Acórdão nº 1267/06.6TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução07 de Julho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº1267/06.6TBVNG.P1 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1.

B......... instaurou contra Companhia de Seguros C.........., acção declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediu: A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 49.311,11 euros e juros de mora à taxa legal.

Alegou: Que celebrou com a ré um contrato de seguro de incêndio relativo a fracção que identifica.

Que em tal fracção ocorreu um incêndio que lhe provocou danos em mais de 70.000 euros.

Que limitando-se a responsabilidade da ré aquela quantia deve por ela ser responsabilizada.

Contestou a ré.

Por excepção invocou a nulidade do contrato nos termos do artº 426º do C.Com. e a limitação da sua responsabilidade à quantia de 35.768,80 euros para objectos de uso doméstico e pessoal e de 10.70,73 euros para o edifício.

Por impugnação diz desconhecer os bens que constituíam o recheio da casa.

Pede a absolvição do pedido.

Replicou a autora impugnando a matéria excepcional.

  1. Prosseguiu o processo os seus legais termos tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 40.070,73 euros acrescida de juros à taxa legal contados desde 14.02.2006, absolvendo-a do demais peticionado.

  2. Inconformada recorreu a ré.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

    1. No uso dos poderes conferidos pelo artº 712º/1 do CPC deverá, por erro de julgamento, ser alterada a resposta dada aos quesitos 1, 2 e 4 da base instrutória na parte em que neles se fixa valores, por nenhuma prova ter sido produzida sobre eles.

    2. Em face dos factos provados nos autos a sentença recorrida fez uma errada aplicação do previsto nos artºs 429º e 446º do Código Comercial, devendo antes o contrato de seguro em apreço, perante aqueles ditos factos, ser considerado nulo e não produzir quaisquer efeitos, absolvendo-se a apelante do pedido.

    3. A quantia objecto de condenação deverá sempre ser reduzida para, quando muito, € 30.070,73, por a tal ascenderem apenas os capitais seguros pela apólice em apreço, pelo que o tribunal recorrido ao exceder aquele montante violou aquele dito contrato e o previsto no artº 406º do Código Civil.

  3. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. Nulidade do contrato de seguro.

    2. Redução do quantum indemnizatório a 30.070,73 euros.

  4. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.

    Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.

    Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação - cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa ou irracional.

    Mas quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência - cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    5.1.2.

    Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais - AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Efectivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjectiva, do facto.

    - cfr.

    Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.

    Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205.

    Nesta conformidade - e como em qualquer actividade humana - existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.

    Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

    O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objectiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença convencer os interessados directos: as partes - e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.

    5.1.3.

    Nesta perspectiva constitui jurisprudência uniforme que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação.

    É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo.

    Assim, a função...

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