Acórdão nº 694/07.6TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 323 - FLS 150.

Área Temática: .

Sumário: I - Se a autora entregou ao réu uma quantia pecuniária destinada a suportar as despesas inerentes à constituição de uma sociedade e à realização da sua quota no respectivo capital social, onde estava previsto que ambos participariam com 50% desse capital e se o réu, embolsando essa quantia, vem a constituir a sociedade com uma terceira pessoa e sem a participação da autora, tal significa que ocorreu uma deslocação patrimonial indevida, que não tem justificação na lei, nem na vontade da autora.

II - A autora tem assim direito à restituição dessa quantia com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 694/07.6 TVPRT.P1 .ª Vara Cível do Porto – .ª secção Apelação Recorrentes: B………. e C……….

Recorrido: “D………., Lda” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora B………. intentou a presente acção declarativa de condenação, com forma ordinária, contra os réus “D……….., Lda” e C………. pedindo que: a) a 1ª ré seja condenada a restituir-lhe a quantia de €43.913,77, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal sobre €39.304,87, desde 7.5.2007 até efectivo e integral pagamento; e b) o 2º réu seja condenado a restituir-lhe a quantia de €24.489,64, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal sobre €21.919,37, desde 7.5.2007 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que integrou, juntamente com o 2º réu, a divisão de informática da “E………., SA”, mediante vínculo laboral que veio a cessar por mútuo acordo. No âmbito das negociações que, neste contexto, foram mantidas entre as partes ficou acordado que a indemnização pela cessação do contrato de trabalho da autora (e também do 2º réu) se processaria nos seguintes termos: uma parte em dinheiro, que seria afecta à constituição de nova sociedade (cujo objecto estaria relacionado com a área de negócio acima referida) e outra parte em espécie, mediante a ulterior transferência para esta nova sociedade de bens de equipamento da antiga entidade patronal (nomeadamente todos os destinados ao ramo informático – hardware, bases de software, mobiliário, etc.), no valor total de 4.966.444$00 (€24.772,52), bem como um veículo automóvel cujo valor, na altura, se estimou em 1.035.000$00 (€5.162,56). Nessa nova sociedade comercial a autora e o 2º réu participariam cada um em 50% do capital social.

Em cumprimento da primeira parte do que fora acordado, a “E……….” pagou à autora o montante global de 1.667.389$00 (€8.316,90), quantia essa que a autora, pela mão de uma sua irmã, entregou ao 2º réu, com vista a suportar as despesas inerentes à constituição da nova sociedade e a realizar a quota da autora no respectivo capital social. A sociedade veio efectivamente a constituir-se, por escritura pública, na veste da 1ª ré, mas a autora não ficou detentora de nenhuma quota no seu capital social, como havia sido acordado. Uma vez constituída a 1ª ré, a “E……….” cumpriu o que fora estipulado no acordo de revenda celebrado, procedendo à entrega dos bens àquela sociedade.

Por sucessivas notificações judiciais avulsas, a autora interpelou a 1ª ré para lhe restituir o montante de €14.967,54 (correspondente a metade do valor dos bens que a “E……….” lhe entregou em cumprimento do referido acordo de cessação do contrato de trabalho com a autora) e interpelou o 2º réu para lhe restituir a quantia de €8.316,90 (da qual indevidamente se apropriou, desviando-a do fim para o qual a autora lha entregou), bem como para procederem ao pagamento dos juros sobre as referidas quantias, sob pena de ocorrer capitalização de juros, nos termos do art. 560 do Cód. Civil. Por força da capitalização de juros ocorrida até 31.5.2004, nessa data a dívida da 1ª ré ascendia a €38.304,87 e a dívida do 2º réu ascendia a €21.919,37, à qual acrescem juros à taxa legal desde essa data (ascendendo a €4.608,90 e a €2.570,27, respectivamente, os juros vencidos até à data da propositura da acção – 7.5.2007).

Os réus contestaram impugnando parcialmente o teor da petição inicial e alegando, outrossim, que o valor calculado por equivalente às hipotéticas indemnizações a que os trabalhadores da “E………., SA” F………. e G………. teriam direito foi processado pela “E……….” e pago para a nova sociedade a constituir, como se fosse uma indemnização devida à autora pela cessação do seu contrato de trabalho. Tal quantia foi titulada por dois cheques, com os números ………. e ………., sacados sobre o H………., nos valores respectivos de 1.375.429$00 e 291.960$00, emitidos em nome da autora. Porém, apesar disso, tais cheques foram entregues ao 2º réu e este, face ao desaparecimento da autora e da circunstância de os cheques serem nominativos, procedeu ao seu depósito na conta da autora do H………. .

