordara deixar livre e devoluta a moradia contra a devolução em singelo das quantias pagas a título de sinal.

  3. Em 2004/11/12, os 1ºs RR. venderam ao 2.° R. marido, ora recorrente, a moradia que tinham prometido vender aos AA..

  4. Os 1ºs RR. não cumpriram a obrigação a que estavam adstritos para com os AA..

  5. Daí que aos AA. assista o direito de haver dos 1 RR. a quantia correspondente ao dobro do sinal prestado.

  6. Os 2°s RR., ora recorrentes, não incorreram em responsabilidade civil para com os AA., uma vez que são alheios ao negócio firmado entre estes e os 1ºs RR.

  7. Os 2°s RR, ora recorrentes, na douta sentença recorrida, foram absolvidos do pedido, dos AA., de condenação solidária no pagamento do valor correspondente ao dobro do sinal prestado.

  8. Na douta sentença recorrida reconhece-se aos AA a titularidade de um direito de retenção sobre o imóvel em causa, pelo seu crédito.

  9. Os AA têm um crédito sobre os 1ºs RR., pelo inadimplemento destes no cumprimento do contrato-promessa celebrado.

  10. Para garantia do pagamento desse crédito dos AA sobre os 1ºs RR., aqueles têm o direito de retenção sobre um imóvel que é, desde 2004/11/12, propriedade dos 2°s RR .

  11. Os AA, caso os 1ºs RR não lhes paguem o seu crédito, o que é previsível, terão a possibilidade de executar o imóvel retido, que é propriedade dos 2°s RR, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de serem pagos com preferência aos demais credores dos devedores/promitentes vendedores/1ºs RR..

  12. A douta sentença recorrida acaba por "condenar" os 2°s RR a pagarem aos AA o crédito destes sobre os 1ºs RR.

  13. A douta sentença" a qua" reconhece que o direito de retenção visa salvaguardar o pagamento do crédito do retentor, coagindo-se o promitente vendedor a cumprir a sua obrigação.

  14. "In casu" são os actuais proprietários do imóvel, os 2°s RR, e não os devedores/promitentes vendedores, os 1ºs RR, que são compelidos a cumprir o crédito dos AA..

  15. O direito de retenção pressupõe a licitude da detenção da coisa, a reciprocidade de créditos e a conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção.

  16. No caso em apreço, o direito de retenção dos AA. sobre o imóvel propriedade dos 2°s RR, uma vez conferido por douta sentença, seria uma detenção licita e até podemos dizer que existe uma conexão entre a coisa retida (imóvel) e o crédito dos AA., mas o mesmo já não ocorre em relação à existência de reciprocidade de créditos - os 2°s RR podem exigir dos AA. a coisa detida, mas estes não podem exigir àqueles o cumprimento do crédito que têm sobre os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT