Acórdão nº 357/09 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2009
Magistrado Responsável | Cons. Benjamim Rodrigues |
Data da Resolução | 08 de Julho de 2009 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 357/2009
Processo n.º 969/08
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Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
(Conselheiro Cura Mariano)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A Relatório
1 A. instaurou no Tribunal Judicial de Penafiel acção declarativa (processo n.º 1187/04.9 TBPNF) contra B., C. e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe uma indemnização de 276.035,00, acrescida de juros de mora, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de acidente de viação imputável à Ré B. e ao condutor não identificado de outro veículo.
Nos danos alegados estavam incluídos a perda da vida do seu filho intra-uterino e o sofrimento deste no período que antecedeu a sua morte.
Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, tendo absolvido os Réus do pedido formulado.
Inconformada, a Autora recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão proferido em 18 de Junho de 2007, julgou o recurso parcialmente procedente, tendo condenado os Réus B. e o Fundo de Garantia Automóvel a pagar à Autora a quantia de 161.972,56, acrescida de juros de mora, e absolvido o Réu C. do pedido.
O recurso não logrou provimento, além do mais, quanto à parte da decisão recorrida relativa ao pedido de indemnização pelos danos imputados à perda da vida do filho intra-uterino da Autora e do sofrimento deste no período que antecedeu a sua morte.
2 Quer a Autora quer o Fundo de Garantia Automóvel recorreram desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), questionando a correcção jurídica da resposta dada a várias questões com influência no julgado.
3 Na parte que concerne à Autora e nas alegações de recurso apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, esta alegou, entre o mais que o art.º 24.º da Constituição protege o direito à vida e integridade física e psíquica do ser humano (1); a ofensa do direito à vida intra-uterina constitui um facto ilícito gerador de responsabilidade (2); para reparar a perda do direito à vida do filho nascituro da autora é ajustada a quantia de 50.000,00 (3); deve ser fixada no montante peticionado a indemnização para reparar o sofrimento do filho da autora entre a data do acidente e a morte (4) e a não se entender assim ou seja, que o art.º 66.º do Código Civil o não permite, será tal interpretação materialmente inconstitucional, porque ofensiva do disposto no art.º 24.º da Lei Fundamental (5).
4 Por acórdão proferido em 9 de Outubro de 2008, o STJ julgou improcedente o recurso da Autora e parcialmente procedente o recurso do Fundo de Garantia Automóvel, revogando a decisão recorrida apenas no segmento em que condenou esta parte no pagamento de juros moratórios sobre a quantia de 130.000,00 a partir da citação, determinando que tais juros se vencem a partir da sentença da 1.ª instância.
5 Dizendo-se, mais uma vez inconformada, a Autora interpôs recurso do acórdão do STJ para o Tribunal Constitucional, através de requerimento do seguinte teor:
[ ] vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do douto acórdão recorrido no que tange à questão da inconstitucionalidade material suscitada nas alegações de recurso para este Tribunal, por violação do artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa que protege a inviolabilidade da vida humana, inclusive a intra-uterina cuja violação ilícita é ressarcível civilmente.
6 Convidada pelo primitivo relator a explicitar de forma clara, precisa e concisa a interpretação normativa contida na decisão recorrida cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, com a cominação prevista no artigo 75.º-A, n.º 7, da LTC, a Autora veio a apresentar um longo requerimento em que, além do mais, diz que «o objecto do recurso de inconstitucionalidade é o, salvo melhor opinião, errado entendimento sufragado pelo douto acórdão recorrido proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, na interpretação segundo a qual o artigo 24.º, n.º 1, da Lei Fundamental ao considerar a vida humana inviolável está a impor a protecção genérica da gestão humana, sem considerar o nascituro como centro autónomo de direitos»
7 Tendo sido determinada a produção de alegações sobre o recurso de constitucionalidade, a recorrente concluiu-as do seguinte jeito:
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A nossa ordem juridico-constitucional, maxime, no artigo 24.º, n.º 1, protege a vida humana desde a concepção e até à morte natural.
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A vida humana que a nossa lei fundamente protege não é a abstracta mas sim a concreta de cada ser humano, como sujeito de direitos, in casu, do filho nascituro já concebido e completamente formado da autora e ora recorrente.
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A vida humana existe desde a concepção ou pelo menos desde a nidificação ou seja da implantação do embrião no útero da mãe.
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A partir da concepção passa a existir um ser humano, sujeito de direitos, reconhecido pela ordem jurídica, com interesses próprios e diferentes dos da mãe e até com quem pode entrar em conflito e que são exercitáveis judicialmente, até pelo pai biológico.
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Se a lei fundamental tutela o bem jurídico colectivo e objectivo da identidade e inalterabilidade do património do genoma humano, mais terá de tutelar a própria vida humana por esta ser um prius em relação aquele.
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Que a vida intra-uterina é humana, maxime, a existente no embrião e feto não restam dúvidas, pois se nada impedir a sua evolução natural formar-se-á um ser humano, como aconteceu, in casu.
