Acórdão nº 43/05.8TBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Outubro de 2009
Magistrado Responsável | MANUEL MARQUES |
Data da Resolução | 21 de Outubro de 2009 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE Sumário: I -O art. 755º, do C. Civil, prevê casos especiais de direito de retenção, contando-se entre eles (vide al. f)) o do beneficiário da promessa de transmissão de direito real que obteve a tradição da coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º.
II - Este direito de retenção constitui um verdadeiro direito real de garantia, “(…) como resulta não apenas da sua implantação sistemática no Código Civil, paredes meias com o penhor, a hipoteca e os privilégios creditórios, mas principalmente do regime traçado na lei, ao equiparar em princípio o titular da retenção ao credor pignoratício (arts. 758º e 759º, n.º 3) e ao colocá-lo expressamente à frente do credor hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido anteriormente registada, na graduação dos vários créditos sobre o mesmo devedor (art. 759º, n.ºs 1 e 2), independentemente do registo desse direito.
III - O carácter real da garantia instituída no art. 755º, al. f) do C.C., impõe-se não só ao devedor mas também aos terceiros a quem ele tenha transmitido o bem objecto do direito de retenção.
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 43/05.8TBABF.E1 (2ª secção) Apelação Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira (3º Juízo) Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I.
JOÃO ................... e FILOMENA ...................
, divorciados, intentaram a presente acção declarativa com processo comum ordinário contra VITOR ................... e mulher MARIA .....................
, e ARTUR ................... e mulher NATÁLIA...................
, pedindo: - Se declare definitivamente incumprido pelos 1ºs. RR. o contrato-promessa em causa nos autos; - Se condenem os 1ºs. e 2ºs. RR., solidariamente, a pagar aos AA. a quantia de 59.856,00 € (vide rectificação de fls. 120/121), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento; - Se reconheça aos AA. o direito de retenção sobre o imóvel até que lhes seja feito o pagamento integral das aludidas quantias.
Alegaram, em síntese, que em 16-4-02 celebraram com os 1ºs RR. um contrato-promessa, mediante o qual estes prometeram vender-lhes uma moradia tipo T 2, a edificar no lote 20, em Areias de S. João, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 5230, pelo preço de 169.591,28 €, tendo os AA., na data da celebração daquele contrato, entregue 19.952,00 €, a título de sinal e princípio de pagamento, que posteriormente reforçaram com a entrega de 9.976,00 €, ficando o restante de ser pago no acto da celebração da escritura de compra e venda, a qual deveria ter lugar no decurso do mês seguinte ao da emissão do alvará de licença de habitação; que os 1ºs réus em Setembro de 2002 entregaram aos autores a moradia construída no lote 20 e respectivas chaves; que embora tenha sido emitido o alvará de licença de utilização da mesma em 27-8-03, nunca aqueles providenciaram pela marcação da escritura de compra e venda e também nada fizeram para cancelar um registo de hipoteca a favor do BII, SA.; que por escritura pública de 12-11-04 os 1ºs RR. venderam aos 2º RR. o mencionado imóvel, pelo preço de 120.000 €, incumprindo definitivamente o contrato-promessa; que estes sabiam da existência do mencionado acordo entre os AA. e os 1ºs RR., e bem assim que os autores ocupavam e habitavam a moradia; que os autores têm direito ao recebimento do dobro do sinal entregue, sendo os 2º réus responsáveis solidários pelo pagamento dessa quantia, e gozam do direito de retenção do imóvel até ao pagamento da mesma.
Os RR. Vítor.......... e mulher Maria .............. não contestaram.
De sua vez, os RR. Artur............ e mulher apresentaram contestação, propugnando pela sua absolvição do pedido, e deduziram reconvenção.
Nesse articulado alegaram, em suma, terem sido informados pelos 1ºs réus que o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e os 1ºs RR. foi incumprido por motivo imputável àqueles; que a A., divorciada, habitava condicionalmente a casa em questão, tendo combinado com o 1º R. deixá-la imediatamente livre; que decidiram adquirir a moradia por os 1ºs RR. estarem a atravessar um período de grandes dificuldades económicas, devendo-lhe dinheiro de trabalhos de canalização que para eles tinha realizado, englobando tal negócio um encontro de contas para atenuar a dívida, cabendo ainda aos contestantes liquidar uma hipoteca que onerava o imóvel; e que não assiste aos autores o invocado direito de retenção.
Em reconvenção, na qualidade de proprietários do imóvel, peticionaram que se ordene aos autores que deixem livre e devoluta a moradia e que os reconvintes sejam investidos na posse da mesma.
Os autores replicaram.
Oportunamente foi elaborado despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e se decidiu: - Declarar definitivamente incumprido o contrato-promessa celebrado entre AA. e RR. Vítor ............ e mulher Maria ................, em 16-4-02, por culpa exclusiva destes, e resolvido o mesmo; - Condenar os RR. Vítor ................ e Maria ............. a pagarem aos AA. a quantia de 59.856,00 € (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e seis euros), correspondente ao dobro do sinal por eles entregue, acrescida de juros moratórios vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%; - Reconhecer aos AA. o direito de retenção sobre o imóvel id. nos autos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 5230 (Lote 20), até à satisfação integral da quantia referida no parágrafo anterior; - Absolver os RR. Artur........... e mulher Natália .............. do pedido; - Julgar não provado e improcedente o pedido reconvencional, em consequência do que absolvo os AA. do mesmo.
Inconformados, vieram os 2ºs réus interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões: 1. AA. e 1ºs RR. celebraram contrato-promessa de compra e venda da moradia do Tipo T2, designado pelo n.º 20, sito em Areias de S. João, Albufeira.
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Os 1ºs RR. não marcaram a data da escritura de compra e venda do imóvel, não notificaram os AA. para tal, não completaram as obras interiores e arranjos exteriores que se tinham comprometido realizar e, igualmente, nada fizeram para expurgar a hipoteca que onerava o imóvel.
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O 1º R. marido contactou o 2° R. marido, ora recorrente, propondo-lhe a aquisição desse imóvel, para acerto de contas entre ambos, informando-o que os AA. não podiam cumprir o contrato-promessa que tinham firmado consigo e que a A. mulher acordara deixar livre e devoluta a moradia contra a devolução em singelo das quantias pagas a título de sinal.
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Em 2004/11/12, os 1ºs RR. venderam ao 2.° R. marido, ora recorrente, a moradia que tinham prometido vender aos AA..
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Os 1ºs RR. não cumpriram a obrigação a que estavam adstritos para com os AA..
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Daí que aos AA. assista o direito de haver dos 1 RR. a quantia correspondente ao dobro do sinal prestado.
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Os 2°s RR., ora recorrentes, não incorreram em responsabilidade civil para com os AA., uma vez que são alheios ao negócio firmado entre estes e os 1ºs RR.
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Os 2°s RR, ora recorrentes, na douta sentença recorrida, foram absolvidos do pedido, dos AA., de condenação solidária no pagamento do valor correspondente ao dobro do sinal prestado.
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Na douta sentença recorrida reconhece-se aos AA a titularidade de um direito de retenção sobre o imóvel em causa, pelo seu crédito.
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Os AA têm um crédito sobre os 1ºs RR., pelo inadimplemento destes no cumprimento do contrato-promessa celebrado.
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Para garantia do pagamento desse crédito dos AA sobre os 1ºs RR., aqueles têm o direito de retenção sobre um imóvel que é, desde 2004/11/12, propriedade dos 2°s RR .
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Os AA, caso os 1ºs RR não lhes paguem o seu crédito, o que é previsível, terão a possibilidade de executar o imóvel retido, que é propriedade dos 2°s RR, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de serem pagos com preferência aos demais credores dos devedores/promitentes vendedores/1ºs RR..
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A douta sentença recorrida acaba por "condenar" os 2°s RR a pagarem aos AA o crédito destes sobre os 1ºs RR.
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A douta sentença" a qua" reconhece que o direito de retenção visa salvaguardar o pagamento do crédito do retentor, coagindo-se o promitente vendedor a cumprir a sua obrigação.
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"In casu" são os actuais proprietários do imóvel, os 2°s RR, e não os devedores/promitentes vendedores, os 1ºs RR, que são compelidos a cumprir o crédito dos AA..
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O direito de retenção pressupõe a licitude da detenção da coisa, a reciprocidade de créditos e a conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção.
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No caso em apreço, o direito de retenção dos AA. sobre o imóvel propriedade dos 2°s RR, uma vez conferido por douta sentença, seria uma detenção licita e até podemos dizer que existe uma conexão entre a coisa retida (imóvel) e o crédito dos AA., mas o mesmo já não ocorre em relação à existência de reciprocidade de créditos - os 2°s RR podem exigir dos AA. a coisa detida, mas estes não podem exigir àqueles o cumprimento do crédito que têm sobre os...
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