Acórdão nº 08A3944 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução14 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- A AA Viagens e Turismo, com sede na Rua ..., nº 0, 0º Dtº, Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação e simples apreciação, com processo ordinário, contra BB - Lineas Aéreas de ..., S.A.

, com sede na Rua ..., 00, 6º, Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar os montantes correspondentes à comissão incidente sobre a passenger service charge, desde 1 de Janeiro de 1994 até final, bem como os respectivos juros desde a data do vencimento até integral pagamento, calculados às taxas legais em vigor em cada momento, quantificando o montante devido relativamente aos anos de 1998 a 2000 em €168.433,29 (resultante da soma de €41.003,80, €50.043,13 e €77.386,36, correspondentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, respectivamente), acrescido de €74.516,52, relativos aos juros dos anos atrás mencionados, contados desde o dia 1 de Janeiro do ano seguinte ao que se reportam. Quanto aos montantes correspondentes aos anos de 1994 a 1997, bem como aos respeitantes a data posterior a 31 de Dezembro de 2000 e respectivos juros, pediu a sua determinação para momento ulterior. Mais pediu que fosse declarada a existência do direito das representadas da AA às comissões, à taxa vigente em cada momento, sobre os montantes relativos à passenger service charge.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que até 31 de Dezembro de 1993, as companhias aéreas, nomeadamente a R., apresentavam uma tarifa única no título de transporte (adiante designado bilhete) e autonomizavam uma taxa única (a taxa de segurança), pagando aos Agentes de Viagens uma comissão, correspondente a uma percentagem, em vigor em cada momento, sobre a tarifa. A partir de 1 de Janeiro de 1994, a R. alterou esta prática, passando a apresentar, no título de transporte, uma série de caixas (boxes) - PTE - Tarifa, PT - correspondente à taxa de segurança (security charge) e YP - correspondente à taxa de serviço de passageiros (passenger service charge) - com o objectivo de excluir da comissão paga aos Agentes de Viagens o montante referente à passenger service charge. A passenger service charge cobrada pelo aeroporto às companhias aéreas faz parte dos custos que estas têm que suportar para transportar os passageiros que procuram os seus serviços, correspondendo ao montante que o aeroporto cobra à companhia aérea pela utilização e movimentação de passageiros, clientes dessa companhia, naquelas instalações.

A R. contestou excepcionando a ilegitimidade da A. relativamente ao pedido formulado e a prescrição do eventual crédito resultante das comissões vencidas até 15 de Novembro de 1998.

Mais alegou que, por lapso, até 31 de Dezembro de 1993, comissionou as agências de viagens incluindo a taxa de serviços de passageiros na tarifa ou preço do bilhete. Alegou ainda que a alteração ocorrida a partir de 1 de Janeiro de 1994 corresponde ao cumprimento da Resolução 814 e que a taxa de serviço de passageiros não é um encargo da companhia de aviação, sendo devida por cada passageiro, embora debitada às transportadoras que a fazem repercutir no passageiro, razão pela qual não pode ser incluída na tarifa (que reflecte o preço da actividade da transportadora).

Na réplica, a A. pronunciou-se no sentido da improcedência das excepções invocadas e respondeu à factualidade alegada na contestação.

Foi proferido o despacho de fls. 114 dos autos, que declarou como não escritos os artigos 26º a 98º da réplica, por respeitarem a matéria que não constitui resposta às excepções da ilegitimidade e prescrição.

A fls. 166 foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento de dois requerimentos da R..

Esta agravou do mesmo, agravo que obteve provimento, tendo o acórdão ora recorrido revogado esse despacho - fls. 882.

Proferiu-se despacho saneador, julgando improcedentes as excepções da ilegitimidade da A. e da prescrição invocadas (fls. 589 a 593), após o que fixaram os factos provados e se organizou a base instrutória.

Esta base instrutória foi objecto de reclamações, decididas por despacho de fls. 662 a 665 dos autos.

Da decisão do saneador que julgou a A. parte ilegítima foi interposto pela R., recurso de agravo, a que o acórdão recorrido negou provimento (1) .

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (constante de fls. 789 a 803) que julgou a acção procedente nos seguintes termos: "a) reconheço o direito das representadas da AA a receber comissões, à taxa vigente em cada momento, sobre os montantes relativos à taxa de serviço a passageiros (passenger service charge); b) condeno a R. a pagar à A. a quantia que se apurar em execução de sentença, referente à comissão devida sobre a passenger service charge no período de 1 de Janeiro de 1994 até hoje".

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí julgado improcedente o recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.

