Acórdão nº 2620/08.6TBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2009
Magistrado Responsável | DR. ARLINDO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra "A..., intentou o presente procedimento cautelar de apreensão de veículo automóvel, contra B..., já ambos identificados nos autos, com o fundamento em, no desenvolvimento da actividade de financiamento de aquisições a crédito, nomeadamente de veículos automóveis, ter celebrado com o requerido, em 28 de Junho de 2006, o contrato que teve por objecto o financiamento da quantia de 21.750,00 €, que este destinou à aquisição de um veículo automóvel, de marca Mini, modelo One, com a matrícula C..
, de que se acha junta cópia a fl.s 7 e 8, aqui dado por reproduzido.
Como condição da celebração de tal contrato e como garantia do seu bom cumprimento, exigiu o ora requerente a constituição de reserva de propriedade, a seu favor, sobre o mencionado veículo, o que, assim, veio a verificar-se, mediante a venda da mencionada viatura ao ora requerido, com tal reserva de propriedade, a qual se acha registada a seu favor, cf. certidão de fl.s 9, aqui, igualmente, dada por reproduzida.
De tal contrato decorria para o requerido a obrigação de pagar ao requerente uma prestação mensal no montante de 331,89 €, por um período de 60 meses e uma no valor de 8.925,00 €, sendo que aquele não efectuou o pagamento das prestações vencidas em 05/09 e 05/10/2008, no montante de 331,89 €, cada, que, ainda, não pagou.
Em face do que o requerente, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 27/10/2008, concedeu ao requerido um prazo suplementar de 8 dias para pagamento de tais quantias, sob pena de se considerar o contrato automaticamente rescindido nessa data, cf. doc.s de fl.s 10 a 12, aqui dados por reproduzidos e que o requerido recepcionou.
Não obstante, decorrido tal prazo, o requerido ainda não pagou as quantias em dívida nem procedeu à entrega da viatura em causa.
Fundamenta o pedido de entrega da viatura na reserva de propriedade de que beneficia.
Conclusos os autos ao M.mo Juiz, este, conforme despacho de fl.s 18, ordenou se procedesse à citação do requerido para se opor, querendo ao pedido contra si deduzido.
Este, não obstante regularmente citado (cf. fl.s 21), não deduziu oposição nem interveio nos autos.
Após o que, o M.mo Juiz a quo, julgou improcedente a requerida apreensão de veículo, com o fundamento em não se verificarem os respectivos pressupostos, designadamente, porque não é admissível a constituição de reserva de propriedade a favor de quem não detiver a propriedade do bem transaccionado, in casu, o veículo automóvel acima identificado, o que acarreta a ilegitimidade activa da requerente, com o fundamento em que, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 16.º do DL 54/75, de 12/02, a procedência da providência cautelar requerida, impõe que o titular da reserva de propriedade coincida na mesma pessoa jurídica do vendedor, sendo que só este tem legitimidade para a propositura definitiva da acção de resolução do contrato de compra e venda, para além de que, dado o carácter especial da providência requerida, não se pode recorrer a interpretação analógica, nos termos do disposto no artigo 11.º CC, no sentido de aqui abarcar outras figuras negociais que não a alienação, designadamente, o mútuo.
Inconformado, interpôs o requerente, o presente recurso de apelação, concluindo a sua motivação do seguinte modo (resumidamente): 1. A sentença recorrida fez uma interpretação restritiva do artigo 15.º, n.º 1 do DL 54/75, de 12/2, que restringe o âmbito de aplicação do artigo 409.º CC e que não se adapta à nova realidade comercial da venda de veículos, pelo que se impõe uma interpretação actualista deste preceito, dado que existe uma clara interdependência entre o contrato de mútuo e o de compra e venda.
-
O próprio DL 359/91, de 21/9, que regula o crédito ao consumo, prevê no seu artigo 6.º, n.º 3 que o contrato de crédito que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante prestações deve indicar, entre outras condições, o acordo sobre a reserva de propriedade.
-
O artigo 9.º do CC impõe que à actividade interpretativa não basta o elemento literal das normas, devendo o intérprete atender à vontade do legislador, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias históricas da sua formulação e, numa perspectiva actualista, as condições específicas do tempo em que é aplicada, o que tudo permite a constituição da reserva de propriedade com vista a garantir os direitos de crédito emergentes de um contrato de financiamento cuja finalidade última é a de assegurar o pagamento do preço do bem ao alienante.
-
Também a tal conduz o princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405.º CC, na medida em que o comprador do veículo associa o pagamento do preço do bem ao cumprimento do contrato de financiamento (mediante o pagamento mensal da prestação), aceitando, por essa razão, que a garantia da reserva da propriedade seja constituída como garantia de cumprimento desse contrato.
-
Resulta claramente dos autos que a reserva da propriedade sobre o bem objecto dos mesmos, foi constituída para garantir o contrato de financiamento e não o de compra e venda.
-
A lei determina que se o devedor cumprir com...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO