Acórdão nº 08A4000 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2009
Magistrado Responsável | GARCIA CALEJO |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I- Relatório: 1-1- AA, S.A., promoveu a expropriação litigiosa por utilidade pública respeitante à parcela que denominou de nº 101, com a área total de 209.146 m2, correspondente à totalidade da área de três prédios propriedade da BB, Lda.
, denominados "Codilhão Pequeno" ou "Condilhão Pequeno", "Codilhão Grande" ou "Condilhão Grande" e "Canas" descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob os nºs 01792, 01788 e 01277, e inscritos na matriz sob os arts. 1889, 1890 e 1891, respectivamente.
A requerente juntou vários documentos entre os quais o auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam (fls. 115 a 125), o despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de autorização de posse administrativa (fls. 129 a 131), o auto de posse administrativa (fls. 132), o relatório de arbitragem (fls. 135 a 145) e o acórdão arbitral (fls. 133 e 134), no qual o valor da parcela foi fixado, por unanimidade, em 74.246.830$00.
Por despacho de fls. 315 e 315-v. (rectificado, conforme ordenado a fls. 1612/1614) foi adjudicada ao Estado Português a referida parcela, ao abrigo do art. 50º nº 4, do C. Exp. de 1991.
A BB, Lda. agravou do despacho de adjudicação (fls. 324) recurso que foi recebido por despacho de fls. 812 a 814, sendo-lhe atribuído regime de subida diferida, com efeito meramente devolutivo.
A fls. 1113 e 1114, foi proferido despacho de sustentação desse agravo.
A Relação, no acórdão recorrido, negou provimento ao agravo, apreciando duas questões. A primeira, se o tribunal deveria ter ordenado a notificação da expropriada antes de proferir o despacho de adjudicação da propriedade do imóvel identificado nos autos e a segunda se tal despacho de adjudicação não seria admissível, por faltar a declaração de utilidade pública da expropriação da referida parcela (págs. 2180 a 2190).
Quer a AA (fls. 326 a 341), quer a BB (fls. 489 a 535) recorreram da decisão arbitral.
Proferida sentença, que fixou a indemnização devida em 557.259,67€, ambas as partes dela apelaram, embora a BB apenas subordinadamente.
A Relação decidiu atender à apelação da expropriante AA, considerando que a 1ª instância não tinha fundamento bastante para dissentir da opinião maioritária dos peritos. Mais decidiu julgar improcedente a apelação subordinada. Fixou, assim, o montante da indemnização em 278.217,74€.
1-2- Inconformada com o acórdão da Relação, a BB interpôs recurso de revista, que foi admitido, por despacho de fls. 2709 a 2713, admissão, porém, circunscrita apenas às questões suscitadas nas conclusões 1ª a 23ª (atinentes ao despacho de adjudicação da propriedade) (1) .
Nessas conclusões, constantes de fls. 2414 a 2422, a recorrente argumenta que: 1ª - Para o correcto julgamento dos factos e averiguação do direito que lhes é aplicável torna-se indispensável considerar que o instituto jurídico acolhido no art. 3º/2 e regulado nos arts. 53º e 55.º do CE/91 radica salvaguardar o direito do proprietário a uma justa indemnização, por isso, não sendo possível compensar a perda de uma unidade económica, afectada por DUP de expropriação, com a indemnização da depreciação da parte restante (art. 28.º do CE/91), nem com obras adequadas (art. 54º n.º 1 do CE/91), o proprietário tem o direito a que, calculado o valor da totalidade unitária e o da parcela objecto de DUP (conforme art. 55.º n.º 1 CE/91), lhe seja pago o respectivo montante, sendo o da parte não objecto de DUP pago pela expropriante ou por titulares do direito de preferência (art. 53º nº 6 do CE/91) - razões pelas quais se diz que o art. 3.º/2 não trata de uma expropriação mas de uma venda coactiva.
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- A AA, no requerimento inicial, bem como de forma mais expressa na contra-alegação do agravo, sustentou que a causa desta expropriação residia na circunstância de, estando obrigada a expropriar a totalidade das Salinas do Samouco, pela Base 73º do Segundo Contrato de Concessão (invocado logo à cabeça do seu req. Inicial), anterior Base LXVIII, aprovada pelo Dec. Lei 168/94, de 15.6, «antes da expropriante lançar mão do cumprimento de tal obrigação, a expropriada antecipou-se e requereu a expropriação da totalidade dos terrenos da sua propriedade que se encontravam inseridos em tal zona (Salinas do Samouco)".
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- Assim, tanto a AA como o Mº Juiz da 1ª instância, este, mesmo no despacho em que, já após a alegação da agravante, deu nova fundamentação à decisão recorrida, invocaram o art. 3.º/2 não no sentido de que os prédios expropriados fossem - factualmente - parte sobrante de alguma das várias parcelas objecto da DUP/95 - do MOPTC 6-XII/95, DR II S., Supl. N.º 68, de 21.3.1995, onde se declarou a necessidade de expropriar por causa da construção do viaduto da actual ponte Vasco da Gama, mas no sentido de que caberia, também, naquele preceito, a expropriação litigiosa de três prédios, não objecto de DUP, mas já destinados a expropriação, por se situarem em zona (Salinas do Samouco), assim indicada no Contrato de Concessão, desde que a proprietária, antecipando-se ao cumprimento das respectivas obrigações da concessionária, houvesse pedido a expropriação de todos os prédios dessa zona.
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- Assim, a questão que as partes traziam ao julgamento do agravo - definido pelo objecto e conclusões da alegação da ora recorrente - reforçada pela própria alegação da agravante, bem como pelo teor da sua carta doc. 3 do req. inicial, consiste, afinal, em saber-se se, existindo já antes, desde o Contrato de Concessão estabelecido pelo DL 168/94, de 15.6, a obrigação de expropriar estes três prédios, o pedido de 20.7.1995 da proprietária dispensa a DUP, ao abrigo do art. 3.º/1 do CE/91.
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- Porém, a decisão ora recorrida não considerou os termos e factos que as partes e a 1.ª instância traziam ao objecto do agravo, pois veio a dar, implicitamente, como provado, um facto novo, e uma nova causa de pedir ou de legitimar o processo de expropriação, não invocados pelas partes nem pela 1ª instância, segundo os quais, julga os prédios deste processo como a parte sobrante de uma unidade de exploração semimecanizada de sal, «instalada nos imóveis abrangidos pela DUP e ainda nos adjacentes, por ela não abrangidos, numa área global de 158,0240 ha» (p. 10/11 do Acórdão).
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- Tal factualidade não estava alegada pelas partes, não era a causa do processo de expropriação, não vinha debatida nem foi objecto da decisão agravada, pelo que, qualquer que fosse o juízo sobre a sua veracidade, face ao disposto nos arts. 66º, 712.º, combinados com o art. 3º e art. 3º-A do CPC, nunca poderia ser tomada em conta, como foi, e de forma nuclear à aplicação do direito.
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- Ao proceder assim o Acórdão expressa o sentido normativo do disposto nos arts. 664º e 712º do CPC, segundo o qual pode dar como provado e atender a um facto e causa de pedir não alegados pelas partes, no sentido de sustentar e viabilizar a pretensão de uma delas. Ora, tal sentido viola os deveres de isenção, imparcialidade, e respeito pelo contraditório, de arts. 3º, 3º-A do CPC e o disposto em art. 20º nºs 1 e 4 da CRP, enquanto direito à justiça e a um processo equitativo.
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- Por outro lado, sob o elenco dos factos que julgou, o Acórdão coloca nos seus nºs 2 e 3, não a factualidade constante no teor das respectivas cartas ali referenciadas, mas a interpretação que faz de um dos seus possíveis sentidos, aliás, viciada logo pela alteração que fez do objecto do agravo e com o novo facto que acrescentou, acabado de referir, violando assim, o disposto em arts. 511º/1, 646º/4, e 659º/3 do CPC.
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- Com efeito, a carta doc. 3 do req. inicial, da AA, ao referir-se ao «total das parcelas de V. propriedade sitas na área das Salinas do Samouco a que se refere a Base LXVIII das Bases de Concessão (...) indo-se desencadear os mecanismos de expropriação» e solicitando «uma reunião com V. Exas. em data a acordar, com vista a dar conta do prosseguimento a seguir», evidencia tratar-se de um documento a exigir interpretação do sentido da vontade ali expressa, sentido esse a efectuar-se, naturalmente e desde logo, de acordo com o teor da Base LXVIII ali referida por duas vezes como implicada, ou seja, a "totalidade" aqui expressa reporta-se ao conjunto Salinas do Samouco, e não a uma "totalidade" pressuposta pelo art. 3º/2 do CE/91 como a soma de uma parte objecto de DUP com a sua parte sobrante.
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- Assim, nesta parte, o Acórdão, quanto aos factos dados como n.ºs 2 e 3 do julgamento do agravo viola o disposto em arts. 511º, 646º nº 4, 659º n.º 3 do CPC, o que deve ser corrigido, por ser erro procedimental, ordenando-se o simples julgamento dos factos e eliminando-se dali aquelas interpretações, as quais, para além de erradas, não constituem factos mas juízos de valor.
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- Ainda no tocante à matéria de facto, o julgamento em causa ignorou um aspecto que vinha pressuposto em discussão, tanto pelas partes como pela 1ª instância, como de essencial consideração para o efeito de se aplicar ao caso o direito mais exacto - e que é a existência das regras no Contrato de Concessão, nos termos das quais todos os prédios das Salinas do Samouco deveriam ser expropriados pela AA, para o fim público de protecção ambiental, mediante prévia DUP de expropriação (Bases LXVIII e XXVII, bem como Cláusulas 73 e 30 do 2.º Contrato).
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- Na verdade, é imprescindível à garantia de uma livre e imparcial aplicação do direito que o Julgador conheça não só os factos que sustentam a tese de uma das partes, como os factos em que a contraparte se apoia - sendo certo que, no caso, ambas as partes se referiram à existência, como um facto de incontornável apreciação, da Base LXVIII (ou Base 73 no Segundo Contrato de Concessão, invocado logo à cabeça no req. inicial da AA).
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- Porém, tratando-se de factos enquanto regras legais existentes e relativas ao Contrato de Concessão, publicadas em Diário da República, o seu conhecimento é forçoso, por este Supremo Tribunal, pois constituem objecto do agravo.
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- Assim, a possibilidade de sucesso da decisão...
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