Acórdão nº 245/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 245/2016

Processo n.º 767/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

  1. O Ministério Público instaurou ação declarativa de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho entre a trabalhadora B. e a Ré. Na audiência de discussão e julgamento foi tentada e conseguida a conciliação, nos termos do artigo 186.º-O do CPT, a qual foi homologada, não obstante a oposição do Ministério Público.

  2. Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 26 de maio de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.

  3. Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

    “(...)

  4. O preceito legal onde se encontra vertida a norma jurídica, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, é o artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

  5. A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do aludido preceito no sentido de da conciliação aí prevista apenas pode resultar um acordo de “estrita legalidade”, isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho,

  6. sendo irrelevante qualquer manifestação de vontade dos putativos trabalhador e empregador, sem sentido diverso da pretensão formulada pelo Ministério Público.

  7. reconhecendo-se, assim, a este magistrado, direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e à posição assumida pelas partes da relação material controvertida na audiência de partes».

  8. A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

    1.ª O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de maio de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.

    2.ª A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do mesmo no sentido de que da conciliação aí prevista apenas pode resultar um acordo de “estrita legalidade”, isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, sendo irrelevante qualquer manifestação de vontade dos putativos trabalhador e empregador, em sentido diverso da pretensão formulada pelo Ministério Público, daí resultando o reconhecimento a este magistrado de direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e à posição assumida pelas partes da relação material controvertida na audiência de partes.

    3.ª No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto julgou inválida a transação efetuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

    4.ª Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não pode relevar qualquer manifestação de vontade dos alegados trabalhador e empregador que seja contrária à pretensão formulada na petição inicial, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos e por esta ação ter sido proposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor, decidindo, por isso, que é ilegal – não podendo ser homologado – o acordo obtido pelos contraentes da relação material controvertida, em sede de audiência de partes, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

    5.ª Verifica-se, portanto, coincidência entre o fundamento da decisão recorrida e o objeto do presente recurso, tal como definido no requerimento de interposição de recurso.

    6.ª A consagração no processo do trabalho da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.

    7.ª A referida ação não visa prosseguir interesse público, de toda a coletividade, mas conferir a cada putativo trabalhador um meio acrescido para a obtenção da tutela legal que lhe é devida.

    8.ª Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.

    9.ª Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da ação é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.

    10.ª A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objeto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.

    11.ª Atento aquele objeto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autónomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial.

    12.ª Da atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar a ação não resulta que esta prossiga interesse público que se deva sobrepor ao interesse privado dos titulares da relação jurídica objeto de qualificação, bem como que o Ministério Pública assuma a posição de autor da ação, com os corolários (i) do papel meramente acessório ou de assistência do putativo trabalhador e (ii) da subordinação da vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público.

    13.ª Pelo contrário, o alegado trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação, podendo tomar posição sobre o litígio, apresentando articulado próprio (artigo 186.º-L/4 do CPT).

    14.ª A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, pelo que o putativo trabalhador pode nele sustentar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços.

    15.ª Por outro lado, após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e empregador, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT).

    16.ª No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo que venha a ser por aqueles alcançado esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista apenas é válida quando se traduza no reconhecimento da natureza laboral do contrato.

    17.ª A liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º da CRP, compreende diversas componentes, entre as quais o direito de escolher o regime de trabalho, isto é, o direito de optar por prestar a sua atividade profissional em regime de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.

    18.ª O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade e constitui expressão dessa vontade.

    19.ª Da interpretação feita pelo Tribunal da Relação doe Porto do regime da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, em especial do artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT, decorre a possibilidade de haver contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em ação judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles.

    20.ª O que significa que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modificar a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem em Tribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação.

    21.ª Porém, do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho decorre, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho.

    22.ª O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.

    23.ª O entendimento preconizado no acórdão recorrido é, aliás, contrário ao sustentado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente ação e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral”, sendo que, “nas situações […] em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral, não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime...

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