Acórdão nº 08P3183 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução12 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Por acórdão proferido no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 709/00, da 1ª Vara Mista de Loures, foram condenados, entre outros, os arguidos AA, BB e CC, com os sinais dos autos, como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado nas penas de 8 anos, 7 anos e 6 anos e 6 meses de prisão, respectivamente.

Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão relativamente ao arguido BB, revogou aquela na parte em declarou perdidos a favor do Estado 300.000 pesetas e o veículo automóvel ...-...-HO pertença do arguido AA e reduziu a pena aplicada ao arguido CC para 5 anos e 2 meses de prisão.

Recorrem agora os arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça.

São do seguinte teor as conclusões formuladas nos recursos (1) : Recurso do arguido BB PRIMEIRA O presente recurso versa matéria de direito e matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 434 e 419/2 e 3 do CPP.

SEGUNDA Ao presente recurso, nomeadamente no que diz respeito à sua admissibilidade e prazo para interposição e motivação, aplica-se a redacção do CPP anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, por ser aquela que é mais favorável ao arguido.

TERCEIRA Na sentença recorrida existem diversos pontos que se consideram incorrectamente julgados derivados de erro notório na apreciação da prova e que são os seguintes (da lista respectiva): os que constam dos números 2, 3, 4, 5, 22, 23, 57, 58, 86, 100, 130. Tais factos deverão ser considerados como não provados.

QUARTA Como se devem como não provados, por força da decisão tomada na douta decisão recorrida, os factos que constam dos números 20, 52, 53, 60, 65 e 116.

QUARTA De todo o teor dos depoimentos prestados e da demais prova produzida, resulta claro que a direcção era efectuada por terceiros. Isso mesmo, aliás, se extrai das menções feitas nos próprios FACTOS PROVADOS.

QUINTA O número 121 do elenco de FACTOS PROVADOS assenta num erro notório de apreciação da prova.

SEXTA Constitui erro notório na apreciação da prova a referência feita na sentença a fls.9826, no que diz respeito à identificação do motociclo do arguido, e à identificação do próprio arguido, como conduzindo esse motociclo, o que, com muita simplicidade, se extrai das declarações do Sr. Inspector DD, que não reconhece nem veículo nem condutor.

SÉTIMA Não foi produzida qualquer prova, capaz de sustentar que o arguido tenha recebido dinheiro, ou bens, provenientes de tráfico de estupefacientes.

OITAVA Constitui erro notório na apreciação da prova, o não se considerar a escuta telefónica efectuada ao arguido, mencionada na sua contestação, e reproduzida a fls.58 desta motivação, da qual resulta, com clareza, que ele contava que fosse tabaco a mercadoria apreendida em 12 de Outubro de 2000.

NONA Fica claro que o arguido não participou em qualquer operação de recolha (em Marrocos), transporte (para Portugal), descarga e armazenamento de produto estupefaciente, como não existe qualquer prova de que tenha, no dia 12 de Outubro, estado presente em qualquer momento do percurso do camião que transportava esse produto, cfr. se viu supra, relativamente à sua identificação e à do seu motociclo.

DÉCIMA No presente processo não foi possível aceder às escutas realizadas nos dias 10 a 12 de Outubro, que poderiam fazer luz sobre o que efectivamente ocorreu. Impedido de ouvir o teor destas escutas, o Tribunal optou por valorar o número de chamadas telefónicas, num exercício estatístico desprovido de qualquer interesse.

DÉCIMA PRIMEIRA Não pode ser aceite o depoimento dos Inspectores da PJ, na parte em que viola o disposto no artigo 129/1 do CPP.

DÉCIMA SEGUNDA Constitui omissão de pronúncia o facto de o Tribunal a quo" não se ter pronunciado sobre a existência e o teor do processo n.º 708, a que se alude, nomeadamente, na decisão instrutória, desvalorizando, por essa via, quer a sua existência, quer o facto de as escutas dele constantes terem, nos termos conhecidos, sido destruídas. Omissão que de pronúncia que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379/1/c e 2 do CPP.

DÉCIMA TERCEIRA Atenta a ausência no teor da acusação da existência do agente infiltrado, deve ser considerada como excesso de pronúncia, a consideração dos números 89 a 99 do elenco de FACTOS PROVADOS, o que acarreta a sua supressão e desconsideração. A integração destes factos no elenco dos provados, faz a decisão recorrida, que confirmou, nesta parte, a da primeira instância, incorrer em excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379/1/b do CPP e do artigo 358 do mesmo diploma, sendo a decisão nula (379/2 do CPP).

DÉCIMA QUARTA Não se encontra junto aos autos o relatório de actuação do agente infiltrado, exigido, à data dos factos, pelo disposto no artigo 59.º da Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção aplicável.

