Acórdão nº 100/16 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 100/2016

Processo n.º 1021/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa, em 1 de outubro de 2014, que adotou uma certa interpretação da norma contida no n.º 4 do artigo 19º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, “EBF”), por entender que a mesma se encontra ferida de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13º e no artigo 104º da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”).

  2. Fê-lo com os seguintes fundamentos (fls. 4 a 6):

    1. Por acórdão arbitral de 01/10/2014, notificado ao ora Recorrente por email de 02/10/2014, foi julgado totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra as correções efetuadas pela inspeção tributária e refletidas na liquidação adicional de IRC nº 20138310012571, relativa ao exercício de 2009.

    2. O objeto do presente recurso incide, apenas, sobre a correção que fez acrescer à matéria coletável a importância de 1.575,00 €, tendo por fundamento o disposto no nº 4 do art. 19º do EBF, por se considerar que os encargos suportados pela Requerente com a trabalhadora A. não são suscetíveis de beneficiar da majoração prevista para a criação líquida de emprego, visto tratar-se de uma trabalhadora que integra o agregado familiar da respetiva entidade patronal, por ser casada com B., membro do conselho de administração da Requerente.

    3. Em sede de probatório, consta como matéria de facto assente nos autos, com relevância para a apreciação do presente recurso, que:

    i) A. é funcionária da Requerente – cfr. facto provado 111.1.13;

    ii) A. é esposa de B., membro do conselho de administração da Requerente – cfr. facto provado 111. 1. 14;

    iii) A correção relativa à dedução ao rendimento por benefício fiscal de incentivo à criação de emprego para jovens, no montante de 1.575,00 €, é relativa ao beneficio constante do artigo 19º do EBF, no tocante a A. - cfr. facto provado 111.1.16.

    4. Na aplicação do direito aos factos, o Tribunal Arbitral concluiu que estes não são subsumíveis ao nº 4 do art. 19º do EBF, beneficiando, por conseguinte, da majoração prevista para a criação líquida de emprego, julgando a liquidação controvertida, na parte ora em apreço, ferida de vício de violação de lei por erro sobre os respetivos pressupostos de direito.

    5. A AT não se conforma com a decisão arbitral sob recurso por entender que a mesma assenta numa interpretação do nº 4 do art. 19º do EBF que é manifestamente contrária à CRP, sendo que a inconstitucionalidade de tal interpretação foi expressamente suscitada e defendida pela ora Recorrente, então Requerida, nos arts. 45º a 96º da Resposta apresentada aos autos de pronúncia arbitral, muito embora a mesma não tenha sido objeto de qualquer apreciação pelo Tribunal Arbitral.

    6. Na verdade, a interpretação normativa ora recorrida esvazia a norma contida no nº 4 do art. 19º do EBF do seu verdadeiro alcance e sentido útil, retirando-lhe aplicabilidade à generalidades das situações que o legislador pretendeu afastar do benefício fiscal em apreço, revelando-se, deste modo, contrária à CRP, ao tratar de forma desigual situações idênticas. discriminado o tratamento jurídico-tributário dos sujeitos passivos que sejam pessoas singulares face ao tratamento jurídico- tributário dos restantes sujeitos passivos.

    Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio, consagrado no art. 13ºe no art. 104ºda CRP

    7. A aplicação e interpretação na norma em causa, acolhida pelo douto acórdão, na parte objeto do presente recurso, foi impugnada pela AT com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consignado nos artigos 13º e 104º da CRP, mormente nos arts. 90º a 950 da resposta apresentada.

    8. Sintetizando, a AT defendeu que a norma em causa pretende estabelecer um requisito negativo para a atribuição de um benefício fiscal, assim obviando a utilizações abusivas, que resultarão na correspondente perda de receita fiscal e na oneração dos demais contribuintes.

    9. Se a norma é interpretada como aplicando-se somente aos empresários em nome individual – pois somente estes têm agregado familiar, no sentido biológico – tal resulta numa discriminação entre empresários em nome individual e empresas constituídas sob um qualquer tipo societário, discriminação esta que resulta perfeitamente arbitrária, pois perfeitamente destituída de fundamento em termos de teleologia da norma.

  3. Respigamos da decisão arbitral o passo relevante para o caso (fl. 38):

    IV.4. Da desconsideração da dedução relativa ao benefício de criação de 1 emprego conforme artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

    De acordo com o n.º 4 do artigo 19.º do EBF para efeitos de criação líquida de postos de trabalho não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respetiva entidade patronal.

    A Requerida considerou não dedutíveis os encargos suportados com a funcionária A., esposa de um administrador da Requerida. Ora, a entidade patronal desta funcionária é, efetivamente, a Requerente (a qual, por ser pessoa coletiva não possui agregado familiar) e não o seu Conselho de Administração.

    Refira-se, a este respeito, que a argumentação da AT explanada nos pontos 45 a 96 da sua Resposta poderá eventualmente relevar numa perspetiva de jure constituendo mas não pode ser aceite dejure constituto.

    A AT viola frontalmente as boas regras de hermenêutica jurídica quando considera resultar do texto da lei a interpretação que defende, ou seja, de que na expressão entidade patronal do texto do artigo 19.º, n.º4, do EBF, se incluem os órgãos daquela, designadamente os membros do Conselho de Administração (porque não também os membros do Conselho Fiscal? E da Mesa da Assembleia Geral?).

    Assim, considera este Tribunal igualmente improcedente a não consideração da dedução a título de criação líquida de emprego alegada pela Requerida, entendendo que, também quanto a este ponto, a correção à matéria coletável efetuada não tem fundamento legal, pelo que enferma do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.

  4. Recebido o recurso, foram notificados para alegar o recorrente e a recorrida, C., Lda.

    O recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu (fls. 67 a 74):

    A. A parte da decisão arbitral sob recurso assenta numa interpretação do nº 4 do art. 19º do EBF manifestamente contrária à CRP, sendo que a inconstitucionalidade da norma, com tal...

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