Acórdão nº 1219/2002. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução25 de Junho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA-Construções Limitada" intentou acção, com processo ordinário, contra BB pedindo seja declarada a resolução de contrato promessa entre ambos celebrado e que o sinal prestado pela Ré ( de 2.493,99 euros) lhe fique a pertencer.

Mais pede que seja declarada dona da fracção urbana objecto do contrato, que a Ré lhe deve restituir de imediato pagando-lhe uma indemnização (de 50,00 euros diários) pela ocupação abusiva, liquidando, desde logo, 7.500,00 euros, até 31 de Setembro de 2002 e deixando ilíquida a quantia devida a partir de 1 de Outubro desse ano.

A Ré contestou e deduziu reconvenção pedindo a resolução do contrato, a restituição do sinal entregue e ainda uma indemnização de 77.427,65 euros pelas obras que fez na fracção.

Numa primeira sentença, a acção foi julgada procedente e improcedente a reconvenção.

Mas a Relação anulou o julgamento para que a matéria de facto fosse ampliada.

Após novo julgamento, foi proferida decisão em tudo idêntica à primeira.

A Ré apelou para a Relação do Porto que revogou a sentença declarando resolvido o contrato promessa; julgou procedente a reconvenção e condenou a Autora a devolver à Ré o sinal recebido e a indemnizá-la com a quantia de 77.427,65 euros, acrescida de juros desde a citação.

Por inconformada, veio a Autora pedir revista.

E concluiu as suas alegações nos termos que assim se sintetizam: - A Recorrente interpelou a Recorrida para a outorga do contrato de compra e venda através de duas cartas, tendo a Recorrida respondido que não compareceria a essa escritura, mas declarando manter interesse no cumprimento do contrato-promessa, enquanto não fosse observado um requisito alegadamente (por ela) contratado, e que era a alteração da propriedade horizontal do prédio onde a fracção está situada, de modo a nesta ser instalado um estabelecimento de bar.

- Atento o disposto nos art.°s 410.°, 2, 220.° e 221. ° do CC, a Recorrente resolveu o contrato-promessa de forma válida, lícita e operante, porque a Recorrida não compareceu à escritura do prometido contrato de compra e venda, invocando uma cláusula que não consta do contrato. Por isso a acção devia ter procedido e o recurso rejeitado.

- O Tribunal, contudo, considerou que a Recorrente não terá agido de boa fé, com base, nomeadamente nos factos julgados provados, anteriores ou coevos da outorga do contrato-promessa, e que consistiam no facto da Recorrida ter dito nas negociações que pretendia instalar um bar na fracção; que a Recorrente se disponibilizou para alterar a propriedade horizontal; e que a alteração da propriedade horizontal era condição de compra.

- Os factos ora transcritos, dos fundamentos 11, 19 e 20 não podem ser considerados como cláusulas do contrato, muito menos essenciais, porque são contraditórias com o facto do fundamento 13. Por isso, quando muito poderão significar um compromisso de colaboração (por parte da Recorrente) à Recorrida, para esta conseguir a alteração da propriedade horizontal.

- Mas mesmo que os factos dos fundamentos 11, 19 e 20 sejam consideradas cláusulas do contrato, tais cláusulas são nulas, por força do disposto nos art.°s 416. °, 2, 220. ° e 221. ° do CC, e, então, tais factos terão de ser considerados não provados, porque provados, ilegalmente, por prova testemunhal. Por isso tais factos ou serão eliminados da fundamentação de facto ou a decisão recorrida deverá ser anulada, por força do disposto no art.° 393. °, 1 do CC e art.°s 722. °, 2 e 669 ° 1, a) do CPC.

- Da conjugação desses factos, por um lado os dos fundamentos 14, 15, 16, 23, 24, 26 e 27, e, pelo outro, os dos fundamentos 13 e 17, resulta que a Recorrente não deu qualquer causa, muito menos culposa, à constituição da alegada convicção da Recorrida. Por isso, e nesta parte, a decisão recorrida violou a norma art.° 762. °, 2 do CC) em que se louvou.

- A afirmação de que a Recorrida sempre manteve a sua exigência à A. de alterar a propriedade horizontal" é contraditória com o facto dela não ter exigido à Recorrente "qualquer garantia de que, na fracção, podia instalar qualquer estabelecimento de bar". Foi assim violado o princípio da veracidade.

- A afirmação de várias interpelações solicitando a alteração é um conceito vago e genérico. A interpelação é um acto jurídico que visa a colocação do interpelando em mora ou em incumprimento. Tem a natureza de negócio unilateral receptício, sendo seus elementos essenciais as datas do envio e recepção da interpelação, bem como o seu conteúdo concreto (nomeadamente a admonição específica, a declaração de perda de interesse no cumprimento, assinatura de prazos para agir, etc) - cf. art.°s 295. °, 224.°, 1, 805. °, 799.°, 804.°, 2 e 808. ° do CC.

- Pelas razões apontadas nas conclusões 9.ª a 10.ª, os factos dos fundamentos 22 e 25 não podiam ter sido julgados provados, nem deles tirado qualquer efeito prático. Por isso o acórdão é nulo (art.°s 722. °, 2 e 669. °, 1, a) do CPC).

- Sem prescindir, esses factos não provam o incumprimento da Recorrente por três ordens de razão: i) Desses factos não consta que a Recorrente tivesse recusado o cumprimento - que só podia ser a colaboração em esforços de alteração da propriedade horizontal -, pelo que não há incumprimento nem mora (art. ° 798. ° e 804. ° do CC); ii) Desses factos também não consta que a Recorrida tivesse assinado à Recorrente qualquer prazo para esta praticar actos que lhe fossem exigíveis, nem que tivesse declarado e fundamentado perda de interesse no negócio (art.° 808. ° do CC); iii) A interpelação para que ela alterasse a propriedade horizontal, como seu dever (da Recorrente) absoluto, seria ineficaz, porque dependia de autorização administrativa e de todos os demais condóminos (art. ° 4.º, 3, f) do DL 559/99 e art. ° 1419. ° do CC).

- O Tribunal condenou a Recorrente em indemnização Recorrida, com base no disposto no art.° 762. °, 2 do CC, para assim o ressarcir dos prejuízos que ela alega ter tido com execução de obras na fracção, sem ter curado da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, da conduta ilícita voluntária (violação daqueles deveres acessórios), dolosa (vontade livre de lesar a Recorrida e conhecimento da proibição), o dano (resultante desse comportamento) e o nexo de causalidade (ter sido a conduta culposa a provocar o dano).

- Os factos que, em abstracto, poderiam aproximar-se da violação de deveres contratuais e legais, por parte da Recorrente, são as alegadas solicitações, feitas pela Recorrida à Recorrente, para que esta alterasse a propriedade horizontal e a manutenção dessa exigência. Estes eventuais factos prendem-se com obrigações contratuais (não constantes do contrato) e até incompatíveis com o facto Recorrida não ter exigido à Recorrente "qualquer garantia de que (esta), na fracção, podia instalar qualquer estabelecimento de bar", e por isso não são deveres acessórios que vinculassem a Recorrente nesta perspectiva. Admitindo-se, para efeitos de...

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