Acórdão nº 17/07.4TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução01 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Legislação Nacional: ARTIGOS 562.º; 566.º DO CÓDIGO CIVIL.

Sumário: 1. Em sede de obrigação de indemnizar a regra é a reposição natural apresentando-se a indemnização por sucedâneo pecuniário como excepcional ou subsidiária – artigos 562º e 566º do CC.

  1. A substituição da reposição in natura pelo subsidiário ressarcimento pecuniário por virtude da indemnização ser excessivamente onerosa para o devedor, apenas é admissível quando houver flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que primordialmente importa perspectivar e recompor, e o custo que ela envolve para o lesante, no sentido que represente para este - vg. atento o valor da reparação e a sua situação económico financeira - um sacrifício manifestamente desproporcionado de tal sorte que deva considerar-se abusivo, por contrário à boa-fé, o valor decorrente da reconstituição natural.

  2. Não ocorre tal excesso quando reparação do veículo foi orçamentada em € 2.991,47 euros, ele valia, à data do acidente, €1750,00 euros e a ré é uma Seguradora presumivelmente saudável em termos económico-financeiros.

  3. A mera privação do uso de veículo automóvel, porque instrumento de trabalho e de lazer essencial ou pelo menos importante na vida das pessoas das hodiernas sociedades, é susceptível de gerar danos não patrimoniais ressarcíveis, se tal privação acarretar incómodos, transtornos, angustias, stress, perturbação da tranquilidade e da paz de espírito, afectantes e perniciosos para a integridade e estabilidade emocional e psicológica e, consequentemente, da qualidade de vida.

  4. Constitui entendimento jurisprudencial actual que devem abandonar-se indemnizações miserabilistas a título de danos não patrimoniais, e que a determinação do seu quantum, porque resultando de um juízo de equidade não submetido a normas de legalidade estrita, só é passível de censura pelos tribunais superiores em casos de manifesta imprudência e falta de senso comum na sua fixação.

  5. Consequentemente, alcança-se como admissível e razoável, a quantia de 12.000,00 euros arbitrada a este título a lesada de 38 anos, empregada de limpeza, que ficou com uma IPP de 3% decorrente de lesões na coluna vertebral com afectação de vários discos intervertebrais, que padeceu e padece de dores quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 e que tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

    A....e mulher B...., instauraram contra C....acção declarativa, de condenação, com processo ordinário.

    Pediram: A condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de € 16.130,42 a título de indemnização pelos danos sofridos num acidente de viação, acrescida de juros desde a da citação até efectivo e integral pagamento.

    Alegaram: Que a Autora foi vítima de um acidente de viação causado por um condutor em relação ao qual a Ré tinha assumido, por contrato de seguro, a respectiva responsabilidade civil em relação ao veículo que conduzia.

    Do acidente resultou a inutilização do veículo, ferimentos na Autora e despesas com tratamentos, perdas de salários por parte da autora devido à incapacidade para trabalhar, despesas com aluguer de outro veículo, bem como danos de natureza não patrimonial resultantes das dores físicas padecidas e alteração do quotidiano resultante da indisponibilidade do meio de transporte que o veículos lhes proporcionava, que contabilizam em €15,00 euros diários.

    Contestou Ré.

    Aceitou a culpa do seu segurado, mas não os danos e montantes peticionados.

    Quanto ao veículo alega que o mesmo valia à data do acidente não mais que €1250,00 euros e que nessa data podia ser adquirido no mercado veículo semelhante ao mesmo preço.

    Como o preço da reparação do veículo se mostrou muito superior ao valor do automóvel, quase o triplo, a seguradora colocou à disposição dos Autores a quantidade €1250,00 euros, que os autores não receberam porque não quiseram.

    Assumiu as despesas do veículo de aluguer desde a data em que foi pedida a peritagem até à sua realização e entre esta e a divulgação do seu resultado pela oficina reparadora, mas não o tempo que decorreu até ao pedido e os dias que decorreram entre a primeira visita do perito contratado pela Ré à oficina e a segunda visita, resultante do facto de na primeira visita a oficina não ter disponibilizado todos os elementos para concluir a peritagem.

    Alega que há abuso de direito na pretensão dos Autores ao terem preferido suportar um prejuízo de € 4 410,00 euros, resultante da indisponibilidade do veículo, quando o podiam ter mandado reparar ou ter substituído por outro.

    Concluiu pela improcedência do pedido.

  6. Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que: Condenou a Ré a pagar ao Autor: 1- €2 991,47 como valor necessário à reparação do veículo.

    2 - €574,22 relativa às despesas com aluguer de veículo de substituição.

    3 - €15,00 a título de perdas salariais originadas por faltas ao trabalho causadas pelo acidente.

    4 - €27,70 por despesas com tratamentos médicos.

    5 - €1 000,00 a título de danos não patrimoniais resultantes da privação de uso do veículo.

    6 - €12 000,00 a título de danos não patrimoniais resultantes dos ferimentos e dores padecidos pela Autora e desvalorização parcial permanente de que ficou portadora.

    7 - juros de mora sobre estas quantias desde a citação até integral pagamento quanto aos danos patrimoniais e desde esta data quanto aos danos não patrimoniais à taxa se 4% ao ano sem prejuízo de outra taxa que venha a ser publicada nos termos da lei.

    Absolvendo a Ré do restante pedido.

  7. Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª Face à factualidade demonstrada, é manifesta a excessiva onerosidade da reconstituição natural no que toca aos danos sofridos pelo veículo dos AA, que importam uma perda total.

    1. Caberá aos AA, por esse motivo, uma indemnização em dinheiro que deverá corresponder ao valor patrimonial do bem danificado.

    2. Assim tendo-se provado que o veículo danificado valia, à data do sinistro, no máximo 1750,00 euros, a indemnização a este título deveria ter sido fixada nesta verba.

    3. Atendendo a que estamos perante uma perda total do veículo, que não se provou o período exacto da paralisação e que os danos não patrimoniais dos AA não têm relevância bastante para justificar a tutela do direito, não é, salvo o devido respeito, devida a verba de 1000 euros atribuída pela paralisação do veículo.

    4. E mesmo que se entendesse que os danos não patrimoniais sofridos merecem a tutela do direito, pelas mesmas razões deveria a indemnização ser equitativamente reduzida para a verba de 350,00 euros.

    5. Os danos não patrimoniais da autora mulher decorrentes das dores e da IPG de que ficou portadora não devem, em equidade, fixar-se em quantia superior a 4.000 euros.

    6. A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496 e 566º do CC.

  8. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª Excessiva onerosidade da reconstituição natural no que tange aos danos sofridos pelo veículo dos autores.

    1. Irrelevância da paralisação do veículo para atribuição da indemnização, a este título, da quantia de mil euros ou, no mínimo, redução para o montante de 350,00 euros.

    2. Redução da quantia de 12.000,00 euros atribuída à autora a título de danos não patrimoniais para o montante de 4.000,00 euros.

  9. Os factos provados na 1ª instância a considerar são os seguintes: No dia 01 de Fevereiro de 2006, cerca das 08,55 horas, ocorreu um embate entre os veículos automóveis com as matrículas 99-97-LR e 02-95-EL, na E.N. n.º 341, ao km 40,030, em Ameal, no Concelho e Comarca de Coimbra.

    O LR pertencia a D....e era conduzido por E.....

    O EL pertencia ao Autor e era conduzido pela Autora - alínea a).

    O LR, circulando à retaguarda do EL, no sentido Arzila/Taveiro, e iniciou a ultrapassagem a este último. Em sentido contrário ao LR e ao EL, transitava um outro veículo. De modo a evitar embater frontalmente no veículo que transitava em sentido oposto, o LR embateu na parte lateral esquerda do EL – alínea b).

    Em consequência desse embate, o LR e o EL rodopiaram e o LR embateu novamente no EL. Corolário disso, o EL embateu com a traseira nos «rails» de protecção da estrada. O LR e o EL imobilizaram-se mais à frente do local onde o embate ocorreu – al. c) No local do evento, a faixa de rodagem media 7,10 metros de largura; era marginada de ambos os lados por berma; atento o sentido de marcha do LR e do EL, a berma do lado direito media 2,40 metros de largura; a estrada formava uma recta, avistando-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de mais de 50 metros; era asfaltada e estava em bom estado de conservação – alínea d).

    No momento do acidente, o tempo estava bom – alínea e).

    O E.... conduzia o LR na qualidade de empregado da firma Sismodular e ao serviço desta, sabendo o condutor E.... que conduzia o LR em serviço da mesa, a qual aceitou que ele fizesse os percursos que entendesse com o LR – al. f ).

    A B....nasceu em 22-02-1968 – alínea g).

    A Ré, por escrito, comunicou ao Autor que o EL tinha sido dado como salvado, propôs-lhe indemnização no valor de € 1.050,00 euros e não ordenou a reparação dos danos do EL – alínea h).

    A Ré assumiu o pagamento do aluguer duma viatura respeitante ao período de 10/02 a 13/02 (período em que foi agendada peritagem a título definitivo à sua viatura, e de 21/02, dia em que a oficina informou que o perito podia deslocar-se à oficina para fazer estimativa dos danos, a 08/03 – alínea i).

    A Ré não pôs à disposição dos autores um veículo para substituírem o EL enquanto este não for reparado – alínea j).

    A responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que o LR interviesse estava transferida para a Ré através de contrato de seguro válido e...

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