Acórdão nº 149/16 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução09 de Março de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 149/2016

Processo n.º 965/15 3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em que é recorrente A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 707/2015 (de fls. 531-540), a qual, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu não conhecer do objeto do presente recurso. Fê-lo com os seguintes fundamentos:

    II - Fundamentação

    (…)

    7. Cumpre, primeiramente, delimitar o objeto do presente recurso de constitucionalidade em atenção ao requerido pelo recorrente no respetivo requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade e ao teor das alegações de recurso junto do Tribunal ora recorrido, no confronto com o que foi decidido pelo Tribunal a quo, no acórdão ora recorrido.

    7.1 De acordo com o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, pretende o recorrente que seja apreciada a questão de inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, assim enunciada: «quando interpretado no sentido de que se aceita a exigência de prova nos casos em que é de impossível cumprimento por parte do contribuinte».

    7.2. Na peça processual indicada pelo recorrente como o momento em que suscitou a questão de constitucionalidade junto do TCAN, ora recorrido - «alegações do Recurso que foi interposto (…) pelo ora requerente junto Tribunal Central Administrativo do Norte», apresenta o ora recorrente as razões da sua discordância, sustentando que (cfr. fls. 392 e 392-verso):

    (…) é para o recorrente patente que a exigência, quer no âmbito da inspecção, quer no quadro da produção judicial da prova, da demonstração dos fluxos financeiros, quando os próprios bancos declararam não possuir tal informação e quando, corno resultou demonstrado - e num quadro de normalidade assim sempre o será - inexistem testemunhas capazes de demonstrar a entrega de montantes pecuniários avultados num horizonte temporal de mais de 12 anos, é introduzir um ónus de prova IMPOSSÍVEL de cumprir.

    E criando-se um nível de exigência de prova absolutamente incompatível com o princípio da segurança jurídica, proporcionalidade e tutela jurisdicional efectiva, está a abrir a porta para que se conclua ser, a este nível, inconstitucional a regra constante do art. 89°-A n.º 3 da LGT.

    Ora, daqui resulta que o Tribunal manteve o ónus da responsabilidade da produção de prova sobre o contribuinte, mas, em concreto e de facto, limitou a acção probatória do recorrente.

    Deste modo, o Tribunal elevou o nível de exigência que em sede probatória resulta para o contribuinte a norma de inversão a que vimos fazendo referência.

    É justamente neste sentido que o recorrente afirma que a regra em apreciação é inconstitucional.

    Com efeito, se se percebe e entende que via de regra o contribuinte, porque o estará em condições de o fazer, deve demonstrar os fluxos financeiros que atestam que determinado "acréscimo patrimonial" não é um verdadeiro acréscimo, mas sim o retorno de uma disponibilidade anterior ao ano sindicado, não se aceita que tal exigência de prova se estenda a situações em que, pela própria natureza das coisas, não é possível a prova dessa relação directa.

    Não é, pois, admissível que a norma em causa [o n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT], consagre e muito menos autorize a AT e o Tribunal a exigir uma verdadeira "prova diabólica" ou impossível na prática, sendo que sufragar-se o entendimento da sentença recorrida inviabiliza, de todo, a possibilidade de prova por parte dos contribuintes recorrentes.

    Desrespeitando o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da necessidade e do equilíbrio e consequentemente o princípio da garantia dos contribuintes e da tutela jurisdicional efectiva.

    .

  2. Ora, desde logo, a questão assim colocada, quer perante o Tribunal Constitucional, quer perante o Tribunal recorrido, não consubstancia uma questão de constitucionalidade normativa que possa vir a ser sindicada no presente recurso. Sucede apenas que o ora recorrente discorda do juízo concreto que a sentença de 1ª instância – corroborada pelo acórdão do TCAN, ora recorrido – formulou acerca da aplicação do regime normativo em causa à situação em análise.

    Com efeito, o Recorrente faz decorrer a questão da alegada inconstitucionalidade do modo como, em concreto, foi aplicado o direito infraconstitucional pelo tribunal a quo, já que defende ter sido exigida uma prova de cumprimento impossível, assim se violando os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da tutela jurisdicional efetiva.