1-2- Continuando irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões (2) : 1.ª As questões de direito em discussão nos presentes autos - nos quais a AA - AA Viagens e Turismo, aqui Recorrida, veio reclamar da BB, aqui recorrente, o pagamento do valor de certas comissões alegadamente devidas às empresas suas associadas, relativas aos anos de 1994 e seguintes - são fundamentalmente duas: a de saber se a AA tinha legitimidade para o fazer e a de saber se a BB pagou às associadas da AA um valor de comissões inferior ao devido.

  1. O Tribunal da Relação de Lisboa não aplicou correctamente o direito aos factos, motivo pelo qual a decisão sob censura deverá ser concedida a presente revista e revogada integralmente a decisão recorrida.

  2. A recorrida não dispõe de poderes de representação para vir cobrar em juízo à BB comissões alegadamente em dívida às suas associadas. Esta falta de representação é traduzida pela ausência de mandato de cada Agência e pela ausência de deliberação que lhe permita vir a Juízo para discutir e, eventualmente, cobrar créditos alheios.

  3. O vício identificado no parágrafo precedente foi invocado pela recorrente, suscitado nas alegações de recurso, mas não foi sequer objecto de pronúncia pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

  4. O n.º 1, al. d) do art. 668.º do C. P. Civil declara nula a sentença ou acórdão que se não pronuncie sobre matéria que deva ter em consideração. Ao omitir qualquer conclusão ou apreciação às matérias atrás referidas, o acórdão sobre recurso é nulo.

  5. A apreciação do interesse submetido a Tribunal nestes autos revela que o mesmo não pertence à Associação, nem esta é parte na relação jurídica controvertida. A Associação não tem poderes (mandato) de representação das Agências para discussão e eventual cobrança dos créditos que pertençam a estas, nem tal foi sequer alegado por aquela ou provado nos presentes autos (vide a ausência de factos na matéria de facto assente).

  6. Quer a falta de poderes da Associação para cobrança de créditos das agências suas associadas, quer, ainda que esses poderes existissem, a falta de obrigação da BB de pagar a representante voluntário ou a terceiro autorizado pelo credor a receber o crédito, deviam, só por si, ter levado o Tribunal a concluir logo pela improcedência da acção.

  7. Não estando a Associação mandatada para cobrar em representação das agências de viagens, o pagamento que a BB lhe viesse a efectuar não seria liberatório para a devedora, isto é, não extinguiria as alegadas obrigações desta perante as credoras (artigo 770.º do Código Civil).

  8. Todavia, ainda que dispusesse de tais poderes de representação, o que por imperativo de patrocínio e sem conceder se concebe, por força do art. 771.º do C. Civil a pretensão da Associação sempre seria improcedente, porque nada pode obrigar a recorrente a pagar à recorrida o que esta reclama e lhe não pertence.

  9. O artigo 771.º do C. Civil - plenamente aplicável ao caso - é inequívoco, decorrendo do mesmo que a BB não é obrigada a pagar quaisquer comissões à Associação, alegada representante das agências, conforme se sustenta e desenvolve no Parecer do Exmo. Senhor Professor Paulo Mota Pinto junto aos autos e para o qual se remete.

  10. Quanto à questão de fundo - existência ou não de uma obrigação contratual de incluir na base de cálculo das comissões devidas pela BB aos agentes de viagens acreditados na IATA e associados da Associação não apenas o preço do serviço do transporte assegurado pela BB, mas também uma taxa de serviço a passageiros destinada a remunerar os serviços prestados pela ANA, S.A. - o T. da Relação de Lisboa decidiu erradamente a mesma.

  11. O primeiro vício apontado à decisão relaciona-se com o âmbito da condenação: o Tribunal não delimitou a sua decisão, quando, por força da causa de pedir invocada, o pedido deduzido pela Associação só se pode referir às comissões relativas a bilhetes da BB vendidos por intermédio de agências de viagem que sejam associadas da AA e que são também acreditadas junto da IATA, ficando excluídas quaisquer outras vendas de bilhetes da BB (quer as efectuadas pela própria companhia, quer as efectuadas por agências estrangeiras, quer as efectuadas por agências nacionais que não preencham a dupla condição de serem agências associadas da AA e de serem agências acreditadas na IATA).

  12. A decisão sob censura errou na decisão proferida, porquanto: (i) se baseou apenas no texto das Resoluções n.º 814 e 824 da IATA (que considerou serem regulamentos) e não se baseou no contrato celebrado com as agências de viagens (cf. matéria de facto assente, fls. 12 da decisão do Tribunal da Relação em que é feita menção expressa ao contrato-tipo de agência); (ii) efectuou uma interpretação literal e incorrecta das disposições das citadas Resoluções IATA.

  13. A causa de pedir é constituída pelos contratos-tipo de agência celebrados por cada...

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