Acórdão nº 238/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 238/2016

Processo n.º 384/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

  1. O Ministério Público instaurou no Tribunal do Trabalho de Penafiel ação declarativa de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho entre a trabalhadora B. e a Ré. Na audiência de discussão e julgamento foi tentada e conseguida a conciliação, nos termos do artigo 186.º-O do CPT, a qual foi homologada, não obstante a oposição do Ministério Público.

  2. Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 26 de janeiro de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.

  3. Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

    “(...)

  4. Os preceito legais onde se encontram vertidas as normas jurídicas, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, são os artigos 186.º-L, n.º 4 e o 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

  5. A dimensão normativa extraída dos referidos preceitos legais, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação dos aludidos preceitos no sentido de reconhecer ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação

  6. E, bem assim, no sentido de apenas ser permitida a intervenção do putativo trabalhador na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se aquela intervenção acompanhar e não se opuser ao pedido formulado pelo Ministério Público na petição inicial, quer na fase dos articulados (artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT), quer na fase da audiência de partes (artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT)».

  7. A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

    1ª O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de janeiro de 2015, que interpretou e aplicou as normas jurídicas contidas nos artigos 186.º-L, n.º 4 e 186.º-O, n.º 1, ambos do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.

    2ª A dimensão normativa extraída dos referidos preceitos legais, cuja conformidade constitucional se suscita, é aquela que resulta da interpretação dos aludidos preceitos no sentido de reconhecer ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação [artigos 186.º-L, n.º 4, e 186.º-O, n.º 1, do CPT]

    3ª E, bem assim, no sentido de apenas ser permitida a intervenção do putativo trabalhador na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se aquela intervenção acompanhar e não se opuser ao pedido formulado pelo Ministério Público na petição inicial, quer na fase dos articulados [artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT], quer na fase da audiência de partes [artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT].

    4ª No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto julgou inválida a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

    5ª Fê-lo com fundamento em que “a pretensão da nova lei, ao instituir meios de combate a uma prática generalizada, socialmente danosa pela subtração à proteção laboral, afetando ainda a Segurança Social e a Administração Fiscal, serve um interesse maior e diverso do interesse privado de cada trabalhador/falso prestador” e que, na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, “não estando em causa o interesse privado do trabalhador, não pode ele dispor do direito – tanto mais que no caso dos autos nem aderiu nem apresentou articulado próprio – que o Ministério Público prossegue nesta ação, razão pela qual não poderia ter sido homologada a intitulada «transação»” (pp. 32-33).

    6ª A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.

    7ª A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo trabalhador outro meio para a obtenção da tutela legal que lhe é devida, com eficácia acrescida por efeito de tramitação processual mais célere e do patrocínio pelo Ministério Público.

    8ª Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.

    9ª Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.

    10ª A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.

    11ª Atento aquele objeto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autónomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial.

    12ª Da atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar a ação não resulta que esta prossiga interesse público que se deva sobrepor ao interesse privado dos titulares da relação jurídica objeto de qualificação, bem como que o Ministério Pública assuma a posição de autor da ação, com os corolários (i) do papel meramente acessório ou de assistência do putativo trabalhador e (ii) da subordinação da vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público.

    13ª Pelo contrário, o alegado trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação, podendo tomar posição sobre o litígio, apresentando articulado próprio (artigo 186.º-L/4 do CPT).

    14ª A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, contrariamente ao que defende o tribunal recorrido, pelo que o putativo trabalhador pode nele sustentar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços.

    15ª Após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e empregador, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT).

    16ª No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo que venha a ser por aqueles alcançado esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista apenas é válida quando se traduza no reconhecimento da natureza laboral do contrato.

    17ª A liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º da CRP, compreende diversas componentes, entre as quais o direito de escolher o regime de trabalho, isto é, o direito de optar por prestar a sua atividade profissional em regime de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.

    18ª O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade e constitui expressão dessa vontade.

    19ª Da interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto do regime da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, em especial dos artigos 186.º-N, n.º 4 e 186.º-O, n.º 1 do CPT, decorre a possibilidade de haver contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em ação judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles.

    20ª O que significa que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modificar a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem em Tribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação.

    21ª Porém, do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho decorre, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho.

    22ª O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.

    23ª O entendimento preconizado no acórdão recorrido é, aliás, contrário ao sustentado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente ação e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral”, sendo que, “nas situações […] em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral, não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remunerada) pretende que a relação...

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