    Da respetiva formulação – reportada às circunstâncias concretas da situação do recorrente (pois, segundo alega junto do TCAN, a exigência de demonstração dos fluxos financeiros, quando os bancos declararam não possuir tal informação, seria «introduzir um ónus de prova IMPOSSÍVEL de cumprir», cfr. alegações de recurso para o TCAN, Conclusão J, fls. 426-verso) – decorre claramente que a discordância manifestada pelo recorrente incide sobre matéria cujo conhecimento não cabe a este Tribunal, dirigindo-se à decisão do Tribunal recorrido e não à norma impugnada.

    O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais.

    Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):

    A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.

    .

    E se o que está em causa no presente recurso de constitucionalidade é a decisão do Tribunal recorrido na aplicação da lei ao caso vertente, afigura-se ocorrer a ausência de dimensão normativa do objeto do presente recurso em termos que obstam ao seu conhecimento.

  3. Mas mesmo que assim não se concluísse, procurando-se uma dimensão normativa na alegada interpretação que teria sido conferida pelas instâncias ao artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT «no sentido de que se aceita a exigência de prova nos casos em que é de impossível cumprimento por parte do contribuinte», existiria um outro motivo que sempre obstaria à admissão do presente recurso, não se encontrando preenchido, nesse caso, o pressuposto relativo à ratio decidendi, segundo o qual a alegada interpretação normativa imputada ao tribunal recorrido, cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada, deve corresponder, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada, pela decisão alvo de recurso, como seu fundamento jurídico.

    Sucede, porém, que, nos presentes autos, a alegada interpretação normativa que o recorrente fixou como objeto do recurso não corresponde, precisamente, à adotada pela decisão recorrida.

    Com efeito, o artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT, na aceção de que se «aceita a exigência de prova nos casos em que é de impossível cumprimento», não foi aplicado no acórdão do TCAN recorrido. Ao proceder à interpretação da norma contida no artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT, o TCAN não a aplicou no sentido de dela derivar a exigência de uma prova de cumprimento impossível. Concluiu algo bastante diferente. Concluiu que «a validação [da prova de que a verba em causa dizia respeito à restituição de um financiamento] não constitui prova objectivamente impossível» e, em sequência, que não se trataria, in casu, de uma questão de admissibilidade de meios de prova – que não foram limitados –, mas da respetiva credibilidade (cfr. Acórdão do TCAN, de 14/07/2015, recorrido, fls. 484-verso).

    E é por adotarem este entendimento – e não o alegado pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – que a dimensão normativa ora impugnada não corresponde à ratio decidendi da decisão recorrida, o que determina a inutilidade da sua apreciação pelo Tribunal Constitucional. E a isto não obsta a apreciação efectuada, pela decisão recorrida, da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, por aquela apreciação se reportar à tese interpretativa defendida pelo recorrente que, todavia, a decisão recorrida não acolhe.

    Tal pode ser ilustrado com as seguintes passagens do Acórdão proferido, em 14/07/2015, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, ora recorrido (a fls. 462-510-verso, em especial, cfr. fls. 483-verso-486):

    (…)

    Quanto à inconstitucionalidade do art. 89.º-A/3 da LGT quando interpretado no sentido de que faz recair sobre o contribuinte uma prova que é de impossível cumprimento, assim, violando os princípios da proporcionalidade, do princípio da indefesa e da tutela jurisdicional efectiva.

    O Recorrente defende a inconstitucionalidade do Art. 89.º-A/3 da LGT baseando-se no entendimento de que a exigência de elementos «exógenos» de prova de que o ingresso do €525.000.00 resulta de um empréstimo/financiamento efectuado em 2000 constitui uma violação aos princípios constitucionais do direito à prova. Designadamente, a exigência relativa à demonstração dos fluxos financeiros quando os próprios bancos declaram não possuir tal informação e quando inexistem testemunhas capazes de demonstrar a entrega de montantes pecuniários avultados num horizonte temporal de...

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