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A nossa lei fundamental ao proteger os mais fracos e débeis, quis, seguramente, incluir o nascituro já concebido, ou seja, a vida humana desde o seu início e até à morte natural.
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A vida humana só deve ceder em caso de conflito com outra vida humana e segundo o princípio do interesse preponderante.
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Aquando da morte do filho da ora recorrente o feto estava já completamente formado, (de termo) tendo perfeita autonomia física e psíquica em relação à mãe biológica, estando em condições de poder sobreviver à luz do dia, não fosse a agressão letal sofrida, pelo que não pode deixar de qualificar-se, pelo menos neste caso, juridicamente como um ser humano sujeito de direitos e com direito à vida.
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Na verdade se a agressão tivesse sido de menor gravidade e o feto tivesse sobrevivido a esta, este teria vindo ao mundo por cesariana ou espontaneamente, dado estar completamente formado e com total autonomia da mãe biológica, podendo, pois demandar judicialmente o agressor pelos danos materiais e morais sofridos, pelo que não faz qualquer sentido, que tendo a agressão sido letal, não possa exercitar o seu direito pela perda do seu bem mais precioso, a vida humana, o que seria juridicamente inaceitável, o que tudo bem demonstra que o feto é um ser humano cuja vida é tutelada jurídico constitucionalmente.
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Uma vez que o filho da autora à data da morte se encontrava completamente formado, com forma humana e sem deformidade e ou aleijão, como se vê dos autos, maxime, com um peso de 3.495 quilogramas, com 9 meses de gestação e com a altura de 0,515 metros, tendo falecido in útero, em consequência das lesões traumáticas meningeas, associadas à asfixia, provocadas pelo poli traumatismo sofrido pela mãe, em consequência do acidente dos autos, não pode deixar de qualificar-se o mesmo como ser humano, sujeito de direitos, incluindo o direito à vida.
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O artigo 24.º, n.º 1, da lei fundamental não distingue entre vida intra-uterina e extra-uterina, pois o que quis dizer foi que onde existir vida humana, maxime, pertença da espécie humana, dada a sua dignidade, a mesma é juridicamente tutelada como sujeito de direitos, só podendo ceder em caso de conflito com outra vida humana, sendo assim um valor absoluto, princípio e fim da sociedade humana.
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Justifica-se, assim, uma interpretação abrangente do dito normativo constitucional, de modo a incluir toda a vida humana desde a concepção e até à morte., porque toda ela merecedora de igual protecção, em especial quando é mais débil, maxime, no princípio e fim.
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Não faz assim sentido de um ponto de vista jurídico constitucional não proteger a vida humana ou proteger menos na sua fase embrionária ou fetal, pois pelo contrario resulta do texto fundamental que este quis proteger, em particular, os mais débeis e indefesos, onde se incluem os nascituros já concebidos.
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A nossa Constituição deve ser interpretada do ponto de vista espiritualista ou seja no sentido de que a mesma assimilou os valores culturais dominantes na nossa sociedade ocidental na qual a vida humana é sagrada e inviolável desde o seu início e até à morte natural.
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O filho da ora recorrente como ser humano, com dignidade própria, é um sujeito de direitos, reconhecido pela ordem jurídica, tendo assim direito à vida, por cuja perda tem direito a ser ressarcido civilmente.
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Mal andou, pois, o douto acórdão recorrido ao não reconhecer o filho da autora como ser humano e com direito à vida, reconhecido pela ordem jurídica, pelo que a perda desta é ressarcível civilmente conforme foi peticionado.
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O valor a ressarcir pela perda do direito à vida deve ser igual para qualquer ser humano não devendo ser graduado, pois trata-se de um valor absoluto e sem preço.
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Violou o douto acórdão recorrido, por erro de subsunção, o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve julgar-se, materialmente inconstitucional, por ofensa directa do artigo 24.º, nº 1 da nossa lei fundamental, a interpretação dada no douto acórdão recorrido segundo a qual o filho da ora recorrente não é, em casu, sujeito de direitos reconhecido pela ordem jurídica, tendo uma existência autónoma per se e em consequência um direito à vida, por cuja violação ilícita tem direito a ser ressarcido civilmente, ordenando-se, em conformidade, a reforma do douto acórdão recorrido, de acordo com...
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Acórdão nº 475/04.9TBANS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2013
...civil, ob. cit., vol I, pág. 272, nota 673). [17] Cfr. os votos de vencido de João Cura Mariano e Mário Torres no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 357/2009, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, em que não se conheceu do mérito da questão por razões formais, e as opiniões de JOR......
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Acórdão nº 475/04.9TBANS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2013
...civil, ob. cit., vol I, pág. 272, nota 673). [17] Cfr. os votos de vencido de João Cura Mariano e Mário Torres no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 357/2009, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, em que não se conheceu do mérito da questão por razões formais, e as opiniões de JOR......