Acórdão nº 63/2001.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução07 de Julho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB e CC, SA, pedindo que: a) se declare nula e de nenhum efeito a escritura de compra e venda celebrada entre os réus e melhor referenciada na p. i.; b) seja cancelado o registo feito na CRP de Vila Nova de Foz Côa a favor da ré e respeitante ao prédio identificado na p. i.; c) seja o memo prédio restituído ao acervo hereditário de DD, para posterior partilha pelos interessados; d) seja reconhecida ao A., em nome próprio, a propriedade de 1/35 do referido imóvel.

Alegando, para tanto, e em suma: Conjuntamente com outros interessados, seus irmãos, que melhor identifica, sucedeu a DD, tendo tido conhecimento que o prédio rústico, que também melhor descreve na sua p. i., foi vendido pelo primeiro réu à segunda ré, sem que o primeiro poderes bastantes para tal acto tivesse.

A venda é, pois, nula.

Mas também o prédio pertence em compropriedade, na proporção de 1/35, ao A., tendo o mesmo composse, há mais de 20 anos sobre o imóvel, de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé.

Apenas pertencendo ao falecido DD 6/7 de tal prédio.

Nunca podendo, pois, ser vendida a totalidade do mesmo.

Citados os réus, vieram contestar.

Alegando a ré CC, em síntese: A petição inicial é inepta.

Há ilegitimidade activa e passiva.

A compra e venda realizada manteve-se dentro dos poderes de representação que o réu BB possuía.

Alegando, por seu turno, também em síntese este mesmo réu: O prédio vendido estava registado em nome do DD.

A procuração por este outorgada conferia ao ora réu poderes bastantes para a venda efectuada.

O A. é parte ilegítima.

Respondeu o A. às excepções, pugnando pela sua improcedência Por despacho de fls 186 foi o A. convidado a praticar os actos necessários à regularização subjectiva da instância, bem como a suprir a deficiente concretização da matéria de facto da p. i.

Vieram, entretanto, os demais sucessores do falecido DD, requerer a sua intervenção na acção, fazendo seus os articulados do autor.

Por despacho de fls 227 foi admitida a requerida intervenção processual.

Foi junta nova p. i.

Foi proferido despacho saneador, tendo, alem do mais, sido julgada improcedente a ineptidão da p. i., bem como tidas as partes como legítimas.

Foram fixados os factos dados por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 594 a 599 consta.

Foi proferida a sentença, na qual, e na parcial procedência da acção, foi: 1 - declarada a ineficácia da compra e venda celebrada por escritura pública de 3 de Abril de 2000, no 2º Cartório Notarial de Torres Vedras, em que foram intervenientes, como vendedor, o réu BB, na qualidade de procurador de DD, e como compradora a ré CC, SA, relativa ao prédio rústico melhor identificado, em relação ao A. AA e intervenientes EE, GG, HH, II, JJ e KK; 2 - determinada a restituição do imóvel ao acervo da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de DD; 3 - ordenado o cancelamento do registo na CRP de Foz Côa a favor da ré CC, SA, efectuado na sequência da referida compra e venda.

Com a absolvição dos réus do pedido efectuado, do reconhecimento ao autor AA, em nome próprio, da propriedade de 1/35 do imóvel.

Inconformados, vieram os réus interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.

De novo irresignados, vieram os aludidos réus pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Constitui matéria de direito, sindicável pelo Supremo, verificar se na interpretação da declaração negocial foram ou não observados os preceitos dos arts 236.° e 238.° do CCivil, 2ª - Das modalidades de representação sobressai a representação voluntária que é dominada pela procuração enquanto negócio jurídico unilateral que permite ao representante celebrar, em nome e por conta do representado, actos com terceiros, estabelecendo a lei um conjunto de regras que visam proteger os interesses destes enquanto normas especiais de tutela da confiança, sendo que, no que concerne ao conteúdo, o negócio representativo é do Representante nele se radicando a declaração e vontade negociais.

  1. - Na interpretação da declaração negocial consagra-se, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário pelo que prevalecerá, no desconhecimento da vontade real do declarante, que o sentido decisivo da declaração é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real perante o negócio concreto.

  2. - Na interpretação dos negócios formais é admissível o recurso a elementos exteriores ao contexto do documento, sendo que a vontade real dos declarantes pode ser indagada através de quaisquer meios de prova, não sendo essa circunstância impeditiva da possibilidade do recurso a elementos estranhos ao documento (a letra do negócio, as suas circunstâncias, o tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos) desde que o resultado tenha no documento o mínimo de correspondência devendo a vontade negocial transparecer, de algum modo, ainda que imperfeitamente, dos termos constantes do próprio documento.

  3. - O teor dos documentos, designadamente fls. 373 e 375, suportado nos demais que em sede de instrução da causa foram juntos pela ora Recorrente aos autos com o seu requerimento de produção de prova, em manifesta conexão com os que haviam sido considerados e dados como provados em decisão judicial proferida no âmbito do processo comum colectivo n° 242/00.9 TAPRG do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, conforme certidão do respectivo acórdão cuja junção foi admitida na audiência de discussão e julgamento, relevam quanto a aspecto particular (na medida em que claramente se reportam á venda do prédio em causa e ao preço por hectare da venda do imóvel e à relevância deste quando confrontado com o preço por hectare do direito de plantio) que deve ser convocado à interpretação dos poderes conferidos pela procuração, tendo em vista uma justa composição do litigio numa maior aproximação à verdade material.

  4. - A força probatória dos documentos particulares é circunscrita à materialidade das declarações neles produzidas já que apenas fazem prova plena da conformidade da vontade declarada e não de quaisquer outros factos pelo que a mesma se esgota no seu teor, nos factos compreendidos na declaração; Mas sendo irrelevantes as afirmações de factos introduzidas nas alegações de recurso mas não apoiadas na matéria de facto provada, tal irrelevância já não ocorre no caso dos factos notórios ou daqueles que o Tribunal toma conhecimento no exercício das suas funções; são factos que relevam à interpretação do documento, feita por recurso ou à face do disposto dos arts 236.° e 238.° do CCivil.

  5. - Relevam igualmente à interpretação destes poderes a circunstância da procuração ter sido conferido no interesse do procurador, desde logo considerando que os sucessores do dominus não invocaram qualquer vício de vontade deste aquando da atribuição de poderes ao Representante, que o vício enformador do acto ineficaz nunca se sana pelo mero decurso do tempo, carecendo de...

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