Decisões Sumárias nº 240/09 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução16 de Junho de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA 240/09

Processo n.º 428/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Ílhavo recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, “na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade”, cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade.

2 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:

“Apreciemos:

Dispõe o artigo 1826° do C. Civil, que: “ 1. Presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio tem como pai o marido da mãe.”

Resulta do n.º 1 do art. 1826.° do CC que a criança que nasceu ou que tão somente foi concebida na constância do matrimónio da mãe, tem como pai o marido desta. Estabelecida a paternidade de certo indivíduo através da presunção pater is est quem nuptiae demonstrant, só pode vir a ser impugnada nos termos dos arts. 1839.° e segs. do CC, como resulta expressamente a contrario sensu do art. 1838.° do mesmo diploma.

Têm legitimidade activa para impugnar a paternidade presumida por força do n.º 1 do art. 1826.°, atento o disposto no n.º 1 do art. 1839.°, ambos do CC: — o marido da mãe, ao tempo do nascimento ou da concepção; a mãe; -o filho; — o Ministério Público.

No respeitante à legitimidade passiva nas acções de impugnação de paternidade, resulta do art. 1846.° do CC que a lei exige um litisconsórcio necessário de modo que na acção figurem sempre como partes a mãe, o filho e o presumido pai , salvo quando for autor.

O marido da mãe, ao tempo do nascimento ou da concepção, só pode impugnar a sua paternidade no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, como se prescreve na ali. a), do n.º 1 do citado art. 1842.°.

A finalidade da acção de impugnação é contrariar a filiação paternal baseada na presunção estabelecida no n.º 1 do art. 1826.°do CC, é, portanto, demonstrar que o marido da mãe não é o pai biológico.

Nascido ou concebido o filho na constância do matrimónio da mãe, o autor, para obter ganho de causa tem de alegar e provar fundamentos, circunstâncias ou razões de facto tendentes a demonstrar que é manifestamente improvável que o presumido pai seja o pai verdadeiro.

Da caducidade.

Conforme resulta do disposto no artigo 1842° nº 1 a) a acção de impugnação de paternidade apenas pode ser intentada pelo marido da mãe no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade.

Para além de o conceito de “circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade” ser um conceito abstracto, com necessidade de ser objectivado pelo julgador, facto esse que terá de alicerçar-se em factos alegados e provados pelo presumido pai, a verdade é que sufragamos o entendimento plasmado no Ac. do STJ de 21.02.2008 do relator Bettencourt de Faria, in www.dgsi.pt de que o art. 1842° n.º 1 alínea a) do C. Civil, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é inconstitucional.

O Acórdão do TC nº 23/06 de 10.01, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do nº 1 do art. 1817° nº 1 do C. Civil, que prevê a extinção por caducidade do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, conforme o art. 26° nº 1 da Constituição, reconhecendo que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “direito fundamental à identidade pessoal”

No Acórdão do TC nº 609/07 de 11.12.07, versando sobre a hipótese da acção de impugnação ser movida pelo filho maior ou emancipado, onde se referiu : “as ratões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do mencionado artigo 18170, nº 1, do Código Civil estão outrossim para a disposição contida no art. 1842° nº 1, alínea c) do mesmo Código, referiu-se naquele acórdão que: “Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa, sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições. (sublinhado nosso)”.

