Acórdão nº 9/16 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução19 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 9/2016

Processo n.º 1034/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

  1. A. (Requerente e Recorrente no presente recurso de constitucionalidade) requereu a intimação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) – nos termos do processo especial de Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias –, visando a anulação de todos os atos do procedimento de promoção à categoria de ministro plenipotenciário, bem como a condenação do MNE em novo procedimento, devidamente fundamentado, substitutivo do anterior. Invocou a tal respeito a existência de vícios de falta de fundamentação e violação dos princípios da imparcialidade e da igualdade. Tal processo correu os seus termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa onde lhe coube o n.º 602/13.5BELSB.

    Ora, na pendência do processo, foi proferida decisão pelo MNE exonerando a Requerente do cargo que ocupava (Cônsul-Geral de Portugal em Zurique), com efeitos a 18/05/2013, por atingir nessa data o limite de idade (60 anos). A Requerente pediu a extensão do objeto do processo à impugnação daquela decisão.

    Perante a exoneração da Requerente, o tribunal suscitou, ex officio, a questão da inutilidade superveniente da lide, ouvindo as partes quanto a essa matéria, pronunciando-se a Requerente no sentido de não se verificar a inutilidade da lide e o MNE em sentido antagónico.

    Apreciando a questão, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou que, com base no enquadramento legal funcional aplicável, a Requerente passaria à situação de disponibilidade ao atingir os 60 anos de idade (artigo 29.º, alínea a), do Estatuto da Carreira Diplomática – Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro) e, nessa situação, não poderia ser promovida, mas apenas progredir na categoria atual, no caso de ser chamada a desempenhar quaisquer funções nos serviços internos do MNE ou a participar em missões extraordinárias e temporárias. Analisando os reflexos de tal regime substantivo na utilidade da ação, entendeu aquele tribunal:

    “[…]

    Nestas circunstâncias, qualquer que seja o objetivo visado com o processo de intimação – a defesa do ‘direito a um procedimento justo’ mediante a anulação de todos os atos do procedimento de promoção e a sua substituição por outro em que sejam observados o dever de fundamentação e os princípios da imparcialidade e da igualdade (objetivo imediato), como defende a requerente, ou, ‘em último termo’, a promoção à categoria de ministro plenipotenciário (objetivo último ou mediato) por meio de concurso organizado e conduzido nos termos preconizados pela requerente, como foi alvitrado pelo Tribunal (com apoio no que a requerente alega, nomeadamente, nos artigos 198.º, 199.º e 236.º do requerimento inicial, 13.º e 20.º do requerimento de fls. 193-201 e 180 do requerimento de fls. 489-496 dos autos do processo físico) e a entidade requerida sustenta, mesmo sabendo-se que a requerente não pede a condenação da entidade requerida a nomeá-la ministra plenipotenciária, o Tribunal não vislumbra qualquer utilidade no conhecimento do mérito da causa, face ao disposto no citado art.º 29.º do ECD. Com efeito a utilidade da tutela judicial requerida não se avalia só pelo objeto imediato do processo; as exigências de justiça material podem exigir a consideração da finalidade última que o demandante pretende alcançar, tal como ela resulte da interpretação da petição ou requerimento inicial, sob pena de se sucumbir aos caprichos da justiça formal.

    O ‘direito a um procedimento justo’ que a requerente invoca visa, em último termo, a promoção à categoria de ministro plenipotenciário (cfr., por todos, o artigo 236.º do requerimento inicial), à qual presta serviço, dada a sua função instrumental.

    Ora, tornando-se supervenientemente impossível alcançar esse desiderato último, torna-se inútil qualquer pretensão que vise obter a tutela desse ‘direito’. Com efeito, ao contrário do que a requerente parece supor, não existe nenhum direito subjetivo ou interesse legalmente protegido a um procedimento administrativo justo, nomeadamente um procedimento que assegure ‘uma avaliação fundamentada que garanta a igualdade de tratamento’ (artigo 236.º do requerimento inicial), independente da obtenção de uma vantagem concreta que se repercuta diretamente na esfera jurídica do interessado. Caso contrário, faltará o pressuposto processual da legitimidade ou, ao menos, interesse em agir, i.e., a necessidade objetiva, atual e séria de tutela judicial [cfr. o art. 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA].

    No caso em pauta, a requerente certamente não participou no procedimento de promoção em causa apenas para garantir, desinteressadamente, qual guardiã da legalidade, que o processo fosse justo e equitativo, pelo que não estará também exercendo com a instauração do processo de intimação a ação pública em defesa da legalidade objetiva, para a qual tem legitimidade o Ministério Público (art. 9.º, n.º 2, do CPTA).