O acordo inicial foi renegociado e, em consequência, a 1ª ré comprou à “E……….” o material informático em causa, bem como o veículo automóvel, cujos preços pagou.

Como tal, concluem pela improcedência da acção.

A autora replicou, impugnando os factos alegados pelos réus na contestação.

Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Com observância do legal formalismo, realizou-se depois audiência de julgamento, tendo a matéria de facto controvertida sido decidida, sem reclamações, em conformidade com o despacho de fls. 304 e segs.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolveu a 1ª ré do pedido e condenou o 2ª réu a pagar à autora a quantia de €24.489,64, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal sobre €21.919,37 desde 7.5.2007 até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com tal decisão, a autora B………. da mesma interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: A. A recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto por entender que determinados pontos, vertidos nos quesitos 12 e 13 foram incorrectamente julgados, porquanto os meios probatórios – designadamente documentos – impunham decisão diversa da recorrida.

  1. E constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base a essa decisão, como é o caso (docs. de fls. 15, 233 e segs. e 290 a 298, no que se refere ao quesito 12 e docs. de fls. 242, 243 e 244, no que concerne ao quesito 13), justifica-se a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do art. 712 do CPC, devendo tais quesitos merecer ambos a resposta de “Não Provado”.

  2. Não obstante isso, a matéria de facto dada como provada nos autos é suficiente para que o pedido formulado contra a 1ª ré seja julgado procedente, já que tendo ficado demonstrado que estava previsto que a transferência do material informático e do veículo automóvel da “E………., SA” para a nova sociedade (que veio a constituir-se na veste da 1ª ré) ocorresse sem contrapartida de qualquer preço, que esses bens constituíam o pagamento em espécie da parte da indemnização devida à autora pela cessação do contrato de trabalho, que a 1ª ré recebeu efectivamente esses bens e qual o seu valor à data da transmissão, estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa.

  3. Uma vez que a “E………., SA” – sociedade para a qual trabalhavam autora e réu – se obrigou perante estes a transmitir determinados bens a uma sociedade a constituir entre ambos, que denominavam de “Revendedor” (fls. 15) e que a 1ª ré se apresentou como sendo essa sociedade (apesar de, por acto ilícito do réu, a autora não ter afinal participado no seu capital social), ao entregar efectivamente tais bens ou equivalentes à 1ª ré, a “E……….” cumpriu a obrigação estatuída nesse acordo (extinguindo-se assim essa sua obrigação).

  4. Não tinha a “E………., SA” de ter indagado previamente a composição do capital social da 1ª ré, não só porque tal significaria imiscuir-se nas relações entre sócios – questões internas da sociedade -, como também porque a autora poderia vir a entrar mais tarde para a sociedade ou ter desistido de entrar e acordado com o 2º réu outra forma de ser ressarcida; era, pois, razoável que a “E……….” tivesse cumprido o acordado sem estar a duvidar-se de que a 1ª ré pudesse não ser a sociedade projectada constituir entre a autora e o 2º réu – como sucedeu.

  5. Poderá mesmo dizer-se que o 2º réu terá actuado junto da “E……….” como mandatário sem representação da autora, criando a convicção de que actuava de acordo com o querido e programado pela autora, ou, pelo menos, com um mandato aparente.

  6. O acordo da autora com a “E………., SA” para que a parte da indemnização que lhe era devida pela cessação do contrato de trabalho (processada e paga parcialmente em espécie) não lhe fosse paga a si, mas sim a terceiro (sociedade a constituir – entidade abstracta) que seria, por conseguinte, o beneficiário dessa prestação, cria nesse terceiro (que vem a constituir-se na veste da 1ª ré), logo a partir da sua constituição, o direito de exigir a entrega desses bens, ou seja, o direito à prestação como efeito imediato do contrato, independentemente da aceitação.

  7. É um contrato a favor de terceiro, através do qual os contraentes procederam com a intenção de atribuir um direito a terceiro; dele resulta uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário.

    I. Enquanto não fosse revogada a promessa por parte do promissário (a autora) – e não foi – o promitente (“E……….”) tinha de cumprir a prestação a que se obrigou.

  8. Aliás, havendo um mandato à “E……….”, conferido pela autora e pelo réu, é duvidoso que pudesse ser revogado só pela autora (art. 1173 do Cód. Civil) e tendo esse mandato sido conferido também no interesse da “E……….”, que assim se livraria (de uma parte) da indemnização em dinheiro (que devia à autora), o certo é que ele não poderia ser revogado sem a anuência da “E……….” (art....

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