Acórdão nº 128/16 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 128/2016

Processo n.º 759/2015

  1. Secção

    Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

    Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

    1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente a A., S.A., e é recorrido o Ministério Público, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), foi interposto recurso, em 9 de junho de 2015 (fls. 488 a 491), do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de maio de 2015 (fls. 458 a 482), que julgou procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, em 15 de dezembro de 2014 (fls. 401 a 410), da decisão de homologação do acordo entre trabalhadora e ré, de 10 de dezembro de 2014 (fls. 395 a 398).

    2. Notificada para o efeito, em 29 de outubro 2015 (fls. 499 a 552), a recorrente produziu alegações de onde se retiram as seguintes conclusões:

    “CONCLUSÕES:

  2. O presente recurso tem por objecto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Maio de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de acção e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.

  3. A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do mesmo no sentido de que da conciliação aí prevista apenas pode resultar um acordo de “estrita legalidade”, isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, sendo irrelevante qualquer manifestação de vontade dos putativos trabalhador e empregador, em sentido diverso da pretensão formulada pelo Ministério Público, daí resultando o reconhecimento a este magistrado de direito autónomo de prosseguimento da acção, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e à posição assumida pelas partes da relação material controvertida na audiência de partes.

  4. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto julgou inválida a transacção efectuada, em sede de audiência de partes, pelos putativos trabalhador e empregador, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

  5. Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não pode relevar qualquer manifestação de vontade dos alegados trabalhador e empregador que seja contrária à pretensão formulada na petição inicial, por estarem alegadamente em causa na acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, interesses públicos e por esta acção ter sido proposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor, decidindo, por isso, que é ilegal – não podendo ser homologado – o acordo obtido pelos contraentes da relação material controvertida, em sede de audiência de partes, no sentido de que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços.

  6. Verifica-se, portanto, coincidência entre o fundamento da decisão recorrida e o objecto do presente recurso, tal como definido no requerimento de interposição de recurso.

  7. A consagração no processo do trabalho da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho constituiu instrumento para enfrentar a tendência para a fuga ilícita ao Direito do Trabalho, por via da contratação de falsas prestações de serviços.

  8. A referida acção não visa prosseguir interesse público, de toda a colectividade, mas conferir a cada putativo trabalhador um meio acrescido para a obtenção da tutela legal que lhe é devida.

  9. Uma vez iniciada a instância, o interesse protegido em cada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é o do sujeito da concreta relação jurídica em apreço.

  10. Assim sendo, o titular do interesse processualmente protegido e autor da acção é o putativo trabalhador, cujo contrato de trabalho pretende ver reconhecido.

  11. A acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é de simples apreciação positiva, estando o objecto do processo limitado à qualificação do vínculo contratual.

  12. Atento aquele objecto, a decisão do processo apenas produz efeitos entre as partes da relação contratual a qualificar, dela não decorrendo consequências jurídicas para outras relações jurídicas conexas com o trabalho autónomo ou subordinado, designadamente de natureza tributária ou previdencial.

  13. Da atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar a acção não resulta que esta prossiga interesse público que se deva sobrepor ao interesse privado dos titulares da relação jurídica objecto de qualificação, bem como que o Ministério Pública assuma a posição de autor da acção, com os corolários (i) do papel meramente acessório ou de assistência do putativo trabalhador e (ii) da subordinação da vontade deste à posição prevalecente do Ministério Público.

  14. Pelo contrário, o alegado trabalhador é notificado da petição inicial e da contestação, podendo tomar posição sobre o litígio, apresentando articulado próprio (artigo 186.º-L/4 do CPT).

  15. A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, pelo que o putativo trabalhador pode nele sustentar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços.

  16. Por outro lado, após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e empregador, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT).

  17. No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo que venha a ser por aqueles alcançado esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista apenas é válida quando se traduza no reconhecimento da natureza laboral do contrato.

  18. A liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º da CRP, compreende diversas componentes, entre as quais o direito de escolher o regime de trabalho, isto é, o direito de optar por prestar a sua actividade profissional em regime de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.

  19. O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade e constitui expressão dessa vontade.

  20. Da interpretação feita pelo Tribunal da Relação doe Porto do regime da acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho, em especial do artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT, decorre a possibilidade de haver contrato (in casu, de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em acção judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles.

  21. O que significa que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modificar a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem em Tribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação.

  22. Porém, do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho decorre, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho.

  23. O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento.

  24. O entendimento preconizado no acórdão recorrido é, aliás, contrário ao sustentado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente acção e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral”, sendo que, “nas situações […] em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral, não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada actividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime laboral” (acórdão n.º 94/2015, de 3 de Fevereiro, p. 25).

  25. Prossegue o Tribunal Constitucional no sentido de que, “nessas situações, o referido regime contém suficientes garantias de esta vontade do trabalhador poder ser expressa nos autos e levada em conta, de modo a que tal situação não seja tratada como sendo um caso de trabalho subordinado”, dando como exemplo precisamente os artigos 186.º-L, n.º 4 e 186.º-O, n.º 1 do CPT, para sustentar que o regime “garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua actividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho (designadamente por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral)” (cfr. p. 26 do referido acórdão).

  26. A interpretação da norma do artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT, defendida pelo Tribunal da Relação do Porto, no sentido de que da conciliação aí prevista apenas resultar um acordo de “estrita legalidade”, isto é, o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, sendo irrelevante qualquer...

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