Citando novamente o Ac. do STJ de 21.02.2008, a propósito do acórdão acabado de citar referiu-se: “Nesta decisão, o direito constitucional a salvaguardar é, por isso, também o direito à identidade, mas sem se fazer distinções entre as situações de investigação e as de impugnação, ou seja, como refere, “sempre que uma questão de filiação é colocada”. É certo que a decisão em apreço, tratava apenas da hipótese da acção de impugnação ser movida pelo filho maior ou emancipado, sendo unicamente em relação a esta modalidade que declarou a inconstitucionalidade do prazo de caducidade. Contudo, as razões aduzidas devem valer também para o caso do autor da impugnação ser o pai. Com efeito, ainda aqui, para além do autor defender um direito próprio à verdade biológica em matéria de paternidade, está também a garantir um direito à identidade do presumido filho, apesar deste se apresentar processualmente como réu. Sobretudo, tratando-se de filho menor. É, portanto e sempre, uma “questão de filiação”, nos termos referidos no citado acórdão. Nem se diga que a caducidade da acção a propor pelo pai não impede que o filho venha, mais tarde a propor a sua própria acção de impugnação, agora sem prazo. É argumento que deve funcionar em sentido contrário. O facto do investigando poder sempre impugnar, leva a considerar, até por uma questão de eficácia judiciária, que a impugnação do presumido progenitor possa sempre ser intentada. As razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advém dum quadro jurídico-familar estabilizado, mesmo que não correspondendo à verdade biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social. É este bem um caso que ilustra que a vida flui como areia por entre os dedos da lei. O que hoje causaria mais alarme social, quando os testes de ADN são de fácil acesso mesmo fora do âmbito da Justiça, é que esta fosse incapaz de reconduzir a sua verdade à verdade dos genes que de todos pode ser conhecida. Tratar-se-á duma nova ética, mas no fundo reconduz-se à ética primordial do primado da família ou comunidade natural. E isto sobreleva perante o “escândalo” de uma situação familiar com porventura dezenas de anos vir a ser “abalada”, por uma impugnação, que, pelo que já consignámos, nunca deve ser considerada tardia. O prazo em questão apresenta-se como uma salvaguarda desproporcional deste segundo grupo de valores, face à defesa do direito constitucional do direito à identidade do art. 26° nº 1 da Constituição.”

Concordando inteiramente com o entendimento perfilhado no acórdão acabado de citar e pela clareza e objectividade do mesmo, que sufragamos, dispensando quaisquer outras considerações, mais não restará que concluir pela inconstitucionalidade do art. 1842° nº 1 alínea a) do C. Civil, e consequentemente pela improcedência da alegada excepção de caducidade invocada.

Voltando ao cerne da questão suscitada nos autos e perante a prova produzida, constata-se que tal prova está feita de modo iniludível, porquanto resulta expressamente do exame hematológico realizado que o presumido pai A., ficou excluído da paternidade da menor B..

Conforme vimos o presumido pai, por força da lei tem legitimidade para intentar a vertente acção (atento o interesse que detém no estabelecimento da veracidade biológica da paternidade da menor).

Provada assim a falta de conformidade entre a paternidade declarada no registo e a paternidade biológica, mais não resta nos termos sobreditos que julgar procedente por provada a presente impugnação de paternidade com todos os seus legais efeitos.

*

Decisão:

Por todo o exposto, julgando a acção procedente, decide-se declarar:

• inconstitucional o art. 1842° nº 1 alínea a) do C. Civil, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, e consequentemente improcedente a excepção da caducidade invocada;

• a falta de conformidade entre a paternidade declarada e a paternidade biológica da menor B., constante do Assento de Nascimento nº …de .. de Novembro de 2006;

• mais se declara que a mesma não é filha de A.; e, em consequência, anula-se o respectivo registo de paternidade”.

3 – Tendo em conta que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, conhecer imediatamente do pedido, com os fundamentos seguintes.

4 – No Acórdão n.º 589/07 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal equacionou a conformidade constitucional da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, enquanto dela resulta a previsão de um prazo de caducidade de dois anos relativamente às acções de impugnação de paternidade a intentar pelo marido da mãe, “contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade”.

Esse aresto julgou a norma não inconstitucional tendo em conta a seguinte fundamentação:

“(...)

  1. O acórdão recorrido desaplicou a norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, que estipula um prazo de caducidade para a acção de impugnação de paternidade, por considerar como válidas para esse caso as considerações explanadas na mais recente jurisprudência constitucional relativamente à norma do artigo 1817º, n.º 1, do mesmo Código, quando aplicável, por força do artigo 1873º, à acção de investigação de paternidade.

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