DÉCIMA QUINTA A actuação do agente infiltrado foi autorizada pelo MP no dia 27 de Setembro de 200, sendo que, antes disso, no dia 26 desse mês, o agente infiltrado participou na reunião a que se refere o número 93 do elenco de FACTOS PROVADOS.

DÉCIMA SEXTA Não foi autorizada a utilização da lancha que trouxe, nos termos da sentença, o produto estupefaciente para Portugal, nem o camião no qual foi transportado, até à sua intercepção no dia 12 de Outubro de 2000.

DÉCIMA SÉTIMA A utilização, como prova, do agente infiltrado, nos termos descritos nas conclusões precedentes, constitucionalidade, por violação do disposto no artigo 59.º e 61, da Lei 15/93, de 22 de Janeiro, à data aplicável.

DÉCIMA OITAVA O que se refere na conclusão precedente, bem como nas conclusões décima segunda e décima terceira, constitui violação do artigo 6.º da CEDH, bem como do artigo 32.º da CRP e 126.º do CPP.

DÉCIMA NONA Face à factualidade provada e sem conceder, ao arguido nunca deverá ser aplicada uma pena superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

* Recurso do arguido AA 1. O processo equitativo, consagrado no artigo 6.º, da CEDH e nos arts. 20º, n.º 4, e 32º, n.º 1, da CRP, é característica essencial do Estado de Direito e implica a condução do processo penal de forma, entre outros, a acautelar a igualdade de armas entre acusação e defesa, designadamente através da consagração e exercício de garantias de defesa e de determinadas proibições de prova; 2. A conduta processual das autoridades na investigação dos factos objecto do presente processo, utilizando e ocultando, conscientemente, um processo paralelo por si também iniciado, no qual foram realizadas e eliminadas intercepções telefónicas, nos dias que precederam e que coincidiram com a comissão dos factos imputados ao ora recorrente, bem como obtidas listagens telefónicas que dele não constam, é desleal e desrespeitadora das garantias de defesa do arguido, bem como da sua integridade moral, sendo a prova assim obtida, neste processo, nula, por violação do art. 126.º, n.º 1, do CPP, e 32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP. Ao não declarar tal nulidade, violou a decisão recorrida estes preceitos; 3. Tal desrespeito comprometeu de forma irremediável a equidade do processo, pois colocou, intencionalmente, o ora recorrente, em posição desvantajosa perante a acusação, por não ter acesso ou conhecimento aos elementos de prova assim ocultados, tendo por consequência a extensão do efeito à distância da invalidade da actuação processual da investigação/acusação a toda a prova assim obtida; 4. Deviam, pois, ter sido declaradas as invalidades supra referidas, bem como a consequente e irremediável violação do princípio do processo equitativo e a inerente invalidade de toda a prova subsequente constante dos autos, absolvendo-se os arguidos; 5. Ao não considerar, por um lado, que a conduta das autoridades de investigação tenha sido desleal e violadora daqueles preceitos e da exigência constitucional e convencional do princípio do processo equitativo, não aceitando que este principio exigia outra conduta, nem, por outro lado, que tal violação comprometia a equidade processual (ao contrário do que sucedeu com o voto de vencido lavrado no acórdão na primeira instância, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e que, acertadamente, preconizou a invalidade de toda a prova assim obtida e a consequente violação do princípio do fair trial), violou a decisão recorrida, bem como a decisão de primeira instância, os arts.20.º, n.º4, 32.º, n.º1e 8,da CRP e o art.6.º da CEDH.

6. A utilização de agentes encobertos consubstancia uma actuação de natureza desleal, recondutível ao conceito da prova proibida (por ser meio enganoso e desleal - arts. 126.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e art. 32.º, n.º 8 da CRP), reconhecida por doutrina e jurisprudência, mas que é admitida dentro de um circunstancialismo concreto e do cumprimento de apertada regulação normativa, bem como do respeito pelos direitos fundamentais e garantias processuais dos indivíduos, estando sujeita ao crivo da proporcionalidade; 7. No presente processo, e como bem elucidou o voto de vencido lavrado em primeira instância, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, a actuação das autoridades policiais não respeitou, por diversas formas, e de modo que é grave, quer os requisitos de intervenção do infiltrado, quer as suas formalidades, prejudicando, como tal, as garantias de defesa dos arguidos e a equidade processual.

8. A decisão de primeira instância -bem como a decisão que ora se impugna, que em nada alterou a primeira -deu como provada a matéria constante do processo de infiltração (cf. n.º 92, p. 40 do acórdão recorrido); 9. O agente infiltrado praticou actos de execução do crime de tráfico de estupefacientes agravado em data anterior à necessária autorização judiciária para a sua intervenção; 10. O transporte do produto estupefaciente por embarcação rápida e das instalações da Polícia Judiciária de Setúbal até Frielas não foi, também, previamente autorizado; 11. Tais actos estavam condicionados à existência de...

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