    Por este conjunto de razões, ocorre, em verdade, uma inutilidade superveniente da lide, o que prejudica o conhecimento das restantes questões suscitadas nos autos, incluindo o conhecimento do mérito da causa.

    3 - Decisão

    Face ao exposto, julgo e declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide [art.º 277.º, aI. e), do CPC].

    […]” (ênfase acrescentado neste texto)

    1.1. Inconformada com tal decisão a Requerente dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul. Das respetivas alegações consta, no que ora interessa, o seguinte:

    “[…]

    Entende a Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal a quo é absolutamente contrária ao Direito e à Justiça, incorrendo em erro de julgamento quanto aos seus pressupostos e violando o disposto na Constituição da República Portuguesa (CRP), razão pela qual a Recorrente vem apresentar as suas alegações de recurso, pugnando pela revogação da sentença e pela procedência da sua pretensão.

    1. Inutilidade superveniente da lide – erro de julgamento

      […]

      Do exposto, resulta que a utilidade da lide se determina em função do efeito jurídico prático e benéfico que o autor pretende obter através do recurso aos meios judiciais, e que resultará do pedido e da causa de pedir formulados no processo.

      Resulta, também, que, para ser julgada e determinada a Inutilidade superveniente da lide, é necessário que:

      1) Tenha ocorrido um facto na pendência da instância;

      2) Tenham desaparecido sujeitos ou o objeto do processo ou não seja possível satisfazer a pretensão do Autor;

      3) Não decorram, da ação, quaisquer efeitos úteis ou benéficos para o autor;

      4) Não seja proporcionada a tutela efetiva dos direitos atingidos pelo ato impugnado.

      […]

      Resulta dos pedidos formulados pela Recorrente que esta pretendia que fosse aferida a legalidade de um procedimento de promoção levado a efeito pelo Recorrido ao qual a Recorrente se candidatou.

      Esclareça-se que nenhum pedido foi formulado no sentido da condenação do Recorrido à nomeação da Recorrente como ministra plenipotenciária, pese embora o Tribunal a quo considere que se trata do objetivo mediato do processo, referindo que ‘as exigências de justiça material podem exigir a consideração da finalidade última que o demandante pretende alcançar, tal como ela resulte da interpretação da petição ou requerimento inicial, sob pena de se sucumbir aos caprichos da justiça formal’.

      Refira-se que, logicamente, a Recorrente pretendia ser promovida a ministra plenipotenciária, entendendo que reunia as condições para tal, caso contrário nem se teria apresentado a concurso.

      No entanto, não se trata de um direito que a Recorrida pretende ver acautelado neste processo.

      O seu direito é outro, tal como resulta dos pedidos e da causa de pedir formulados na presente ação: o direito, liberdade e garantia do direito a um processo fundamentado, justo e equitativo consagrado no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e o consequente direito, liberdade e garantia a uma progressão na carreira diplomática em condições de igualdade e de justiça relativa, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da CRP.

      Não se poderá concordar com o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual ‘não existe nenhum direito subjetivo ou interesse legalmente protegido a um procedimento administrativo justo, nomeadamente um procedimento que assegure «Uma avaliação fundamentada que garanta a igualdade de tratamento» (artigo 236.º do requerimento inicial), independente da obtenção de uma vantagem concreta que se repercuta diretamente na esfera jurídica do interessado. Caso contrário, faltará o pressuposto processual da legitimidade ou, ao menos, interesse em agir, i.e., a necessidade objetiva, atual e séria de tutela judicial (…)’.

      Aliás, nem se consegue compreender a decisão do Tribunal a quo, por flagrantemente contrária aos princípios e direitos constitucionais.

      Conforme referido em sede de petição inicial, a Constituição confere uma especial proteção aos administrados, em face da Administração, nomeadamente no que se refere ao dever de fundamentação dos atos administrativos que recai sobre a Administração, no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, bem como ao acesso e promoção na função pública, no n.º 2 do artigo 47.º da CRP.

      No artigo 268.º da CRP, encontra-se consagrado o direito dos particulares à fundamentação dos atos administrativos quando afetem direitos e interesses legalmente protegidos e o correspondente dever da Administração de expressar a motivação e justificar os seus atos, de acordo com os princípios da suficiência, clareza e congruência.

      Pese embora não esteja inserido no Título II relativo aos Direitos, Liberdades e Garantias, é reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina que os direitos e garantias previstos no artigo 268.º da CRP têm natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias, para efeitos do artigo 17.º da CRP (cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição revista, Coimbra Editora, 1993, anotação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT