Acórdão nº 422/09 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Agosto de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução14 de Agosto de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 422/2009

Processo n.º 650/09

  1. Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, em que é impugnante a Comissão Política de Secção de Leiria do Partido Social Democrata e impugnado o Partido Social Democrata, foi instaurada, em 24 de Julho de 2009 (fls. 2 a 35), acção de impugnação da deliberação tomada pelo Conselho de Jurisdição Nacional daquele partido político, que corresponde ao Acórdão n.º 8/2009, de 2 de Julho de 2009, bem como da deliberação tomada pela Comissão Política Nacional daquele partido político, em 3 de Março de 2009, que recusou a homologação da candidatura a Presidente da Câmara Municipal de Leiria de José António Silva e que indigitou como candidata Isabel Damasceno.

Em suma, entende a impugnante que:

“I - DOS FACTOS

  1. A Comissão Política de Secção de Leiria do Partido Social Democrata (PSD), ora impugnante, pediu a intervenção do Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) do PSD para avaliar a legalidade e anular a deliberação de rejeição, por parte da Comissão Política Nacional (CPN) do PSD, da homologação da candidatura do militante José António Silva à presidência da Câmara Municipal de Leiria, tendo em vista o acto eleitoral previsto para o ano em curso, a qual fora proposta, por mais de uma vez e por unanimidade, pela impugnante e fora aprovada, também por mais de uma vez e por unanimidade, pela Comissão Política Distrital de Leiria do PSD, o que fez por carta de 14 de Abril de 2009 (cfr. Docs. 1, 2, 3 e 4).

  2. Posteriormente, por carta de 21 de Abril de 2009, a ora impugnante insistiu junto do mesmo Conselho de Jurisdição Nacional acerca do assunto supra referido, questionando ainda a legalidade da designação de outra pessoa para a candidatura à Presidência da Câmara Municipal de Leiria – in casu, a Dra. Isabel Damasceno –, por escolha da Comissão Política Nacional e à revelia da Comissão Política Distrital de Leiria e da Comissão Política de Secção de Leiria, pedindo, em conformidade, a sua anulação (cfr. Docs. 1 e 5).

    (…)

  3. Em 28 de Maio de 2009, a ora impugnante comunicou ao Conselho de Jurisdição Nacional a constituição de mandatário para o efeito do processo aí pendente, que juntou procuração e requereu que qualquer decisão proferida no respectivo âmbito lhe fosse notificada (cfr. Doc. 6).

  4. Só a 8 de Julho de 2009 é que o Conselho de Jurisdição Nacional terá deliberado acerca dos pedidos formulados pela impugnante, julgando-os improcedentes, com fundamento em que, por um lado, o poder de homologação da Comissão Política Nacional compreenderia o poder de escolher outro candidato e, por outro lado, não haveria obrigação de comunicar a fundamentação da rejeição da homologação do candidato proposto (cf. Doc. 1).

  5. Tal acórdão não foi ainda notificado à impugnante, apesar das diligências pessoais feitas pelo seu presidente — que foi confrontado com a resposta, também verbal, de que o funcionário encarregado de proceder a esse acto estaria de férias (!) – e da insistência do mandatário da impugnante, ora signatário, feita a 17 de Julho (cfr. Doc. 7).

  6. Tal omissão faz recear que exista uma intenção deliberada de evitar o exercício de direitos por parte da ora impugnante, o que, a ser verdade, é jurídica, política e eticamente muito censurável.

    II - DA LEGITIMIDADE, DA TEMPESTIVIDADE E DA ADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL

  7. A ora impugnante tem legitimidade para apresentar a presente impugnação, nos termos do art. 31.º n.º 2 da Lei n° 2/2003.

  8. A impugnação é tempestiva, uma vez que a impugnante ainda não foi notificada do acórdão em apreço, cujo texto não assinado obteve, há escassos dias, por via meramente particular, pelo que o PSD deve ser notificado, nos termos do art. 103º-C da LTC, para juntar exemplar do acórdão devidamente assinado.

  9. A presente acção de impugnação corre os termos previstos nos arts. 103º-D da LTC, com remissão para os nºs 2 a 8 do art. 103º-C da mesma lei, pelo que o meio processual utilizado é adequado para o fim em vista.

    III – DA VIOLAÇÃO DOS ESTATUTOS DO PSD

    (…)

  10. Segundo o art. 51.º n.º 5 da CRP, os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e gestão democráticas e da participação de todos os seus membros, valores que se encontram igualmente salvaguardados quer na Lei nº 2/2003, quer nos estatutos do PSD (cfr. Doc. 8).

  11. Em sede de escolha dos candidatos para as eleições autárquicas, tais princípios concretizam-se, no âmbito do PSD, nas seguintes normas estatutárias que ora relevam:

    1. No art. 53.º n.º 2-f), quando estabelece que compete à Comissão Política de Secção propor à Comissão Política Distrital as listas de candidaturas aos órgãos das autarquias locais, ouvidas as estruturas aí referidas;

    b) No art. 41° n° 2-d), quando prescreve que compete à Comissão Política Distrital aprovar tais listas de candidatura, sob proposta da Comissão Política de Secção;

    c) No art. 21.º n.º 2 -i), quando estipula que compete à Comissão Política Nacional homologar a designação dos candidatos à presidência das Câmaras Municipais.

    (…)

  12. É neste contexto que cumpre interpretar o preceito do art. 21º nº 2-i) dos estatutos do PSD, no que respeita ao poder de homologação da Comissão Política Nacional do PSD na escolha dos candidatos do partido à presidência das Câmaras Municipais.

  13. Segundo o acórdão ora impugnado, tal poder inclui a possibilidade não só de homologar ou não homologar – o que é seguramente indiscutível –, como ainda o de não fundamentar a recusa de homologação e o de escolher livremente outro candidato para o fim em vista.

  14. Estriba-se o Conselho de Jurisdição Nacional naquilo a que denomina de princípio da hierarquia, que seria indispensável para evitar bloqueios na vida do partido.

  15. Ressalvado o devido respeito, tal acórdão enferma de uma visão autocrática, que viola regras inequívocas dos estatutos do partido, como ainda os princípios de raiz democrática que o iluminam.

  16. A homologação – tal como a ratificação (no sentido de ratificação – confirmação) ou a aprovação (no sentido de aprovação do que já foi definitivamente deliberado por outro órgão e não no sentido de deliberação sobre uma proposta) ou outras situações de actos sobre actos — é um conceito que se desenvolveu no âmbito do direito administrativo à luz de um princípio de repartição de competências, em que quem homologa — tal como quem ratifica ou quem aprova — não pode modificar o conteúdo do acto sobre que incide, cabendo-lhe apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo, total ou parcialmente (ou, no limite, estabelecendo condições ou outras estipulações acessórias, que não ponham em causa o conteúdo essencial do acto homologado).

  17. É o que escreve lapidarmente JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ: “E deve ainda considerar-se necessários, para que se possa falar de homologação, que a autoridade homologante não disponha, na matéria considerada, de outro poder que não seja o de aceitar ou rejeitar o teor da decisão sugerida ou proposta. Esta última restrição corresponde a afirmar a existência, entre os dois órgãos – o autor do acto homologatório e o autor do acto homologado –, de uma espécie de partilha de poderes, fundada no propósito de associar diferentes tipos de legitimidade para a produção com o mesmo resultado”. (cfr. “Dicionário Jurídico da Administração Pública”, Vol. V, pág. 90 e ss.; sobre esta matéria e no mesmo sentido, ver ainda, na mesma obra, HENRIQUE MARTINS GOMES, Vol.l, pág. 425 e ss. e JOSÉ PEDRO FERNANDES, Vol. VII, pág. 9 e ss.; FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, 1989, Vol. III, pág. 138 e ss.; MARCELO CAETANO, in “Manual de Direito Administrativo”, 10ª ed., Vol. I, pág. 461 e ss.).

  18. Só assim não é, quando a lei ou os estatutos atribuem à entidade homologante um poder de tutela substitutiva e, mesmo assim, no âmbito dos poderes para o efeito previstos (como, no quadro do procedimento administrativo, é pacífico – cfr. art. 177º nº 4 do CPA).

  19. Continuando esta incursão no campo do direito administrativo, parece igualmente indiscutível que a entidade com poder para homologar – caso rejeite o acto sobre que incide – tem o dever legal de fundamentar a não homologação, como decorre dos princípios gerais que regem essa matéria, os quais têm assento quer no art. 268º nº 3 da CRP, quer no art. 124º nº 1 do CPA.

  20. É inquestionável a obrigação de fundamentar quando se decide contra um parecer ou uma proposta oficial, bem como quando se afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. art. 124º nº 1-a) e c) do CPA).

  21. O problema seguinte é o de saber se os princípios acima identificados na área do direito administrativo têm aplicação aos estatutos dos partidos políticos.

  22. Concentrando-nos no caso do PSD, a resposta só pode ser no sentido afirmativo, já que os estatutos ressalvam expressamente os valores do Estado de Direito e estão elaborados de forma a densificar os princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação.

  23. In casu, por que razão é que os estatutos do PSD conferem ao Conselho Nacional a competência para aprovar as listas de candidatura à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, enquanto conferem à Comissão Política Nacional apenas o poder de homologar a designação dos candidatos do partido à presidência das Câmaras Municipais (cfr. arts. 18.º n.º 2-g) e 21.º n.º 2- g) dos estatutos)?

  24. A razão decorre da forma como os estatutos do partido articularam os princípios da gestão democrática e da hierarquia.

  25. À luz dos estatutos do partido, o caminho para candidato a deputado é o seguinte: a Comissão Política de Secção dá parecer; a Comissão Política Distrital propõe; a Comissão Política Nacional apresenta a lista de deputados ao Conselho Nacional; o Conselho Nacional aprova tais listas.

  26. Por outro lado, o caminho para candidato à presidência da Câmara é o seguinte: a Comissão Política de Secção propõe, a Comissão Política Distrital aprova, a Comissão Política Nacional homologa.

  27. A...

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